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Estratégia de ocupação
De seu escritório em Nova York, o presidente executivo e conselheiro da Nyse Euronext, John Thain, falou com exclusividade à Capital Aberto sobre o processo de criação da primeira bolsa transcontinental em operação no mundo, seu plano de expansão para outras regiões do globo e o futuro dos mercados de capitais. Para ele, haverá lugar para apenas três ou quatro grandes bolsas no planeta

, Estratégia de ocupação, Capital AbertoAssim como o secretário do Tesouro norteamericano, Henry Paulson, e outros nomes de destaque nos Estados Unidos, John Thain é um ex-executivo do Goldman Sachs. Antes de chegar à Bolsa de Nova York (Nyse), no início de 2004, era presidente de operações do banco de investimentos e privilegiava a discrição, aparecendo na mídia raríssimas vezes. Mas, ao trocar de emprego, esse engenheiro elétrico formado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e com MBA em Harvard já sabia que isso iria mudar. Especialmente porque assumiu o posto de CEO em meio ao turbilhão que marcou a saída de seu antecessor, Richard Grasso — que também era presidente do conselho de administração e foi forçado a se demitir quando sua remuneração anual de US$ 140 milhões veio a público.

Naquela época, a Nyse ainda não havia se desmutualizado. Sua primeira missão era recuperar a imagem do cargo e reforçar a confiança dos investidores na instituição. Para mostrar seu comprometimento com a boa governança, não acumulou a função de presidente do conselho e passou a divulgar os valores de sua remuneração, que, entre salário e bônus, somava US$ 4 milhões. Sua experiência com sistemas de informação certamente teve influência no processo de atualização tecnológica da bolsa, que fez uma fusão com a plataforma eletrônica da Archipelago em março de 2006 — mesmo mês em que abriu o capital. O próximo passo da então maior bolsa de valores norte-americana resultaria em sua internacionalização definitiva: a fusão com a pan-européia Euronext, negociada desde meados de 2006 e concluída em abril deste ano.

Por ter liderado o processo que transformou a Nyse em uma bolsa global em apenas três anos e meio — e também por sua personalidade extremamente direta —, Thain já foi chamado de “super-homem” pela revista Institutional Investor. Quem o conhece de perto classifica-o como “afiado”. Suas respostas são sempre objetivas e o termo “desafios” jamais é pronunciado — ele sempre os vê, mas prefere tratá-los como oportunidades. O tom comedido de suas respostas nesta entrevista só é abandonado quando chega a hora de falar sobre o mercado de capitais brasileiro, que ele classifica como “state of the art”.

CA: A Nyse Euronext é hoje a maior bolsa do mundo. Quais foram os principais desafios enfrentados para formá-la e que outros ainda estão para vir?
JT: Estamos criando a primeira e maior bolsa de valores multiproduto global. Para isso, pegamos o maior mercado à vista dos Estados Unidos, a New York Stock Exchange, e o combinamos com o maior mercado à vista da Europa, a Euronext, que contém ainda um mercado de futuros localizado em Londres, o Liffe. Um realiza negócios em dólares, o outro em euros, e o que resulta dessa combinação é um mercado gigantesco, onde as maiores companhias do mundo são negociadas. A formação desse mercado global, que tem emissores, investidores e participantes em uma série de locais diferentes, foi aprovada pelos órgãos reguladores em 4 de abril. Há, como você pode imaginar, uma série de aspectos relacionados à integração de todos esses agentes e nós temos tido um bom progresso em todos eles, especialmente naqueles relacionados às equipes e à tecnologia. As oportunidades que temos pela frente são relacionadas à continuidade dessa integração e também à expansão da carteira de produtos que oferecemos hoje, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Na seqüência, iremos nos expandir para outras regiões.

E como é promover a integração das equipes e das culturas norte-americana e européia?
Bem, ele não é diferente de qualquer outro processo de integração característico de uma grande fusão. É sempre uma questão de trabalhar em conjunto para desenvolver uma cultura corporativa única. A Euronext é uma combinação de cinco mercados diferentes (Amsterdã, Bruxelas, Lisboa, Londres e Paris) que são, claro, diferentes culturalmente. E tem ainda o lado norte-americano, também diferente. Mas estamos todos no processo de construção de uma nova companhia, com uma nova cultura corporativa, e isso sempre leva algum tempo, mas estamos progredindo bem. Temos uma única estratégia, um único grupo de acionistas, um único grupo gerencial consolidado e estamos evoluindo realmente bem, considerando que temos apenas quatro meses de existência.

