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“Uma avalanche de dívidas está por vir”
Ilustração: Eric Peleias

Ilustração: Eric Peleias

Apaixonado pela arte de salvar negócios, o economista Ricardo Knoepfelmacher, fundador da RK Partners, provavelmente nunca imaginou um Brasil com tantas companhias doentes. Conhecido pelas soluções engenhosas que desenha para içar empresas do atoleiro, ele não hesita em projetar o caos. “Estimamos uma avalanche de dívidas que supera 500 bilhões de reais no watch list dos bancos”, afirma. Na prática, ele se refere a empréstimos cujo calote ainda não teria sido sequer provisionado pelos bancos — o que inevitavelmente terá de ser feito num futuro próximo. Nada de alívio no horizonte do economista, portanto, ao contrário do que vislumbram alguns analistas. O resultado, ele afirma, será uma contenção forte do crédito por pelo menos mais dois anos, mesmo com as taxas de juros decrescentes.

Ricardo K, ou simplesmente K, em razão da inevitável simplificação do sobrenome alemão carregado de consoantes, acumula em sua trajetória quase uma centena de casos de reestruturação de negócios. Atualmente, atende um total de 15 clientes, dos quais sete estão envolvidos na Operação Lava Jato. Ele lembra que algumas dessas empresas são referências mundiais de qualidade de serviço, têm dezenas de milhares de funcionários, pagam centenas de milhões em impostos — “e, por isso, não podem quebrar”. A saída nesses casos tem sido localizar os bons ativos e encontrar uma forma criativa de descontaminá-los dos efeitos da Lava Jato, para então vendê-los.

Nem sempre é fácil convencer os donos dessas empresas de que essa é a alternativa menos pior — embora o jeito afável e o talento de K para lidar com pessoas certamente ajudem. Patrimonialista, o empresário brasileiro costuma demorar para admitir que é melhor ser minoritário e não mandar na empresa do que ser majoritário e controlador de uma companhia em naufrágio. Tampouco é simples persuadir todas as partes envolvidas a aceitar as vantagens das soluções propostas. K esperava concluir em meados de maio o redesenho da empresa de saneamento CAB Ambiental, controlada pelo Grupo Galvão, que presta serviços sob concessão para 18 prefeituras. O plano é transferir as ações da Galvão, envolvida na Lava Jato, para um fundo de investimento em participações (FIP) que seria gerido pela RK Partners e englobaria a dívida convertida em capital dos bancos credores — Votorantim, BNDES e Bradesco — e mais o aporte de um family office.

A beleza da solução estava em permitir que a Galvão deixasse o controle apenas com a diluição de sua participação econômica e a eliminação de seus poderes políticos — sem a transferência das ações e a eventual assunção dos problemas pelos novos sócios. Entretanto, o prefeito de Cuiabá, município responsável por grande parte do faturamento da companhia, sinalizou desconfiança com o negócio em entrevistas à imprensa e ameaçou desfazer a concessão — ele alega não acreditar na capacidade dos novos acionistas de executarem os investimentos previstos. Knoepfelmacher sustenta que a solução elaborada para descolar a CAB do controlador maculado é primorosa e espera convencer o prefeito até o começo de julho. O desenho, ele acredita, poderá depois ser replicado em portos, aeroportos, rodovias pedagiadas e outras concessões em situação análoga.

O imbróglio da CAB é um exemplo dos impactos da Lava Jato no setor de infraestrutura brasileiro. Pelo que se viu até agora, o dia seguinte das investigações deverá exibir uma nova composição da oligarquia dominante no segmento da construção civil. O cataclismo abre espaço para a ascensão das pequenas e médias empresas, que por falta de sorte — ou de conluio com as grandes — nunca tiveram a oportunidade de acessar esse tipo de negócio. São empresas que têm um rico repertório de obras, qualificação técnica, mas não estavam no jogo. Outra consequência dessa reorganização, assinala K, será um maior interesse dos estrangeiros pelo time de empresas médias. Com 200 milhões de habitantes e uma flagrante carência de infraestrutura, o País é um destino altamente sedutor para construtoras estrangeiras. Por fim, ele projeta, veremos um movimento de consolidação do segmento de pequenas empreiteiras, ainda fragmentado e repleto de atores locais. Por se tratar de um negócio de escala, é natural que elas se unam para atingir números robustos e conquistar espaço nas licitações. “Acreditamos que essas três coisas vão acontecer quase que simultaneamente”, analisa K.

