Apesar de já ser discutida há muitos anos, a reforma tributária entrou definitivamente como uma das principais pautas do governo federal com o mandato do presidente Jair Bolsonaro. A iniciativa é importante para a recuperação da economia no pós-pandemia, e diversas propostas sobre o assunto foram enviadas ao Congresso Nacional. O governo, contudo, não considerou nesse debate desafios climáticos e socioambientais, indo contra uma tendência mundial. É nesse contexto que nasce a Reforma Tributária Sustentável, iniciativa estruturada por 12 instituições.
Atualmente, as propostas de reforma tributária em tramitação mais avançada no Congresso Nacional são as emendas constitucionais (PECs) 45 e 110. Nenhuma delas, contudo, contempla medidas relacionadas ao tema sustentabilidade, o que é um equívoco na opinião de Gustavo Souza, gerente de políticas públicas para América Latina do CDP. “Uma publicação recente do instituto de pesquisas WRI mostrou que uma redução de 45% das emissões de carbono em relação aos níveis 2005 pode incrementar o PIB brasileiro em 2,8 trilhões de reais”, ressalta.
Essa constatação dá força para o projeto da reforma tributária sustentável, do qual o CPD faz parte. Por meio de nove propostas, a iniciativa busca tornar o sistema de cobrança de impostos brasileiro mais simples, “verde” e socialmente justo.
Princípio de poluidor pagador e incentivos a municípios são pilares do projeto
Uma das principais propostas do projeto é uma emenda ao artigo 145 da Constituição Civil. Ela permitiria que os contribuintes tivessem tratamento diferenciado de acordo com a capacidade de poluição do seu processo produtivo. “Nesse modelo, os impostos cobrados seriam equivalentes ao impacto socioambiental das empresas”, explica André Lima, coordenador do programa Radar Clima e Sustentabilidade do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e do grupo de trabalho que elaborou as propostas da reforma tributária sustentável. O objetivo dessa iniciativa, destaca Lima, não é aumentar a carga tributária, mas estimular a diminuição de gases de efeito estufa.
A reforma tributária sustentável pretende melhorar, ainda, a governança local e fomentar o desenvolvimento sustentável regional. Segundo Lima, a governança socioambiental ainda fica restrita aos âmbitos global, federal e estadual. “Municípios também precisam estabelecer suas metas e planos de enfrentamento e adaptação às mudanças climáticas e sociais”, comenta.
O projeto propõe também a criação do IBS ecológico, novo tributo simplificado. Um percentual de tudo o que for arrecadado por ele — começando por 0,5% e aumentando em 0,5% a cada dois anos, até atingir 2,5% — seria distribuído aos municípios de acordo com indicadores de governança climática e ambiental. Se o Brasil investisse 20 milhões de reais em iniciativas socioambientais dos municípios, o tributo poderia arrecadar, em uma década, até 20 bilhões de reais por ano.
Reforma tributária sustentável reacende debate sobre taxação de carbono
A taxação de carbono também está entre as propostas da reforma tributária sustentável. De acordo com Souza, relatórios sobre emissões de gases de efeito estufa elaborados a partir de dados reportados voluntariamente pelas empresas (a maioria delas brasileiras) mostram que, na América Latina, são emitidas 200 milhões de toneladas de CO2 equivalente de Escopo 1 [emissões diretas], 26 milhões de Escopo 2 [emissões indiretas provenientes do uso de energia elétrica] e 1,1 bilhão de Escopo 3 [outras emissões indiretas]. Os dados foram obtidos com base nas respostas de 98 empresas.
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Ainda assim, o Brasil não tem um mercado regulado de carbono. A ausência destoa da iniciativa de países vizinhos, como o Chile, que adotaram a taxação de carbono em um contexto de reforma tributária. Lima explica que o objetivo da taxação de carbono proposta pela reforma tributária sustentável não é aumentar a carga de tributos, mas reforçar o princípio de quem polui mais deve pagar mais. “Nesse contexto, aqueles que não poluem receberiam indiretamente algum benefício — no caso, a redução dos impostos a serem pagos”, explica.
Empresas apoiam projeto, mas temem aumento de carga tributária
Para Anna Carolina Mattioli, gestora executiva de tax da EDP no Brasil, faz todo sentido que o Brasil tenha um sistema tributário similar ao do Chile. “A criação de um tributo ambiental está em linha com o que vem acontecendo no resto do mundo e vai ao encontro do Acordo de Paris”, observa.
Segundo ela, é importante para as companhias que essa iniciativa não resulte em aumento da carga tributária e que as regras de funcionamento estejam claras. “É preciso pensar também numa política de transição que não prejudique as empresas e os investimentos feitos nelas”, ressalta Mattioli.
Outra proposta da reforma tributária sustentável é a vedação à concessão de incentivos tributários para atividades econômicas poluidoras. Essa proibição, entretanto, não seria feita de forma abrupta: a ideia é que os benefícios dados a atividades altamente intensivas de carbono sejam gradualmente reduzidos.
Proposta de reforma tributária sustentável ainda precisa passar pelo Congresso
O documento com as propostas da reforma tributária sustentável foi apresentado ao Congresso Nacional em agosto deste ano, com endosso da Frente Parlamentar Ambientalista. A estratégia das instituições que deram origem ao projeto é ampliar o campo de apoio buscando conquistar outras bancadas. “Estudamos a fundo o perfil de boa parte dos parlamentares antes de enviarmos o projeto. Conectamos a sustentabilidade com a saúde, por exemplo, para tentar obter o apoio daqueles engajados nesse tema”, comenta Lima. Na sua opinião, essa etapa de convencimento dos parlamentares é a mais desafiadora, porém essencial para que se alcance os dois terços de votos que garantiriam a aprovação da reforma tributária sustentável.
Confira as nove propostas da reforma tributária sustentável:
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Garantir que os princípios socioambientais de poluidor-pagador e protetor-recebedor estejam presentes no regime tributário e na Constituição Civil;
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Melhorar a governança climática e socioambiental local através da criação do IBS ecológico, tributo para compensação e transferência financeira a municípios com bons indicadores;
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Incentivar e investir no desenvolvimento regional de atividades ambiental e socialmente sustentáveis;
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Distribuir a arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR) para os municípios e implementar a CIDE-uso do solo (com função extrafiscal) para desestimular o uso improdutivo e insustentável do solo rural;
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Transformar as Contribuições de intervenção no domínio e econômico sobre combustíveis (CIDE-combustíveis) em CIDE-carbono ou CIDE-ambiental para melhorar a efetividade do tributo no combate à emissão de CO2;
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Especificar que o Imposto Seletivo, proposta federal, incide sobre produtos e serviços que causem externalidades ambientais;
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Garantir tratamento diferenciado para negócios que desenvolvam atividades econômicas sustentáveis, compensando-os com a devolução parcial do IBS pago;
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Mediante vedação expressa na Constituição, deixar de conceder benefícios a atividades altamente emissoras de carbono;
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Estabelecer prazos diferenciados e progressivos para eliminar os incentivos concedidos a setores com emissões menos intensas de CO2 e que estejam em consonância com políticas florestais, climáticas e socioambientais.
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