Junte a crise da Americanas, o balanço vermelho da Magalu no primeiro semestre e os prejuízos contínuos do Grupo Casa Bahia, ainda na luta para se manter no Ibovespa depois do grupamento de ações. Não é difícil concluir que 2023 foi difícil para o varejo.
“Em boa parte do ano, a alavancagem do consumidor, o crédito e inflação jogaram contra”, diz João Mamede, gestor de equities da AZ Quest.
Para se adaptar à nova situação, ele conta que muitas companhias do setor optaram por trocar crescimento por margens melhores. Mas, com a economia entrando nos eixos e juros menores, ele prevê um ano melhor para 2024, com possibilidade de uma “janela robusta” de IPOs e follow-ons.
Já o longo prazo é uma incógnita.“Não sei se existe espaço para dois ou três operadores nesse setor”, afirmou ele.
Perspectivas para o varejo
Confira a entrevista de Mamede à Capital Aberto:
Com você resume o ano de 2023 para o varejo
De forma genérica, 2023 foi difícil. Embora estejamos passando por um momento de crescimento econômico grande, o consumidor está muito endividado, e a inadimplência do sistema, alta. Com isso obviamente os bancos estão bastante restritivos em emprestar para o consumidor consumir e existe uma falta de crédito no mercado. E o crédito é um dos grandes propulsores do varejo. Tem também a inflação, que começou a arrefecer, mas até o começo do ano era alta.
Enfim, em boa parte do ano a alavancagem do consumidor, o crédito, inflação jogaram contra. Claro que estou falando da média para o varejo. Empresas mais focadas no consumidor de maior renda tendem a performar melhor. Então a gente viu, por exemplo, a Arezzo performando muito melhor que empresas de média e baixa renda, como Renner ou Magalu.
Quais os segmentos mais afetados pela restrição de crédito ao consumidor
Acho que se tem um setor que tem uma porcentagem de venda a crédito maior do que os outros, esse setor é dos eletrônicos. Quanto maior o ticket médio da empresa, mais crédito ela precisa para financiar. Compra uma geladeira, lavadora ou TV à vista. Então, uns setenta ou oitenta por cento da venda dessas empresas é feita financiada.
Como as empresas vêm reagindo aos problemas
As empresas no geral perceberam que, com balanços alavancados e juros da economia muito altos, não dá pra crescer por conta dos investimentos muito elevados.
Então, o foco realmente desse ano foi em gerar eficiência e melhorar, melhorar as margens.
A Magazine Luiza é um dos vários exemplos. Suas vendas desaceleraram trimestre após trimestre, mas a margem veio melhorando. Então, no quarto trimestre, a gente tem uma percepção de que será ainda uma venda com crescimento muito pequeno, mas com uma melhora de rentabilidade.
O Grupo Casas Bahia é outro exemplo. No trimestre, conseguiu gerar um pouco de caixa porque teve uma redução de estoque muito grande. Na minha percepção, nos próximos trimestres vamos continuar vendo a empresa encolher um pouco de tamanho, racionalizar um pouco o capital de giro para poder ver um fôlego neste momento de dificuldade.
E como você vê a perspectiva para o Grupo Casas Bahia para o longo prazo?
Empresa que está passando por um momento difícil, com as vendas caindo trimestre a trimestre. Eu não tenho bola de cristal para saber o que vai acontecer de fato com a empresa. Mas é um é muito desafiador, margens apertadas, mercado muito competitivo.
Além disso, redes como Casas Bahia e Magalu têm um competidor fenomenal: o Mercado Livre. Esse, para mim, já ganhou uma medalha de ouro, com uma posição que dificilmente será ameaçada, e vai continuar crescendo em cima dos outros.
Então, não sei se existe espaço para dois ou três operadores nesse setor. No longo prazo, isso ainda é uma grande incógnita.
Quais são as perspectivas para o ano que vem¿
A queda prevista para os juros vai ajudar as empresas que estão mais alavancadas a reduzir o serviço da dívida.
A redução dos juros também tem um efeito positivo sobre o consumo. A gente também está vendo pequenos sinais de que os bancos estão começando a ficar um pouco mais propensos – mas não superpropensos – a voltar a aumentar carteiras de pessoa física.
Essa combinação de um pouco menos de custo financeiros para empresas e um pouco mais de consumo é positiva para o varejo em 2024.
Mas acho também é preciso fazer um parênteses: o consumidor ainda está endividado. Então não é que vai ser um boom de consumo.
Estou falando de uma melhora marginal em relação a 2023. Resumindo, a gente espera que 2024 será um ano melhor que 2023 em termos de consumo, mas ainda não um ano excelente.
Bolsa
Qual sua perspectivas para ações das empresas do varejo?
O preço das ações deveria se mover por dois motivos. Um deles é a melhora operacional das empresas, ligada a melhora de consumo, redução dos juros, etc. O outro motivo é o fechamento da curva de juros, que já deveria estar refletido nos preços.
Essa alta na ação de muitas empresas em novembro e dezembro é reflexo disso. Então, de certa forma, a queda dos juros já está incorporada nos preços – a não ser que tenhamos um fechamento ainda maior que o previsto. Considerando tudo, acho que o que pode mesmo ajudar 2024 é a melhora operacional das empresas.
E qual sua perspectiva para IPOs e follow-ons para o setor no ano que vem?
Do lado da companhia existe bastante demanda para isso. O ponto é se vai ou não ter uma janela para que isso aconteça, principalmente em relação aos IPOs, porque [o processo do] follow-on é mais fácil.
Para isso, precisamos também da demanda do lado dos fundos. E para essa demanda é importante a captação dos fundos. Nos últimos anos o patrimônio dos fundos de renda variável se reduziu bastante.
Com a perspectiva econômica melhor e juros mais baixos, acho que o investidor pode voltar a aplicar em renda variável. Aí os patrimônios aumentam, e fundos passam a captar mais.
Enfim, a melhora macro parece bem encaminhada para possibilitar o crescimento dos patrimônios e, como resultado, criar uma janela robusta para IPOs e follow-ons. Se isso não ocorrer, pode haver uma oferta aqui, outra ali sempre vai ter, mas não uma janela boa.
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