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Buffettmania
Acionistas da Berkshire Hathaway encaram vôos lotados, preços descabidos nos hotéis de Omaha e longas filas para passar um fim de semana com seu ídolo - e adoram cada minuto

, Buffettmania, Capital AbertoFaltam cinco minutos para as 7 horas da manhã de um sábado frio e chuvoso. Diante de um pequeno palco instalado num pavilhão de exposições anexo ao ginásio de esportes, fotógrafos e cinegrafistas dos maiores jornais, revistas e emissoras de televisão dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia se acotovelam para garantir uma boa posição. Visivelmente contrariada, a repórter de um canal de notícias especializado em finanças grita ao celular, na tentativa de guiar o operador de câmera ao local onde já deveria ter chegado. Por muito pouco, seus espectadores teriam ficado sem as imagens de uma inesperada parceria musical: a da Qebe Sisters Band, do Texas, com o homem que pôs a pitoresca Omaha no mapa de investidores do mundo todo.

Sentado num banquinho, com o pequeno ukelelê apoiado sobre a perna, Warren Buffett se esforça para não errar a letra de Red River Valley, canção atribuída aos pioneiros norte-, Buffettmania, Capital Abertoamericanos que fala do amor de uma nativa por um soldado que partiu. A performance dirigida aos jornalistas — que haviam chegado duas horas antes para brigar pela chance de conduzir uma das doze entrevistas individuais concedidas pelo “Oráculo” antes do show — anunciava o início do verdadeiro espetáculo, aquele em que Buffett recebe os acionistas de sua Berkshire Hathaway para a assembléia anual.
Alguns deles chegam a tempo de ouvir as últimas estrofes entoadas pelo compenetrado senhor de 76 anos e pelas três irmãs que lideram a banda, patrocinada por uma das subsidiárias da Berkshire, a fabricante de botas de caubói Justin. A despeito do mau tempo, eles deixaram seus hotéis nas primeiras horas da madrugada para formar filas nos portões do Qwest Center, o maior ginásio da cidade, para onde o evento foi transferido no começo da década, quando o público , Buffettmania, Capital Abertoultrapassou a capacidade máxima do estádio que até então o sediava. Tudo indica que, em breve, o Qwest também precise ser substituído. As arquibancadas e as cadeiras colocadas no centro da quadra não foram suficientes para abrigar as 27 mil pessoas presentes este ano — um novo recorde em relação às 24 mil que compareceram em 2006.
ESSE LUGAR É MEU A abertura dos portões marca uma das muitas cenas inusitadas do dia. Casais de meiaidade, quarentões engravatados e homens na casa dos 30 anos trajando as indefectíveis calças cáqui correm para guardar seus assentos, distribuídos pela quadra e pela arquibancada, como adolescentes histéricas num concerto de rock. Os retardatários têm de se contentar com os telões instalados no pavilhão de exposições anexo ao estádio. Os que ambicionam fazer perguntas não se atrevem a deixar a área reservada perto de um dos 12 microfones espalhados pelo ginásio. O guia enviado aos participantes pela equipe organizadora deixa muito claro que quem deixar o local perde a vez.
Ninguém parece reclamar. Logo que reservam seus lugares com chapéus, casacos ou jornais, os acionistas correm aos estandes do pavilhão anexo, reunidos num espaço batizado de Berkyville (veja quadro ao lado), na esperança de entrar justamente naquele em que Buffett estaria. Trajando um conservador terno azul-marinho, ele circula alegremente, distribuindo apertos de mão e dando uma de garoto-propaganda. Nesse momento, fica claro que o número musical com a Qebe Sisters tinha sido apenas a primeira de muitas performances do megainvestidor. Ele ainda deitaria em colchões, testaria tintas, faria caras e bocas ao experimentar sorvetes e doces, cantaria jingles e posaria para centenas de fotos. Entre uma gracinha e outra, Buffett procura assegurar novos recordes de vendas, perguntando aos que circulam nas imediações se eles já adquiriram este ou aquele produto. Tudo ali está à venda, e os tradicionais brindes que as empresas costumam distribuir em feiras e exposições são praticamente inexistentes. Para garantir que nenhum impulso de compra seja freado, um serviço de entregas é colocado à disposição — a preços de mercado, claro.
