A cláusula de arbitragem costuma ser pouco analisada sob o ponto de vista dos contratantes envolvidos. Muitas vezes, acaba recebendo um tratamento equivalente à simples cláusula de foro — aquela que fica ao final do contrato —, pois é percebida como uma cláusula muito “jurídica”. Não está exatamente errado pensar assim. Contudo, existem alguns pequenos detalhes que podem se tornar grandes caso a arbitragem precise ser utilizada no futuro.
Primeiramente, em geral, opta-se pela cláusula de arbitragem em contratos de valor expressivo, porque se trata de um procedimento mais especializado e rápido. Aqui, começam algumas ressalvas: 1) trata-se de um procedimento de alto custo; 2) existe uma expectativa de que seja mais rápido do que realmente é; 3) a quantidade de árbitros ainda é restrita; e 4) e o mais relevante, talvez: as arbitragens estão sujeitas à ação anulatória.
Custo versus benefício
Os primeiros dois pontos são razoavelmente autoexplicativos. Entretanto, é válido ponderar qual câmara arbitral escolher. Existem algumas mais prestigiadas, mas que também são mais onerosas e duradouras exatamente porque estão com casos expressivos e de bastante complexidade. Em princípio — e pensando em evitar procrastinar —, prever uma câmara no contrato parece pertinente. A fim de endereçar a questão, recomenda-se ponderar o binômio custo versus benefício, além dos fatores complexidade, matéria e tempo.
A disponibilidade restrita de árbitros explica um pouco a velocidade dos procedimentos e os motivos para recusa de novos casos, mas essa restrição carrega um aspecto significativo: o conflito do árbitro.
De forma resumida, um árbitro deveria se declarar impedido de julgar em situações que são análogas àquelas de impedimento ou suspeição de juízes. Dentre elas, destacam-se: 1) quando no processo estiver postulando — como advogado, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive. Esse impedimento também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente essa condição, mesmo que este não intervenha diretamente no processo; e 2) amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados.
Dever de revelação
Não obstante as previsões legais para os magistrados, a Lei de Arbitragem vai além. Prevê também o dever do árbitro de revelar qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. São situações que parecem básicas, mas simples palavras podem levar a interpretações indesejáveis no futuro. Isso porque elas nem sempre são trazidas pelo árbitro ou pela parte que desejar impugná-lo no começo ou ao longo da arbitragem, mas sim como motivação para uma ação anulatória da sentença arbitral.
Alguns exemplos de situações que podem remeter a uma falha no dever de revelação: 1) considerando que muitos árbitros iniciaram suas carreiras em grandes escritórios, parece natural que possam conhecer de maneira intrínseca o escritório e/ou direta ou indiretamente os advogados que atuam no caso; 2) se um árbitro trabalhar em um grande e/ou renomado escritório, não seria uma surpresa que o escritório tivesse desenvolvido parcerias ou até desavenças no passado com o escritório de alguma das partes (até porque não há previsão de limite temporal para isso); 3) um árbitro estar vinculado a opiniões emitidas ao longo de sua carreira, visto que muitos são também pareceristas; 4) um árbitro atuar em mais de uma arbitragem da mesma empresa; 5) um árbitro julgar matéria semelhante a outra que já julgou.
Longe de afirmar se esses argumentos são ou não pertinentes, se a simples revelação já seria suficiente para eliminar o conflito ou, ainda, se a parte que tem conhecimento desse tipo de conflito e não o traz à mesa estaria atuando de boa-fé, fato é que esses e outros argumentos têm sido utilizados e podem não apenas retardar os efeitos da decisão arbitral como, inclusive, anulá-la.
Consequências mapeadas
Assim, a opção por utilizar uma cláusula de arbitragem deve levar em consideração o risco da existência de uma posterior ação anulatória. Em termos financeiros, isso envolve todas as despesas da arbitragem original e da ação anulatória, a inclusão dos custos de uma nova arbitragem, além de todo o tempo e desgaste da equipe interna envolvida, bem como a possibilidade de perda de documentos e testemunhas relevantes, o que seria natural de acontecer no transcorrer do tempo.
Recentemente, inclusive, o vice-presidente executivo de assuntos corporativos e institucionais da Vale declarou sua preferência pela não utilização da cláusula de arbitragem em contratos por conta de impugnações geradas em virtude de supostamente não ter havido a revelação de situações de conflito por árbitros[i].
Dessa forma, a fim de tentar evitar esse cenário, a sugestão é avaliar o seu próprio advogado. Após essa escolha, questionar e pesquisar sobre todos os árbitros envolvidos (inclusive o(s) da parte contrária e o presidente). Caso exista, cabe uma análise pormenorizada do formulário de conflito que normalmente é apresentado pelos árbitros.
Uma provocação que soa irresistível é: se está começando a existir um mercado de ações anulatórias, também não deveria estar começando um sobre as indenizatórias?
Uma sucumbência diferente
Mudando de foco e trazendo um aspecto positivo, vale ressaltar que na arbitragem as partes podem prever a exclusão das verbas de sucumbência — aquelas pagas pela parte perdedora ao advogado do vencedor a título de honorários.
Como os valores de sucumbência não são compensados entre si, não é incomum que a parte vencedora e seu respectivo advogado não recebam nada (em virtude da inadimplência da parte perdedora), e a parte vencedora ainda precise arcar com a sucumbência sobre algum pedido que tiver perdido para o advogado da parte contrária.
A eliminação da sucumbência pode ser compensada com maiores honorários de êxito para seu próprio advogado e, com isso, três pontos positivos ficam endereçados: 1) a frustração de pagar sem receber; 2) seu advogado fica preservado do risco de insolvência da parte contrária; e 3) previsibilidade nos honorários advocatícios (visto que a sucumbência muitas vezes é fixada pelos árbitros).
Para evitar um contencioso amargo oriundo de uma arbitragem, conhecer e prevenir são sempre a chave da questão.
*Laura Hirata é advogada. Atuou como diretora jurídica de empresas como Zenvia, Netshoes, Alper e Camil e na área de mercado de capitais dos escritórios Cescon Barrieu e Simpson Thacher & Bartlett (NY).
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