Quanto ao plano de expansão para outras regiões, ele já foi traçado?
Sim, nosso primeiro foco é a Ásia. Nós queremos estar presentes nas regiões onde se localizam os três grandes fusos horários mundiais. Hoje já temos uma aliança estratégica com a Tokyo Stock Exchange, no Japão, e uma participação de 5% no capital da National Stock Exchange, na Índia. Com o tempo, acho que poderemos oferecer o nosso mix de produtos em todo o mundo, realizando negócios 24 horas. Para que você possa ter uma idéia de onde estamos hoje, já é possível negociar as ações listadas em nossas bolsas por um período de 13 horas diárias. Você pode, por exemplo, comprar uma ação em Paris às 9h (do horário francês) e vender esse mesmo papel em Nova York 13 horas depois, às 16h (no fuso norte-americano).

Neste exemplo, o investidor estaria negociando a mesma ação ou o papel adquirido na Europa e convertido em certificados de depósito (ADRs)?
Não, eu falo das mesmas ações, sim. São papéis totalmente fungíveis, embora negociados em moedas diferentes, comprados em euro em Paris e vendidos em dólares em Nova York. Claro que, para isso, é preciso que essa companhia esteja listada ao mesmo tempo nas duas bolsas. Espero que, com o tempo, possamos expandir o escopo para permitir que uma companhia listada apenas em um país possa ter suas ações negociadas em todos os outros abrangidos pelo nosso grupo. Mas eu realmente não vejo essa oportunidade se concretizando agora.

Os aspectos regulatórios seriam o principal impedimento?
Não, na verdade, a questão que vem na frente é a de liquidação e custódia. Seria preciso mexer em toda a infra-estrutura de liquidação para viabilizar esse modelo, que também requer mudanças no ambiente regulatório. Tudo isso demanda um considerável período de tempo. Hoje, nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission considera adotar o conceito de reconhecimento mútuo (mutual recognition), que permitiria às companhias listadas em bolsas de países cuja regulamentação seja comparável à dos EUA negociar suas ações diretamente em bolsas norte-americanas, sem a necessidade de também se listar nelas. Mas, apesar de achar que a habilidade de negociar ações diretamente em diversos mercados é um objetivo maior do processo de globalização dos mercados de capitais, eu não vejo isso acontecendo no futuro próximo. Este é um projeto para daqui a muitos anos.

Em vista da perspectiva de se negociar títulos diretamente em vários mercados, o que o senhor acredita que vai acontecer com o mercado de certificados de depósito (DRs)?
Eu acho que os DRs continuam a ser muito importantes, mas eu também acredito que, à medida que os mercados se globalizarem, as companhias passarão a ter maior habilidade de negociar suas ações diretamente em diversos lugares também. Enquanto isso não acontece, as empresas continuam a buscar o acesso a outros mercados. Por isso eu vejo continuidade no mercado de DRs. Ele permanecerá ativo, a despeito dessa tendência de um número maior de listagens diretas.

Falando em globalização, o senhor poderia comentar sobre as experiências já em curso na Ásia, abordando também os critérios que a Nyse adota para selecionar as bolsas parceiras e aquelas em que adquire participação?
Nossa estratégia é estar em todos os grandes pólos mundiais. Esses grandes pólos não se resumem aos mercados que já são grandes hoje, mas também àqueles que vêm crescendo rapidamente e que têm potencial para serem grandes no futuro. Então, nossa aliança estratégica com a Bolsa de Tóquio reflete tanto o tamanho do mercado de capitais japonês quanto o de sua economia. O Japão é o segundo maior mercado à vista do mundo. Como a bolsa japonesa ainda não é desmutualizada, não temos uma participação em seu capital — o que, talvez, venha a ocorrer, mas ainda não é certo. Nosso acordo envolve cooperação nas áreas de tecnologia e desenvolvimento de produtos, e estamos estudando também a possibilidade de um modelo de cross-listing. No caso da Índia, o que nos levou até lá foi o acelerado ritmo de crescimento do país e nossa vontade de participar desse processo. Na Bolsa de Nova York sempre tivemos muito sucesso em atrair companhias indianas que desejavam acessar o mercado norte-americano. Sabemos que, nos próximos 20 anos, muitas outras companhias virão a mercado e queremos ter uma posição por lá. Ainda falando de Ásia, um lugar lógico seria a China, onde nós esperamos conseguir atuar.

