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Fim do dilema?
Ações sustentáveis se provam lucrativas e, ao mesmo tempo, desafiam a alardeada oposição entre shareholders e stakeholders

Conflitos sempre permearam as relações humanas, em suas mais variadas formas. Particularmente na esfera empresarial, uma questão é alvo de acalorados debates: a quem a empresa deve atender primordialmente? A seus acionistas (os shareholders) ou aos públicos relacionados a seus negócios (os stakeholders)? Os que escolhem a primeira opção defendem que o objetivo de uma companhia é dar lucro e, por isso, suas iniciativas devem ser orientadas em benefício do shareholder. Do outro lado, estão os que defendem que, ao pertencer a um determinado contexto socioeconômico, uma empresa tem responsabilidades com a sociedade que a cerca e deve considerá-las em sua estratégia de atuação. Sob essa ótica, o stakeholder, ou seja, qualquer das partes interessadas (clientes, comunidade, funcionários, fornecedores, mídia, governo) tem tanta importância quanto os acionistas.

De uns tempos para cá, a preocupação com o planeta deixou de ser exclusiva de grupos ambientalistas para ser abraçada por toda a sociedade. Para as empresas, a inserção nessa nova realidade se dá através do desenvolvimento sustentável, a partir do qual novos valores empresariais determinam que um resultado bem afinado apenas nos aspectos contábil e administrativo não é suficiente. Quem se encaixa neste modelo colhe não apenas benefícios indiretos (uma imagem positiva perante a sociedade, por exemplo), mas também diretos (como o acesso diferenciado a um nicho crescente de consumidores conscientes sobre as problemáticas sociais e ambientais). Então, se a sustentabilidade passa a ser, também, lucrativa, não estaríamos diante de uma mudança de paradigma na relação supostamente divergente entre shareholders e stakeholders? Se, ao ser sustentável, a companhia proporciona bem-estar socioambiental e, ao mesmo tempo, aufere lucros, de que embate estamos falando?

“Esse é um falso dilema”, atestou Fabio Barbosa, presidente do Banco Real, em palestra no 8º Congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), realizada em 13 de novembro. Em sua apresentação, ele demonstrou com números que essa oposição vem perdendo espaço no mundo dos negócios. Ao associar sua estratégia à sustentabilidade, o Banco Real experimentou uma valorização extraordinária”. No ranking das marcas brasileiras mais valiosas em 2007, elaborado pela Istoé Dinheiro com a BrandAnalytics, a marca Banco Real está na nona posição, valendo US$ 834 milhões. Trata-se de uma valorização de 119% — a maior taxa de crescimento entre as 18 empresas analisadas — em relação a 2006, quando a marca valia US$ 381 milhões e ocupava a 14ª colocação. Em sua palestra no congresso do IBGC, Barbosa atribuiu à política socioambiental do banco o incremento observado na última linha de seus balanços. De um lucro líquido de R$ 784 milhões em 2001, o Real passou a mais de R$ 2 bilhões em 2006. Para a célebre frase do Nobel de Economia Milton Friedman “o negócio dos negócios são negócios”, Barbosa tem a sua versão: “O negócio dos negócios são negócios sustentáveis”.

Também de olho no potencial de fortalecer a associação da sua marca à responsabilidade socioambiental, o Bradesco lançou, no dia 13 de novembro, o Banco do Planeta. A instituição, que contará com logo próprio e funcionários exclusivos, tem o objetivo de centralizar as ações do banco nessa área. “O dinheiro estará a serviço do empreendimento mais importante do planeta: um modo de vida sustentável”, prega a campanha publicitária. Segundo o diretor de marketing Luca Cavalcanti, o Bradesco já tem participação em projetos dessa natureza há muitos anos, como a Fundação Bradesco e a Fundação SOS Mata Atlântica. “Com o Banco do Planeta, o público poderá conhecer o verdadeiro alcance da nossa política sustentável”, afirma.

Outra iniciativa que desafia o dilema shareholders versus stakeholders é a venda de créditos de carbono. Uma empresa brasileira que já tirou proveito desse mercado em ascensão foi a Cosan, uma das primeiras no mundo a obter autorização da Organização das Nações Unidas (ONU) para emitir créditos de carbono. A primeira venda se deu há quatro anos, quando a Cosan transferiu seus créditos diretamente a uma companhia de energia francesa. Até agora, o resultado é irrisório: foram comercializados 21 mil créditos de carbono, num montante de 110 mil. Mas a idéia é ampliar o feito. Para obter o direito de emitir mais créditos, a Cosan pretende, nos próximos cinco anos, estender a mecanização da colheita de cana a 80%, a partir dos 30% atuais, reduzindo a quantidade de queimadas que ocorrem no processo de colheita manual. Além disso, o grupo investe em geração de energia elétrica a partir da queima do bagaço de cana, que é usado nas caldeiras para produzir vapor. Em 2006, as vendas do excedente energético obtido nesse processo alcançaram cerca de 32,5 mil MWh. “Iniciamos investimentos de R$ 380 milhões para aumentar a capacidade de geração de energia em outras três unidades”, conta Manuela Turner Márquez, analista de RI da Cosan. Os três projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em processo de certificação — nas usinas de Costa Pinto, Rafard e Bonfim — trazem a expectativa de geração de 195 mil toneladas de créditos de carbono ao ano.