RUMO A BERKSTOCK O passeio pela Berkyville é marcado por reencontros entre os freqüentadores mais antigos, que se divertem lembrando de momentos marcantes das edições anteriores e trocam impressões sobre as novidades que vão encontrando. Um dos comentários mais freqüentes diz respeito ao crescente número de acionistas abaixo da meia-idade que participam da reunião. Boa parte deles vem trazida pelos pais ou avós. É o caso de Mark Chace, um psicólogo de San Fernando, na Califórnia, que, aos 35 anos, veio a Omaha pela primeira vez, acompanhado do irmão mais velho e do pai, que tem ações da Berkshire há mais de 20 anos. Jane e Joshua Walden (de 17 e 15 anos, respectivamente), que vivem na cidade de Stromsburg, no Nebraska, também participaram pela primeira vez. Sua avó Joy Walden quis marcar a formatura de Jane no ensino médio com uma lição a respeito da importância de investir criteriosamente. “Como Joshua demonstrou interesse pelo assunto, decidi que era hora de ele vir também.”
Às 8h30, pontualmente, as luzes do ginásio se apagam para a transmissão do filme corporativo, editado todos os anos pela filha de Buffett, Susan. Um desenho animado enche os telões com as figuras de Warren e seu sócio Charlie ainda jovens, de cabelos longos e trajando batas numa perua Kombi rumo a Berkstock, onde irão vender camisetas num grande concerto de rock. Os , Buffettmania, Capital Abertoacionistas vibram, batem palmas e gargalham ruidosamente quando as vozes dos dois homens fortes da Berkshire surgem com uma entonação hippie. Quando um personagem com as feições de Bill Gates trajando calças floridas tenta convencer Warren e Charlie a investir em software, o ginásio vem abaixo mais uma vez. Outros presidentes de subsidiárias da Berkshire e celebridades, como Jimmi Hendrix e Janis Joplin, desfilam pela tela, colhendo frases espirituosas de Warren e Charlie.
Na seqüência, comerciais verdadeiros das companhias investidas se alternam com versões caseiras estreladas por Buffett. Então, um programa de cinco minutos, produzido pela ESPN, mostra o megainvestidor em uniforme de basquete num desafio contra o astro da NBA LeBron James. O investidor vence e, mais uma vez, os acionistas aplaudem efusivamente, especialmente , Buffettmania, Capital Abertoporque os cortes deixam evidente que as imagens foram manipuladas. A exibição é encerrada por um agradecimento aos executivos que comandam as subsidiárias, chamados carinhosamente de “Berkshire Managers”. Lembrando uma festinha piegas de fim de ano na pré-escola, as caricaturas de cada executivo se alternam no telão ao som de uma paródia da música Favourite Things, do filme A Noviça Rebelde.
Após uma hora inteira de filme, os ânimos se renovam na expectativa do início da sessão de perguntas e respostas, que iria se estender pelas próximas seis horas, interrompida apenas por um intervalo de trinta minutos para o almoço. À medida que o tempo passa, muitos acionistas deixam seus lugares para passear pelos estandes da Berkyville e comprar comida. Do balcão reservado à imprensa, no sexto andar do ginásio, é possível observar a movimentação e ver os que voltam carregados de novas sacolas e também os que, como numa partida de basquete, carregam baldes gigantescos de pipoca. Ao final da sessão, cerca de um terço dos participantes já havia deixado o local. Boa parte deles foi descansar antes da recepção destinada aos visitantes internacionais, agendada para o fim da tarde no centro de convenções do ginásio, e da festa mexicana prevista para o início da noite, no estacionamento do shopping de decoração Nebraska Furniture Mart. A festa, porém, seria abreviada em virtude das tempestades que se abateram sobre a cidade pouco antes de um alerta de tornados ser emitido pelo sistema de meteorologia, obrigando todos a retornarem a seus hotéis.
LEILÃO DE CREDENCIAIS A participação na assembléia e nos eventos paralelos programados para o fim de semana é garantida pela credencial, uma espécie de crachá que a maioria ostenta orgulhosamente. Para obtê-la, o acionista deve devolver por correio um cupom específico que lhe fora entregue junto com o relatório anual, em meados do mês de março. Cada um deles, independentemente do número de ações detidas, pode solicitar até, no máximo, quatro credenciais. Para evitar o comércio paralelo desregrado, a própria Berkshire coloca um lote suplementar de credenciais para negociação a preços módicos no site de leilões e-Bay.
