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Sem privilégios
Proposta de reforma da lei de recuperação judicial prevê tratamento igualitário de garantias

 

Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Promulgada em 2005, a Lei 11.101, que regula a recuperação judicial (RJ) e a falência de empresas, foi testada à exaustão desde o acirramento da atual crise econômica. O uso intensivo dos dispositivos desse arcabouço e a comprovação de sua pouca eficácia em alguns casos foram importantes para o governo decidir encabeçar uma empreitada que há tempos era discutida no meio jurídico: a necessidade de alteração da lei. Elaborada por um grupo de trabalho formado por juízes, acadêmicos e representantes de bancos, devedores e credores, a proposta de reforma deve ser apresentada pelo Ministério da Fazenda ainda na segunda quinzena de junho. A expectativa é de que o viés técnico do projeto facilite a sua tramitação no Congresso na esteira do caos criado pela delação dos irmãos Batista em Brasília.

Uma das alterações na lei sugeridas pelo grupo diz respeito ao sistema de garantias bancárias. A proposta é que todos os mecanismos de proteção ao crédito tenham tratamento igualitário, o que não ocorre atualmente. A Lei 11.101 estabelece, por exemplo, que garantias de natureza fiduciária (em que o credor, geralmente instituição financeira, detém bens do devedor até a quitação da dívida) não se submetem ao processo de recuperação judicial. A recomendação é acabar com esse tipo de privilégio — para tanto, a alienação fiduciária passaria a ser tratada, no âmbito da recuperação judicial, como garantia real. Segundo Francisco Satiro, professor da faculdade de Direito da USP e integrante do grupo de trabalho, a proposta restabelece a lógica da lei, que busca a proteção dos credores. “A recuperação judicial não existe para salvar o CNPJ, mas para dar fôlego à empresa, de forma que preserve seus recursos em prol da sociedade e dos credores envolvidos no processo”, esclarece Satiro.

Apesar de apoiar a proposta, Alexandre Graziano, superintendente-executivo da área jurídica do Santander, defende que a mudança seja acompanhada da estruturação de uma lei única para garantias, ainda inexistente no Brasil. Hoje, as garantias são reguladas pelo Código Civil e por leis diversas, nem sempre harmoniosas. Com uma unificação, afirma Graziano, as instituições financeiras teriam mais segurança na hora de emprestar. “No modelo atual, os devedores encontram brechas para disputar as garantias em juízo e arrastam o processo por até dez anos”, reclama.

Sócio do escritório Felsberg Advogados, Thomas Felsberg também é favorável a uma reforma conjunta das leis de recuperação judicial e garantias. Ele ressalta que, em benefício da redução dos danos causados à sociedade pela insolvência das empresas, cada um dos participantes do mercado precisa se sacrificar um pouco. Na avaliação dele, grandes credores, como os bancos e o fisco, não abrem mão de receber integralmente suas garantias, prejudicando credores menores, como os fornecedores. Outro efeito colateral dessa situação é que, na tentativa de fugir dessas cobranças, muitas companhias acabam optando por perpetuar sua insolvência. “No fim das contas ninguém recebe nada”, observa o advogado. “Toda insolvência incorre em perdas, e os stakeholders precisam dividir esses prejuízos”, ressalta Felsberg.

, Sem privilégios, Capital Aberto

Além do tratamento igualitário das garantias, um ponto polêmico da proposta é a ampliação do alcance da recuperação judicial. Atualmente, apenas empresários regulares e registrados podem entrar com o pedido. A recomendação do grupo é que a recuperação judicial possa ser solicitada por qualquer pessoa física ou jurídica que exerça atividade econômica em nome próprio, independentemente da natureza empresarial dessa atividade. Com isso, a lei passaria a incluir agentes econômicos não regulares (que não são registrados em cartório ou na junta comercial), além de empresas públicas, produtores rurais e cooperativas.

Na opinião de Carlos Henrique Abrão, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), essa flexibilização pode aumentar significativamente o número de aberturas de pedidos de recuperação, o que seria um risco. “Não temos infraestrutura jurídica para abrir a porteira e deixar todo mundo entrar”, alerta Abrão. Segundo ele, nem mesmo a criação de varas especializadas em recuperação e falência, como prevê a proposta do grupo de trabalho, seria suficiente para atender a demanda. Nesse contexto, a solução, avalia o desembargador, seria criar um sistema capaz de identificar empresas com relevância social e econômica. “O fundamental é priorizar a injeção de dinheiro novo no mercado.”

 Mais agilidade

Uma das sugestões do grupo para desafogar as varas é agilizar o encerramento dos processos de recuperação judicial e falência. Segundo Satiro, da maneira como são conduzidos hoje, esses processos têm duração média de dez anos. Diante disso, o grupo propõe que, no caso da RJ, o prazo para homologação e encerramento seja de 180 a 270 dias corridos a partir da aprovação do plano. Já para falências, a sugestão é que a liquidação dos ativos e os pagamentos dos credores ocorram em até 180 dias.

Essa agilidade é importante num contexto em que cada vez mais companhias pedem recuperação judicial — em 2016 foram 1.863, um número recorde. Houve ainda 1.852 solicitações de falência, maior saldo em quatro anos. Dados da Serasa Experian mostram que há hoje no Brasil em torno de 8 mil processos de RJ protocolados; o índice de recuperações bem-sucedidas é desanimador, de cerca de 3%. O percentual é baixíssimo em comparação aos Estados Unidos e a alguns países europeus, regiões em que pelo menos 90% das empresas conseguem se recuperar efetivamente.

Exceção à regra, a Mangels Industrial demorou três anos para encerrar seu processo de recuperação judicial. Com plano homologado no final de 2014, a fornecedora de rodas para montadoras renegociou uma dívida de 430 milhões de reais com os credores e voltou a ter lucro em novembro do ano passado. “A lei, sozinha, não funciona. Tivemos que mudar a postura, nos reestruturar e ser transparentes com o mercado para conseguir”, diz Fabiano Lobo de Moraes, gerente financeiro da Mangels. Com a experiência de quem sobreviveu ao processo, o executivo defende a inclusão, na nova lei, de mecanismos que flexibilizem as exigências dos credores. “Nos sentimos anões perto dos bancos. O mercado precisa ajudar empresas honestas na recuperação em vez de carimbá-las como desonestas”, ressalta o executivo.


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