Segundo Liamara Barros Dreyfuss, sócia da área financeira e de mercado de capitais do escritório de advocacia Araújo e Policastro, que oferece assessoria a empresas interessadas em ingressar no mercado de carbono, lucrar com sustentabilidade é uma preocupação cada vez mais freqüente nas companhias. “O número de empresas querendo vender créditos de carbono praticamente dobrou de um ano para cá”, calcula. Um estímulo fundamental para o processo de consolidação desse tipo de mercado, segundo Liamara, aconteceu em setembro, com a venda de certificados de crédito de carbono feita pela Prefeitura de São Paulo ao belga-holandês Fortis, num leilão organizado pela Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). O vulto da operação, que rendeu mais de R$ 34 milhões aos cofres da prefeitura, serviu para mostrar à sociedade o quão promissor é esse campo.

Roberto Gonzalez, colaborador da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) para assuntos de sustentabilidade, não acredita que números tão atraentes signifiquem o fim do potencial conflito de interesses entre shareholders e stakeholders. Segundo ele, sempre vão existir situações em que o investimento em sustentabilidade não se reverte em resultados financeiros, mas, ainda assim, se justifica. “Há momentos em que o acionista precisa abrir mão de lucros maiores visando a perenidade de seu empreendimento”, explica. Afinal, uma conduta empresarial voltada à sustentabilidade requer que ações de longo prazo (e não necessariamente lucrativas) sejam mantidas, mesmo quando as finanças não vão bem.

A Natura passa atualmente por uma situação desse tipo. Desde o fim de 2006 apresenta quedas em seu desempenho. No terceiro trimestre deste ano, anunciou um lucro líquido de R$ 117 milhões, 12,1% menor que o de igual período do ano passado. A situação impactou o preço de suas ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa): no fechamento do pregão de 23 de novembro, uma ação da Natura saía a R$ 17,95, quase 30% menos do que há um ano. Diante disso, houve quem questionasse se não seria o caso de a companhia abrir mão de alguns gastos com sustentabilidade para compensar as perdas operacionais. A pergunta chegou até a ser formulada em reunião Apimec realizada recentemente. Mas o gerente de RI da Natura deixa claro que a sustentabilidade, para a Natura, está no sangue. “O compromisso com o desenvolvimento sustentável é um de nossos valores fundamentais. Não há nenhuma possibilidade de isso acontecer.”

Para Gonzalez, o investimento em sustentabilidade exige uma visão enraizada de longo prazo. “É uma aposta de que, mais à frente, os ganhos serão muito maiores do que as eventuais perdas”, diz, alertando que muitas companhias, na ânsia de embarcar na onda politicamente correta, falam muito, mas fazem pouco. “Uma onda tem começo, meio e fim. Até o fim deste século, as empresas que não estiverem realmente engajadas nesse processo perecerão. Já quem enxergar a questão da sustentabilidade como um oceano, que é contínuo, vai se dar bem”, filosofa.

Pressão de sócios torna-se obstáculo

Mesmo diante da conscientização a respeito do desenvolvimento sustentável, muitas empresas enfrentam problemas na hora de aplicar suas medidas socioambientais. É o que mostra a pesquisa Shaping the New Rules of Competition: UN Global Compact Participant Mirror), divulgada pela consultoria McKinsey em outubro.

O estudo, que entrevistou mais de 400 CEOs e altos executivos de empresas participantes do Pacto Global das Nações Unidas (UNGC), revelou que o principal obstáculo para a aplicação de políticas socioambientais vem de pressões de acionistas. Segundo os executivos, a exigência de bom desempenho no curto prazo pelos investidores acaba entrando em conflito com a questão da sustentabilidade, cujos resultados são colhidos no longo prazo.

A resposta foi a opção de 43% dos entrevistados. A dificuldade de implantação das medidas de sustentabilidade veio a seguir, com 39%. A falta de reconhecimento por parte dos mercados financeiros teve 25% das respostas.

Além de todas as dificuldades, segundo o estudo, as empresas precisam encarar dilemas perante alguns stakeholders. Para ilustrar, o relatório da McKinsey dá o exemplo do setor de energia: “O público exige contas mais baratas, mas não quer que as empresas deixem de investir em expansão e em tecnologias alternativas ambientalmente corretas”. (S.M)

 

Stakeholders: um meio ou um fim?

Milton Friedman (1912-2006), vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1976, é considerado o pai da teoria dos shareholders, segundo a qual os acionistas devem sempre ter preferência sobre as outras partes envolvidas. Para ele, cabe às empresas maximizar o capital investido pelos acionistas, e os stakeholders são apenas um meio para atender a esse objetivo. Líder da conservadora Escola de Economia de Chicago e anti-socialista declarado, Friedman dizia que a única responsabilidade das empresas era dar lucro aos seus acionistas. Segundo sua visão, as responsabilidades sociais geram custos que comprometem a performance das companhias e enfraquecem o sistema capitalista.

Em contraposição a essa idéia, surgiram, a partir da década de 90, alguns estudos, entre os quais tiveram destaque os trabalhos dos economistas Thomas Donaldson e Lee Preston. Eles postulam que os stakeholders têm interesses legítimos na atividade corporativa e, por isso, não podem ser vistos como meros instrumentos para o shareholder alcançar o lucro. Baseando-se em três correntes de pensamento — o utilitarismo, o libertalismo e a justiça distributiva —, Donaldson e Preston reconhecem que as organizações devem produzir riqueza, mas defendem que esta pode ser gerada levando-se em conta as relações pessoais, com o ambiente e a sociedade, e que pode ser distribuída de forma justa. Sob tal argumentação ética, o stakeholder passa a ser um fim em si mesmo. (S.M.)


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