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Especialistas veem riscos em alterações na Lei das Falências e criticam figura do gestor fiduciário
Mudanças propostas pelo PL 3/24, em tramitação no Senado, estabelece a criação de um plano para a venda de ativos, pagamento de credores e extinção da empresa atribuídas a novo personagem, que substitui o administrador judicial
Lei das Falências, Especialistas veem riscos em alterações na Lei das Falências e criticam figura do gestor fiduciário, Capital Aberto

A Câmara dos Deputados aprovou na última semana (26) uma proposta para alterar a Lei de Falências e Recuperação Judicial, adicionando a figura do gestor fiduciário e dando mais poder aos credores. O texto aprovado é um substitutivo de autoria da relatora, deputada Dani Cunha (União-RJ), e deve ir ao Senado nas próximas semanas.

Entre as mudanças, a proposta estabelece a elaboração obrigatória de um Plano de Falência, detalhando as medidas para a venda de ativos, pagamento de credores e extinção da empresa, e atribui à figura do gestor fiduciário, que deve ser escolhido em assembleia geral de credores, a administração da empresa em falência. O Administrador Judicial será nomeado provisoriamente pelo juiz, até que ocorra a assembleia que elege o gestor. Desta forma, ele atuará apenas se a eleição não ocorrer.


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“Esse gestor também realizará a venda de bens para satisfação das despesas com o processo de falência e pagamento dos credores”, explica Bernardo Freitas, advogado especializado em Direito Societário e sócio do escritório Freitas Ferraz Advogados. “De acordo com o PL, o plano de falência deverá ser apresentado pelo gestor fiduciário ou, na inexistência deste, pelo administrador judicial, no prazo de 60 dias, contado da data de assinatura do termo de compromisso. O plano deverá conter proposta de gestão dos recursos da massa falida, detalhes da estratégia de venda dos bens encontrados e ações a tomar quanto aos processos judiciais, administrativos ou arbitrais em andamento”, completa.

Freitas aponta que um ponto relevante da proposta é a possibilidade de que o plano de falência seja alterado pela assembleia de credores por iniciativa do gestor fiduciário, do administrador judicial ou por propostas alternativas apresentadas por credores que detenham, no mínimo, 15% dos créditos presentes na assembleia. O mais importante é que essa alteração do plano de falência poderá ser feita independente do consentimento do falido. 

Além disso, há a possibilidade de que credores que representem, no mínimo, 10% do total de créditos contra a massa falida, se oponham ao plano de falência. Nesse caso, sua aprovação deverá ser deliberada em assembleia-geral de credores e a classe para a qual não haja expectativa de recebimento de valores não terá direito a voto.

O texto ainda cria limites para a remuneração e a atuação das figuras do gestor fiduciário e administrador judicial. 

“As mudanças são profundas e podem inviabilizar o próprio andamento das falências e recuperações judiciais, em razão de limitar o número de processos que um determinado Administrador Judicial (AJ) pode atuar. Também limita seu tempo de trabalho a 3 anos, o que torna praticamente impossível que um administrador inicie e termine um mesmo processo. Isto causará a necessidade de que o AJ substituto tenha um período de adaptação e reestudo do Processo a cada nova nomeação”, opina Carlos Tortelli, sócio da Crowe Consult e especialista em auditoria, controladoria e gestão de negócios. 

Segundo Tortelli, o momento no Brasil é de expectativas no setor de varejo, que vem apresentando balanços com prejuízos elevados, e da cadeia agro, que tem sofrido com a perda de valor das commodities e frustração de safra ocasionados por fatores climáticos, apresentando números elevados de pedidos de Recuperação Judicial.

Apenas em 2023, os pedidos de falência subiram 13,5%, de 866 para 983, com destaque para as micro e pequenas empresas, segundo o Serasa Experian.

Lei das Falências, Especialistas veem riscos em alterações na Lei das Falências e criticam figura do gestor fiduciário, Capital Aberto

Mudanças criticadas

Luis Felipe Spinelli, advogado do escritório Souto Correa e professor de Direito Empresarial da UFRGS, vê com muita preocupação o PL que foi aprovado na Câmara na última semana, “que parece ser feito muito mais com base na intuição do que com base em critérios técnicos e que, no fim do dia, acaba por não resolver de modo adequado os gargalos dos processos de recuperação judicial, extrajudicial ou de falência”.

“Eu compreendo a ideia de dar mais poder aos credores, mas vejo com muita reticência a forma como isso é colocado, ainda que se busque flexibilizar a alienação de ativos e critérios e criar várias possibilidades para tentar realizar da forma mais rápida. Primeiro, porque a lei passou para uma reforma em 2020 e nós ainda estamos vendo muitas coisas novas sendo implementadas. Fazer reformas açodadas na lei só gera mais insegurança jurídica e tocar uma reforma sem um amplo debate não me parece fazer muito sentido”.