Além da Ásia, vocês têm olhado para outras regiões?
Quando pensamos em outras partes do mundo, olhamos para os Brics, onde está o Brasil. O Brasil também tem crescido muito rapidamente, com companhias atrativas e nós temos um ótimo relacionamento com a Bovespa. Já existe um número significativo de empresas brasileiras listadas também nos Estados Unidos e, no caso das maiores, cerca de 60% dos negócios com suas ações ocorrem aqui.

E quanto à atração de companhias médias, que são a maioria das que abriram capital nos últimos anos no Brasil e têm realizado apenas ofertas privadas nos Estados Unidos?
Na verdade, já vimos que muitas dessas companhias olham para a bolsa norte-americana num segundo momento, quando já têm um período maior de relacionamento com o mercado e conseguem obter um valuation melhor. Um exemplo recente de bastante sucesso é o da Gafisa. Mas também tivemos outros no passado, como os bancos Bradesco e Itaú. Tenho certeza de que muitas empresas que chegaram à Bovespa há pouco tempo vão se listar nos Estados Unidos no futuro.

Então não há planos de atuar no mercado de ofertas privadas, realizadas por meio da regra 144A, cada vez mais adotadas por companhias de fora dos EUA?
Hoje a Nyse Euronext se concentra em quatro produtos: ações, opções, fundos de investimento (exchange traded funds ou ETFs) e futuros. Nós ainda estamos observando e procurando entender esse mercado de ofertas privadas. Portanto não temos planos para ele.

Falando em novos produtos, como está o projeto de segmento de listagem para companhias de pequeno porte, previsto para entrar em funcionamento após a fusão com a Archipelago, realizada em março de 2006?
Nós estamos desenvolvendo um mercado para companhias menores nos EUA, que já existe na Europa. O segmento de listagem no mercado norte-americano é chamado Nyse Arca e o europeu, Alternext. Ambos são segmentos de listagem dedicados a prover acesso ao mercado para esse tipo de empresa. Existe apenas uma companhia listada na Nyse Arca, a Netezza, que desenvolve sistemas de armazenamento de dados e estreou agora em julho. O Alternext atingiu a marca de cem companhias listadas em junho último. Já foi captado € 1 bilhão e o valor de mercado dessas empresas é de mais de € 5 bilhões.

Se considerarmos a consolidação das bolsas como o primeiro passo em direção a um mercado de capitais global, quais seriam os próximos?
Será o de desenvolvimento desses grandes grupos, um processo que já começa agora, com as mais variadas bolsas se desmutualizando e se tornando companhias abertas, diversificando os produtos que oferecem — combinando ações, opções e futuros — e depois, efetivamente, se globalizando. Para mim, a globalização é um processo com três passos fundamentais: a desmutualização, a diversificação e a formação de alianças.

Neste momento, a bolsa brasileira se prepara para ser desmutualizada e, em seguida, abrir o seu capital. Como o senhor enxerga o futuro das bolsas latino-americanas? A região comporta uma única grande bolsa?
Eu acredito que no mundo todo vá haver um número pequeno, cerca de três ou quatro, de grandes bolsas de valores multiproduto — entre as quais somos a maior hoje e esperamos continuar sendo. Mas certamente haverá outras. Vemos a Nasdaq em vias de comprar a OMX, a London Stock Exchange no processo de fusão com a Borsa Italiana e, certamente, haverá oportunidades para a participação de bolsas da América do Sul e da América Latina nesses grandes grupos.

Quanto ao futuro, o senhor acredita que esse processo de globalização poderia resultar na construção de uma única bolsa mundial?
Como disse antes, acredito em três ou quatro grandes grupos globais, mas não acho que teremos uma só grande bolsa mundial. Esses grupos irão oferecer uma multiplicidade de produtos em escala global, mas não vejo a possibilidade de fungibilidade total entre os ativos negociados em todas as bolsas no mundo todo, pelo menos não em pouco tempo.

O Brasil está preparado para concorrer neste cenário?
Eu acho que o mercado brasileiro está muito bem preparado para competir globalmente. Seus padrões de governança são muito sofisticados e bem-sucedidos. É um mercado ‘state of the art’, um modelo. Nós trabalhamos muito próximos e posso dizer que não tenho dúvida de que será um mercado bem-sucedido.


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