Predominam na economia brasileira as pequenas e médias empresas. Apesar de muitas serem bem geridas, resilientes e capazes de crescer num ambiente volátil e desafiador, necessitam de novos processos e controles para superar crises como a gerada pela pandemia de covid-19, assim como para adaptar seu modelo a uma escala maior, sem perda de qualidade.
Além de fazerem o aporte de capital, fundos de private equity (PE) podem auxiliar o empresário na superação da turbulência, no reposicionamento pós-crise e na preparação da empresa para um crescimento sustentável. Fundos de PE compram participação acionária de empresas com intuito de criar valor enquanto acionista e vendê-la após um período de quatro a cinco anos numa avaliação maior. Participam do conselho de administração, auxiliando o time de gestão na implementação de processos gerenciais e de controle.
Numa pesquisa da Ártica, Insper e Endeavour¹, dos 46 empresários entrevistados que receberam investimento de PE, apenas um respondeu que não recomendaria esse tipo de sociedade a outros empresários. As contribuições oferecidas pelo fundo mais citadas foram profissionalização de gestão e processos, governança e atração de talentos. Outras também mencionadas foram acesso a outras fontes de capital, condução de IPO (oferta pública inicial de ações), parcerias e networking com outras empresas investidas, disciplina, visão estratégica e visibilidade.
Numa segunda pesquisa, Ártica e Insper², com o intuito de orientar as empresas que buscam recursos de PE a se prepararem melhor para o investimento e aumentarem sua atratividade, entrevistaram por formulário online 42 gestoras de PE atuantes no Brasil. As gestoras segmentam-se de acordo com o porte de empresas de interesse: algumas se concentram em pequenas e médias, geralmente com mais informalidade e menos processos estabelecidos, realizando investimentos menores; outras focam em empresas médias e grandes, investindo montantes maiores.
As gestoras também se dividem em preferência por adquirir controle acionário e por comprar participação minoritária. Quanto maior a faixa de tamanho alvo, maior tende a ser a participação acionária desejada. Há, entretanto, flexibilidade quanto à participação acionária a ser adquirida. Assim, o empresário que quer se manter no controle pode tentar negociar essa possibilidade até com uma gestora que prefira aquisição majoritária, e vice-versa. Além disso, mesmo as gestoras que preferem controle geralmente desejam manter a gestão corrente, o que pode permitir ao empresário que vende o controle continuar conduzindo sua empresa após o ingresso do fundo.
Empresas com faturamento entre 100 milhões e 200 milhões de reais e Ebitda entre 20 milhões e 80 milhões de reais estão dentro da faixa alvo de 70% das gestoras. Apesar de haver restrição ao investimento em empresas que vendem para o governo, se este representar menos do que 25% das vendas, 86% das gestoras entrevistadas considerariam a compra. A maior parte das gestoras no Brasil é agnóstica quanto a setor, sendo poucas as especializadas.
Potencial de crescimento e governança em private equity
A tese de investimento predominante é crescimento, tanto orgânico como por aquisição e consolidação. Em linha com essa tese, crescimento consistente e histórico de alta rentabilidade (Roic) são muito valorizados, assim como o potencial de crescimento orgânico. As maiores gestoras valorizam muito a reputação da empresa e do empresário, e as menores valorizaram mais planos de negócios sólidos e bem desenvolvidos e potencial de captura de valor via melhorias operacionais e de gestão.
Informações gerenciais bem organizadas compõem o item de governança mais valorizado. Sua ausência foi considerada como dealbreaker por mais que 80% das gestoras. Conselho de administração constituído e conselheiro independente foi um ponto considerado menos importante. O fato de a empresa ser auditada é muito valorizado por gestoras maiores, mas é menos importante para as menores, que atribuem mais valor à condição de a empresa ser auditável e ter uma diretoria estruturada e profissionalizada.
Fundos de PE valorizam o monitoramento de KPI (indicador-chave de desempenho), por permitirem o acompanhamento da execução do planejamento estratégico e da evolução do desempenho, assim como empresas com ERP (sistema de planejamento de recursos da empresa) e contabilidade interna. O conhecimento e o relacionamento não concentrados em um único acionista é um ponto muito bem visto pelas gestoras, enquanto processos formais estabelecidos e management não acionista são menos valorizados.
Alinhamento entre os sócios de PE
Os aspectos societários mais valorizados são alinhamento entre sócios sobre a entrada do fundo e clareza sobre quais sócios permanecerão no negócio, além de um bom entendimento a respeito de como a sociedade impactará a operação. Os desalinhamentos por saída são mais comuns no modelo minoritário, no qual o fundo depende da concordância do empreendedor para conseguir vender a empresa. Consistentemente, gestoras menores valorizam bastante que a empresa tenha clareza sobre a necessidade de saída e de liquidez por um fundo.
As práticas irregulares de gestão que preocupam mais os fundos são informalidade na receita, descumprimento de determinações regulatórias — provavelmente por receio de incorrerem em perda de receita numa futura formalização — e paralisação da operação, no caso de riscos regulatórios. Contingências tributárias e trabalhistas, embora preocupem, têm menor probabilidade de inviabilizar uma operação. Das gestoras entrevistadas, 71% responderam que não considerariam o investimento em empresas que se envolveram em casos de corrupção, mas esse percentual cai para 37% caso essa prática fique restrita a poucas pessoas, que já tenham sido afastadas da empresa. Atenuantes como acordo de leniência ou isenção de culpa dos acionistas foram menos valorizados.
A contratação de advogados de banca renomada, assim como de assessor de instituição financeira reconhecida, ambos com ampla experiência em fusões e aquisições e contribuindo com inputs técnicos às discussões, são preferidas pela maioria das gestoras em relação a alternativas de advogado e assessor financeiro de confiança do dono, com acesso a percepções pessoais e com inputs qualitativos às discussões. Uma preparação prévia contábil, financeira e legal da empresa para passar por uma diligência do fundo é valorizada por 87% das gestoras.
A parceria com um fundo de PE pode ser muito benéfica para a empresa. Como em geral é inviável cumprir todos os pontos desejáveis para se preparar para um fundo, é necessário entender quais são os fatores mais valorizados pelas gestoras e, assim, priorizar esforços. O relacionamento com um fundo de PE é análogo a um casamento, com tomada de decisão compartilhada, envolvendo constantes discussão e negociação. Mesmo os fundos minoritários incluem no acordo de acionistas mecanismos que permitem influenciar na gestão.
Assim, deve-se fazer um processo de seleção estruturado, que envolva alternativas, e ser diligente na escolha do futuro sócio, triangulando diferentes fontes de informações a respeito dos gestores para tomar a decisão final, e não escolher o parceiro apenas pela melhor oferta.
Andrea M. A. F. Minardi ([email protected]) é professora Senior Research Fellow do Insper. Co-autoria de Diego Batista ([email protected]), sócio fundador e vice-presidente da Ártica Investimentos, e Luiz Penno ([email protected]), fundador e managing partner da Ártica Investimento
Notas
¹Ártica, Insper e Endeavour (2018). “Empresas Investidas por Fundos de Private Equity no Brasil. Lições Aprendidas”. Disponível em https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2018/09/Empresas-Investidas-por-PE-Brasil-white-paper.pdf
²Ártica, Insper (2020). “Atraindo Investimentos de Private Equity: o que as Gestoras mais Valorizam em suas Avaliações”. Disponível em https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2020/04/Whitepaper-Atraindo-Investimentos-de-Private-Equity-%C3%81rtica-e-Insper.pdf
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