O regime de urgência na tramitação do PL foi um dos pontos duramente criticados pelos juristas.

Spinelli também critica a criação da figura do gestor fiduciário, que traz basicamente as mesmas funções do administrador judicial. 

“Na reforma de 2020 já existe a previsão de que até 60 dias depois que o administrador judicial tome posse ele apresente um plano para realização do ativo. Tem que ser realizado, de fato, mas não é uma grande novidade. O plano com a reforma de 2020 já prevê um prazo, cuja ideia é realizar os ativos em até 180 dias”, aponta. “Então a única diferença seria esse gestor judicial ser eleito pelos credores. E aqui sim, muito provavelmente, a gente vai ter uma concentração nas mãos dos maiores credores em tomar essas decisões que são quem vai passar efetivamente a guiar o processo falimentar”, complementa.

Já Freitas entende que parte das mudanças propostas são, de fato, benéficas, em especial tendo em vista o intuito de tornar o processo falimentar mais rápido e transparente, considerando a participação ativa dos credores em todas as suas fases, e também cita como positiva a tentativa de simplificar o longo processo de avaliação de ativos, muitas vezes de baixo valor, ao promover uma dispensa da necessidade de aprovação judicial para alienação após aprovação do plano de falência, além de também auxiliar na clarificação da prioridade de pagamentos de credores. No entanto, também pondera a criação da figura do gestor fiduciário, ainda não muito bem compreendida e que tem sido muito criticada pelo mercado. “Isso porque parece ser algo contraproducente, que traz mais ônus e encargos, em relação a atos que, em teoria, já poderiam ser exercidos no modelo anterior pelo próprio administrador judicial”, opina Freitas.

Riscos para as empresas

Segundo Tortelli, da Crowe Consult, com as mudanças há diversos riscos para as empresas em situação de falência. “Destaca-se o risco de aceleração dos meios de alienação de ativos para satisfazer a credores específicos em detrimento de outros, privilegiando os maiores e ou mais bem colocados. Ainda, pela perda de comando do próprio juiz que conduz o processo na medida que perde a função do Administrador Judicial para o Gestor Fiduciário, figura autônoma no processo que agirá para atender aos interesses dos maiores credores apenas”, aponta. 

A atual legislação foi elaborada a partir de um estudo realizado no final da década de 1990 e início dos anos 2000, e foi alterada em 2021, com debate entre OAB, magistrados e agentes econômicos. 

“Pode não ser a legislação ideal, mas mantém segurança jurídica nos processos. Em termos práticos, os processos falimentares no Brasil são morosos e burocráticos, resultando em prejuízos aos credores. O projeto, porém, deixará tudo pior, principalmente ao mexer de forma profunda no administrador judicial, que é peça chave para o andamento destes tipos de processos”, opina Tortelli.

Os especialistas acreditam que a restrição da atuação dos administradores judiciais deve ser vista com muito cuidado, uma vez que pode levar ao desincentivo da profissão.

“Corre-se o risco de, eventualmente, quando se tem uma nova recuperação judicial, uma falência um tanto quanto complexa, não ter um administrador judicial que possa assumir aquele caso e ter que acabar lançando mão de administradores judiciais com menor estrutura”, aponta Spinelli, do Souto Correa. “Isso se tivermos, efetivamente, administradores judiciais para assumir a grande quantidade de casos que tramitam. Isso afeta os processos em curso, porque nos casos que demoram mais de seis anos, já em curso, o administrador judicial necessariamente deve ser substituído”.

Spinelli classifica a mudança como “grave”, devido à possível perda de informações no processo de troca de profissional e diz que demora nos processos está além da figura do AJ, pontuando questões técnicas deixadas de lado pelo congresso. O advogado critica a alteração do artigo 49, parágrafo terceiro, que trata das alienações fiduciárias.

“Ao se retirar a referência a bens de capital e fazer referência simplesmente a bens de capital e ativos essenciais, atividade empresarial, que não podem ser retirados pelos credores proprietários, isso tende a gerar um efeito muito pior no mercado, porque produz uma insegurança ainda maior aos financiadores que vão se valer de alienações fiduciárias, de um leasing ou qualquer outro instrumento de garantia, que poderia executar essa garantia e podem, do dia para noite, se verem sem essa possibilidade, sem contar os novos casos, o que tende a restringir ainda mais o acesso ao crédito”.

Para o especialista, o estado deveria refletir sobre o “fresh start”, uma lei de insolvência que não seja tão hostil ao devedor, para que ele possa, entregando os seus bens, recomeçar sem dívidas.


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