Mas colocar as mãos numa credencial não é a única barreira que os interessados têm de transpor para participar da maior assembléia de acionistas do mundo. Passagens de avião e quartos de hotel são verdadeiros desafios, especialmente porque a maioria dos participantes costuma já efetuar suas reservas para o ano seguinte assim que colocam os pés em Omaha. Quanto mais próximo do local do evento for o hotel, mais disputados serão os seus quartos.
No topo da lista está o Hilton, localizado à frente do ginásio Qwest Center, ao qual é ligado por uma entrada exclusiva. O hotel é reservado para a elite dos freqüentadores, composta em sua maioria por detentores das A-shares (as ações mais antigas e caras). A dificuldade de conseguir hospedagem é tanta que os participantes que deixam suas reservas para a última hora nem sequer conseguem ficar em Omaha. Quatro estudantes da Universidade de Chicago, que lutavam para alugar um carro no aeroporto, só haviam encontrado opções em Lincoln, a capital do estado de Nebraska, localizada a 90 quilômetros de distância.
Mas os participantes do evento não se abatem por nada. No domingo, depois das notícias de destruição dos tornados que varreram cidades e plantações próximas a Omaha, um público fiel rumou para a nova sede da joalheria Borsheims. Após o brunch oferecido aos acionistas, shows de mágica, campeonatos de bridge e de xadrez e um animado jogo de tênis de mesa, em que Buffett e seu amigo Bill Gates desafiaram juntos (e, mais uma vez, perderam feio) a campeã norte-americana da modalidade, Ariel Hsing, de 11 anos. A programação só foi encerrada às 16 horas, para permitir que os “sobreviventes” se preparassem para a última atração: um jantar na churrascaria preferida de Buffett.
Baixa liquidez e nenhum dividendo
Enquanto as ações de companhias com elevado valor de mercado costumam ser amplamente negociadas, chegando a um giro de até 100% de sua base, a liquidez das ações da Berkshire Hathaway não passa de 15%. Embora não haja estatística oficial, acredita-se que esse indicador seja ainda menor quando avaliadas apenas as chamadas A-shares, emitidas quando Warren Buffett assumiu o controle em 1965 e negociadas, em 30 de maio, a US$ 109,2 mil cada. Há, de acordo com o último relatório anual, 500 mil delas em circulação. Já as B-shares, emitidas em 1996 , eram negociadas a US$ 3,6 mil cada na mesma data.
A principal diferença entre as duas classes de ações está relacionada aos direitos gerais e de voto de cada uma delas. Cada B-share tem 1/30 dos direitos gerais de uma A-share e 1/200 dos direitos de voto. Uma A-share pode ser convertida, a qualquer tempo, em 30 B-shares. As ações do tipo B não são conversíveis e o estoque em circulação é consideravelmente maior, de 12,5 milhões. O único direito garantido às A-shares não estendido às B-shares é o de nomear as instituições de caridade que serão beneficiadas pelo programa de doações da holding a cada ano.
Outro aspecto curioso do papel da Berkshire é a política de dividendos. Em 42 anos, eles foram distribuídos uma única vez, em 1969, e eram de US$ 0,10 por ação. Desde então, a totalidade do lucro é retida com o objetivo de reforçar o poder de investimento da holding. O manual do acionista explica a regra utilizada pelos controladores para avaliar a necessidade de mudança dessa política. Enquanto, para cada US$ 1 retido, houver um retorno de pelo menos US$ 1 em valor de mercado adicionado, os dividendos continuarão suspensos.
O status conectado à posse das A-shares está na origem de uma diplomacia vigente no clube dos afortunados acionistas da companhia. Ninguém — à exceção de repórteres xeretas — pergunta que classe de ações o outro tem, há quanto tempo ou a que preço as adquiriu. Noblesse oblige.
Berkyville: a “cidade” das compras
A segunda maior atração depois de Warren Buffett é, sem sombra de dúvida, a Berkyville. Montada num pavilhão de exposições de 194 mil metros quadrados, adjacente ao ginásio onde a reunião ocorre, a “cidade” da Berkshire é composta por 34 estandes de algumas subsidiárias e companhias investidas, que vendem de tijolos a facas Ginsu — sim, os utensílios que tinham suas propriedades insuperáveis propagandeadas por japoneses nos mais famosos infomerciais da história da televisão são de propriedade do “Oráculo de Omaha”.
