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Semicondutores e inteligência artificial ganham papel na geopolítica
Especialista em tecnologia e inteligência artificial e sócio da Leblon Equities, Stephano Gabriel é o novo colunista da Capital Aberto.
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ilustração: Julia Padula. Stephano Gabriel, sócio da Leblon Equities.

Os semicondutores estão no centro da agenda estratégica e de segurança nacional americana, com ramificações em vários segmentos da indústria e da sociedade. Eles são essenciais no treinamento de novos modelos de inteligência artificial (AI, na sigla em inglês), cujo desenvolvimento exige muita capacidade computacional.

A National Security Agency (NSA), agência de inteligência americana envolvida no escândalo de espionagem divulgado por Edward Snowden em 2013 (até a Petrobras foi vítima), anunciou na semana passada a criação de uma entidade para supervisionar o desenvolvimento e a integração de sistemas baseados em AI no ecossistema de defesa americano. A iniciativa inclui líderes da indústria, laboratórios de pesquisa, acadêmicos e outros parceiros estratégicos.

Lista de restrições

Um mês antes, o Presidente Biden enviou uma carta ao Senado americano caracterizando o avanço chinês em tecnologias sensíveis como uma emergência nacional. E assinou uma ordem executiva proibindo novos investimentos americanos em empresas chinesas que desenvolvam semicondutores, microeletrônica e sistemas de AI. Concomitantemente, uma lista de restrições à exportação de semicondutores avançados das fabricantes Nvidia e AMD para empresas chinesas, criada em agosto 2022, foi expandida em escopo e número de países.

Além disso, no ano passado, tivemos uma coalizão entre Estados Unidos, Holanda e Japão para bloquear a venda de máquinas e softwares utilizados na fabricação de chips para a China. E também a publicação do CHIPS Act como lei, provendo US$ 280 bilhões em isenções fiscais e subsídios para pesquisa e construção de fábricas de semicondutores nos EUA.

Do lado chinês temos retaliações recentes. Houve sanções à fabricante de memória americana Micron e a proibição do uso de iPhones em empresas e órgãos estatais chineses — ambas as medidas sob a justificativa de zelo pela segurança nacional. A situação é fluida e novos desenvolvimentos frequentemente dominam os jornais. A origem desse imbróglio, para além da disputa regular entre potências mundiais, foi a inclusão da fabricante multinacional de equipamentos Huawei na Entity List em 2019, ainda no governo Trump. A medida impediu a empresa de negociar com clientes ou fornecedores americanos.

Supremacia asiática

Semicondutores (os notórios chips) são uma indústria de US$ 580 bilhões, conforme os números de 2022. A China representa 31% da demanda, de modo semelhante à presença também notável do país no mercado de produtos finais — smartphones, computadores, smartwatches, servidores, etc. Exceto pela estatística, não temos grande novidade aqui. A China é um mercado consumidor relevante, e restrições de exportações ao país podem ter efeitos significativos sobre a receita de empresas americanas. A China representa cerca de 20% das vendas da Apple, 21% no caso da Nvidia (incluindo Taiwan, 47%) e 22% para a AMD (incluindo Taiwan, 32%).

Além disso, a indústria de semicondutores é altamente especializada. Cada elo da cadeia é dominado por um grupo pequeno de empresas, muitas delas sob influência chinesa. Nada menos que 70% dos iPhones são fabricados pela Foxconn, uma empresa Taiwanesa com a maior parte do parque fabril na China continental. E 66% dos chips de fabricação terceirizada, como o processador A17 do iPhone 15 e as placas de vídeo da Nvidia, vêm de Taiwan. Para completar, cerca de 30% do mercado de servidores para data center está nas mãos de ODMs (original design manufacturers) chineses ou taiwaneses. Eles atendem todos os grandes provedores de nuvem (Microsoft, Amazon, Google, Oracle, etc.).

Essas estatísticas dão contexto ao esforço americano de desenvolver capacidade fabril local, preocupando-se em diminuir a dependência chinesa numa indústria tão estratégica. A lacuna que o país precisará preencher, contudo, é grande. Mais da metade das vendas de equipamentos para produção de semicondutores destina-se à China e Taiwan. Os EUA representam apenas 10%, atrás da Coreia do Sul, com 20%.

Concentração

Holanda e Japão desempenham papel fundamental nessa geopolítica. Ambos concentram grandes empresas que fornecem as máquinas utilizadas pelos fabricantes de semicondutores — e aqui também temos dominância tecnológica em poder de poucos. A ASML, companhia de origem holandesa, tem mais de 80% de participação no mercado de máquinas de litografia (elas fazem a “impressão“ dos circuitos no substrato do chip). Seus equipamentos mais avançados chegam a até US$ 300 milhões cada. Apenas duas outras empresas atendem os 20% restantes do mercado: Canon e Nikon, ambas japonesas.

Nós testemunhamos recentemente o efeito que a disrupção na cadeia de semicondutores causou na indústria automobilística. Agora, imagine o efeito de uma paralisação do fornecimento para alguns desses países-chave, seja por intervenção do Estado ou por efeito de segunda ordem na cadeia de suprimentos. As ramificações potenciais são diversas, impossíveis de prever, mas com certeza significativas.

É possível que as restrições americanas estimulem o desenvolvimento chinês para dominar o restante da cadeia — e o efeito líquido venha a ser o oposto do desejado. Ou que as empresas asiáticas sigam dominando a indústria, mas espalhando a base fabril em novos países (como exemplo, TSMC na Europa e Foxconn na Índia). Há ainda a chance de as empresas criarem mais laços de cooperação e constituírem um ecossistema ainda mais interconectado, dificultando a interferência governamental — um exemplo disso foram os clientes investindo no IPO da ARM. São inúmeras possibilidades e desdobramentos.

Fronteiras demarcáveis?

Até aqui, estamos falando somente do mundo físico, do hardware. Conforme os modelos de inteligência artificial evoluírem, teremos mais camadas de complexidade. O software, afinal, traz outras peculiaridades. Talvez não seja de conhecimento comum, mas o fato é que redes neurais não possuem um recurso de “desaprendizagem seletiva”. É muito difícil determinar a influência de um dado específico no treinamento de um modelo e, consequentemente, eliminar a influência dele do modelo.

Uma vez incorporado o dado, a única forma de garantir a sua exclusão do modelo é treinar o modelo novamente, o que é inviável do ponto de vista financeiro e operacional. Então, como atender às diferentes diretivas das leis de privacidade em diversos países? De que forma garantir que dados de usuários não serão armazenados em solo estrangeiro, se o dado está incorporado no modelo? Como alertar o usuário sobre eventual vazamento de informação?

Subterfúgios ou não, a inteligência artificial e os semicondutores terão papel central na política de segurança dos principais países. E, ao que tudo indica, serão tópicos frequentes nas relações internacionais.

Stephano Gabriel é sócio e co-responsável pela estratégia global na Leblon Equities

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