O bote dos estrangeiros sobre as empresas locais, ele observa, só não aconteceu de forma mais acentuada até agora porque a sucessão asséptica dos ativos envolvidos na Lava Jato exige arquiteturas para lá de complexas. Diante de acordos de leniência ainda não delineados e de indenizações desconhecidas, tornam-se inócuos os trabalhos para se determinar o valor da empresa. Como se não bastasse, o arcabouço negocial e jurídico no qual o Brasil está amparado apresenta-se como mais um fator de atraso. Temos um mercado financeiro extremamente concentrado nas mãos de grandes bancos privados e públicos muito pouco preparados para situações de reestruturação como as experimentadas agora. Além disso, o Brasil se apoia em uma lei de recuperação judicial com jurisprudência limitada e notáveis diferenças em relação ao diploma que a inspirou, o Chapter 11 americano — “que, na prática, fazem toda a diferença do mundo”, alfineta K.

Os fatos de os planos de recuperação poderem ser propostos apenas pelo devedor, de existir um amplo espaço para os credores apresentarem recursos e liminares e de as dívidas tributárias não serem contempladas são alguns dos percalços que atrasam esses processos. Para piorar, acrescenta o consultor, certas idiossincrasias tornam a versão nacional do instrumento que permite a abertura de novas linhas de crédito pelas empresas em recuperação (conhecido nos Estados Unidos como debt-in-posssession, o DIP financing) de difícil implementação. “Por essa razão, dos 90 casos de reestruturação que temos em nosso histórico, houve apenas sete ou oito recuperações judiciais”, sublinha Knoepfelmacher. A recuperação judicial, ele ensina, deve ser reservada apenas para os casos em que há um ataque de credores que ameace colocar em risco a sobrevivência da empresa. “Ligamos esse botão somente quando não resta alternativa.”

Enquanto a lei não muda (há um projeto de reforma com alguma chance de ser votado em breve pelo Congresso Nacional), Ricardo K se concentra nas soluções que estão sob sua batuta. Uma delas é o avanço do investimento em ativos “distressed” — termo cunhado pelos americanos para definir títulos ou empresas fortemente desvalorizadas em decorrência de sua improvável recuperação. O objetivo é levantar 500 milhões de dólares com investidores nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente Médio para aportar em empresas médias e grandes que precisem de algo como 40 a 100 milhões de dólares para se reerguer. No alvo da captação estão os fundos soberanos e aqueles de grandes universidades (os chamados endowments) que tenham apetite para o que se costuma chamar na indústria de private equity de “special situations”. Para gerir o fundo prevenindo os possíveis conflitos de interesses com a sua atividade principal, K criou um braço chamado RPK Investimentos, a ser tocado pelo sócio Paulo Mattos. Entre as regras de separação, a área de consultoria, por exemplo, não poderá prestar serviços remunerados para as investidas do fundo.

O interesse de Knoepfelmacher pelo investimento em ativos “especiais” vem crescendo desde que ele selou uma joint venture com a asset americana de private equity Cerberus Capital Management, ainda em 2015. Com 30 bilhões de dólares sob gestão, a gestora procurou a RK Partners para ajudá-la na identificação de oportunidades de investimento em ativos distressed no Brasil. O alvo mais emblemático da parceria até agora é a problemática Oi, na qual a Cerberus já manifestou o interesse de investir até 2 bilhões de dólares. O duelo entre credores que almejam avançar sobre o capital da telefônica e acionistas que não aceitam ser diluídos atravanca o maior processo de recuperação judicial em andamento no País — a Oi tem vultosos 64 bilhões de reais em dívidas, com um impressionante contingente de 55 mil credores.

Ricardo K usa toda a sua aptidão de negociador para inserir o projeto de aporte da Cerberus no embolado processo de recuperação judicial em curso. Para isso precisa alinhavar o entendimento em várias pontas — para complicar, além dos investidores e acionistas, a pendenga da Oi envolve as autoridades da telefonia. Uma encrenca respeitável, mas que aparentemente está longe de assustar esse empreendedor aficionado por salvar empresas. Bloqueios são, afinal, um elemento inexorável nos acidentados percursos que ele gosta de trilhar.

 


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