Existe até uma agência de correio, através da qual os participantes podem enviar cartõespostais, devidamente selados com a edição especial que exibe os retratos de Warren Buffett e Charles Munger, especialmente produzidos para a ocasião. Os selos, aliás, foram disputados desde a abertura dos portões, quando uma fila de mais de 300 pessoas se formou para adquiri-los. Cinco mil folhas (com 20 unidades cada) foram produzidas e desapareceram em poucas horas, apesar de sua aquisição ser limitada a apenas cinco folhas por acionista.
Os suvenires da Berkshire, por serem comercializados exclusivamente no sábado da assembléia, são os mais procurados. Camisetas com a logomarca da companhia cravejada de cristais Swarovski, versões especiais do jogo Banco Imobiliário, canecas, chaveiros, garrafas térmicas, bolas e tacos de golfe e até enfeites para a árvore de Natal desaparecem para dentro das várias sacolas que, apenas uma hora depois da abertura dos portões, os acionistas já carregam.
A livraria, recheada de títulos a respeito de Buffett e Munger, é o segundo destino mais procurado. Ao longo do dia, novas remessas de livros chegam para substituir as prateleiras vazias e são anunciadas por Buffett no intervalo entre uma pergunta e outra. As vendas são estimuladas por descontos exclusivos para acionistas, também aplicáveis em alguns outros estandes, como o de seguros de automóveis e o da joalheria. O shopping de decoração e objetos para casa Nebraska Furniture Mart oferece um serviço de transporte gratuito que conecta os principais hotéis, durante todo o fim de semana. Os mais endinheirados, interessados em fugir do caos nos aeroportos na próxima edição da assembléia, podem testar os jatos da Net Jets, em exibição no aeroporto local.
A oferta de produtos inclui uma casa completa, construída com tijolos, carpetes, sistemas de segurança, encanamento, mobília e decoração produzida por subsidiárias da Berkshire, que pode ser visitada num dos extremos do pavilhão. A versão do ano passado foi comprada por um dos funcionários do ginásio que trabalhava no evento, antes mesmo da abertura dos portões. A versão deste ano vinha acompanhada de um barco, e o nome do comprador não foi divulgado.
Um Woodstock para capitalistas
O ibope das assembléias de acionistas da Berkshire Hathaway sempre foi alto, com presença muito superior à média geral, que fica em torno de 50 pessoas. No início, esse número era turbinado pelo fato de a maior parte (senão o todo) dos investimentos das famílias de Buffett e Munger, além de seus amigos mais próximos, estar alocada em ações da holding. Em 1969 , quando o número de detentores de ações não chegava a 2 mil, 175 deles residiam no mesmo código postal que o chairman, de acordo com informações apresentadas na carta aos acionistas do ano seguinte.
Para se ter uma idéia da evolução do público, em 198 4, quando as B-shares ainda não haviam sido emitidas, 250 acionistas (de um total de mais de 3 mil) compareceram à reunião. Em 198 5, foram 450 e, em 1988 , 1.000. Em 1995, antes ainda das B-shares, a presença bateu 5 mil pessoas e, em 1996 , quando as B-shares participaram pela primeira vez, 7.500. Foi apenas na carta de 1997 que o evento foi apelidado de “Woodstock for Capitalists”. As famosas missivas, aliás, sempre trazem uma provocação de Buffett, conclamando à quebra dos recordes de público e das vendas promovidas nos estandes e nos dias com descontos especiais do shopping de móveis e da joalheria. Em 1994, ele dizia “Ano passado tivemos 3.300 pessoas, mas acho que posso dar conta de 5 mil. Querem me testar?”
No início, a assembléia acontecia num auditório no prédio comercial em que a holding aluga seu escritório. Em 1990, foi transferida para o Museu Joslyn, cuja capacidade máxima foi extrapolada dois anos depois. Entre 1993 e 1995, realizou-se num teatro, passando depois a um centro de convenções e, então, para um estádio, o Arksaben. Em 2004, quando o Qwest Center foi inaugurado, a sede do evento mudou de novo. E as opções da pequena Omaha parecem ter se esgotado.
Diante da superlotação do Qwest em 2007, um acionista devolveu as provocações a Buffett. “Excedemos as capacidades do Qwest e de todos os hotéis da cidade. Nada de recordes no ano que vem?” Com uma cara marota e a voz já rouca após seis horas de maratona, o chairman não se dobrou. “Você me pegou, mas é claro que quero recordes. Já há novos hotéis sendo construídos na cidade e, quanto ao Qwest… Bom, vamos ver.”

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