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Fazendo caixa
Nas esferas municipal, estadual ou federal, governos querem aproveitar o bom momento do mercado para vender suas participações

A empresa podia até mudar de nome ou de setor. Mas a cena que marcava uma das épocas em que o governo mais enchia os seus cofres era invariavelmente a mesma: martelo em destaque e um bocado de mãos juntas para selar o sucesso da venda de uma estatal em leilões na bolsa de valores. Foi assim durante a década de 90, com a privatização do sistema de telefonia, da Vale do Rio Doce, de companhias elétricas e outras tantas. Agora, quem diria, essa imagem está de volta. Mas, discretamente. Desta vez, não se trata de um processo aberto de desestatização como o vivido no governo FHC. A palavra “privatizar”, aliás, pode soar quase como uma heresia, se dita assim, sem um certo cuidado. O que se percebe, porém, é um movimento claro do setor público de tentar experimentar o mercado de capitais.

“O ambiente está aquecido, com sucessivos recordes de IPOs, como nunca esteve antes, e o setor público decidiu aproveitar também este momento”, diz Rodrigo Lopes, diretor da Banif Nitor Asset Management. “De Norte a Sul do País já se vêem algumas operações feitas pelo governo para capitalizar as suas empresas”, observa o diretor de um banco de investimentos. Como exemplo, ele cita a recente oferta primária e secundária de ações feita pelo banco estatal gaúcho Banrisul, que movimentou R$ 2,086 bilhões.

“Uma operação como essa ajuda o governo a capitalizar suas empresas”, acrescenta. No caso, o governo gaúcho continua com o controle da instituição financeira. Em 28 de novembro, foi a vez de o Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes) protocolar um pedido de oferta pública na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para venda de uma participação minoritária, em ações preferenciais, do governo do estado. A operação será acompanhada de uma oferta primária para captação de novos recursos, com esforços de venda no Brasil e no exterior.

Ainda que seja com o intuito de sanear as finanças do governo, ou de suas empresas, negócios como esses sofrem reveses duros num momento em que o comando do País está nas mãos de um partido declaradamente contrário às privatizações. “Não se pode esquecer que, na última eleição, o então candidato Lula montou sua campanha acusando o candidato Geraldo Alckmin de ser privatista”, observa uma fonte do setor financeiro.

Ainda não se sabe ao certo as razões, mas, talvez por causa do que o mercado convencionou chamar de “risco político”, os governos (municipal, estadual ou federal) estejam sendo tão cautelosos ao falar sobre o assunto. No fato relevante divulgado pelo Banestes, por exemplo, é nítido o esforço em deixar claro que não se trata de uma alienação de controle. Recentemente, o governo do estado de São Paulo selecionou o Banco Fator para avaliar um pacote de 18 empresas e escolheu o Citi para, em paralelo, estudar uma saída estratégica desses negócios. A contratação dos bancos foi suficiente para propagar a notícia de que o governo paulista vai privatizar. “O governo apenas nos contratou para fazer um diagnóstico completo de cada uma de suas empresas”, pondera Venilton Tadini, diretor do Fator.

No conjunto de estatais paulistanas, despertam o interesse dos investidores a empresa de saneamento Sabesp e o banco Nossa Caixa. Para a Nossa Caixa, uma eventual capitalização seria uma oferta no mercado. “Ainda há 21,25% do capital que permite ao governo fazer uma oferta sem perder o controle”, observa a fonte de um banco. A operação está sendo aguardada para o ano que vem. Já a Sabesp seria um caso diferente. Em 2005, o governo se desfez do excedente de controle (21,5%) em uma oferta secundária, captando cerca de R$ 600 milhões. “Não há mais espaço. Ou se vende o controle ou não se faz nada”, diz uma fonte do setor.

Na área de saneamento, há ainda uma perspectiva de venda da Cedae, do Rio de Janeiro. Em setembro, a companhia assinou com a Fundação Getulio Vargas (FGV) um contrato de assessoria para a sua primeira oferta pública de ações. A previsão é de que o negócio ocorra no prazo de 18 meses, e ainda não está definido o percentual do capital que irá a mercado. Com um prejuízo até setembro batendo na casa dos R$ 2 bilhões, sabe-se que está mais do que na hora de arrumar a casa.

Em processo mais acanhado, o governo mineiro já avançou, aqui e ali, com algumas operações. A principal delas foi a oferta da sua companhia de saneamento básico, a Copasa, no ano passado, quando arrecadou R$ 723 milhões, mantendo-a sob o controle do estado. A prefeitura da capital mineira também quer garantir um reforço no caixa se desfazendo de sua participação na mesma Copasa. Os planos são de arrecadar algo próximo de R$ 300 milhões e, segundo anunciou o prefeito, Fernando Pimentel, na época, aplicar o dinheiro na infra-estrutura, como obras viárias e de urbanização de favelas.

Com o comando do País nas mãos de um partido declaradamente contrário às privatizações, vendas de ações sofrem reveses duros

No plano federal, especula-se uma ou outra operação, e a Infraero volta e meia é lembrada como uma forte candidata a mudar de mãos. Para alguns, porém, ainda prevalece o ceticismo em torno de uma eventual privatização. “Isso somente veio à tona por conta da crise no setor aéreo, mas, até hoje, não há nada de concreto”, diz o analista de um banco de investimento.

A afirmação dele, no entanto, não ecoa com informações vindas da alta cúpula de Brasília. A ministra Dilma Rousseff, que cuidou da Pasta do setor elétrico e agora comanda a Casa Civil, já disse em público, para quem quisesse ouvir, que o governo pretende fazer o IPO da Infraero. Com 30 anos, a estatal administra 67 aeroportos, 80 unidades de apoio à navegação aérea e 32 terminais de carga.

LEILÃO BILIONÁRIO — A mais aguardada venda do governo Lula, contudo, deverá acontecer na primeira quinzena do ano que vem, e não passará por uma oferta de ações em bolsa. Talvez seja a maior negociação no setor elétrico brasileiro, na qual estarão sob os holofotes o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a companhia norte-americana AES. Trata-se do leilão para a entrada de um sócio estratégico na Brasiliana, um dos melhores, maiores e mais cobiçados ativos do setor. A holding reúne sob o seu guarda-chuva seis empresas, entre as quais a AES Eletropaulo — maior distribuidora de energia elétrica da América Latina — e a AES Tietê, que, com suas dez usinas, gera 20% da energia do estado de São Paulo e 2% da nacional.

A venda da Brasiliana pode ser um negócio de, no mínimo, US$ 5 bilhões. Metade vai para o caixa do BNDES. Do ponto de vista da gestão pública, a venda promete sepultar, de vez, um arranjo controverso selado no Natal de 2003. Na época, o BNDES, pressionado pelo setor que ainda convalescia dos efeitos do apagão, aceitou ficar com ações da AES em troca de uma dívida de US$ 1,2 bilhão. Era isso ou o calote. A companhia norte-americana já estava inadimplente com o banco por causa de um empréstimo feito em 2001 para comprar a Eletropaulo.

Por meio de seu braço de participações, a BNDESPar, o banco ficou com 53,85% do capital total da Brasiliana, o equivalente a 49,9% das ações ordinárias. “De uma dívida de US$ 1,2 bilhão, que estava em default, o BNDES poderá ter agora um lucro de R$ 2,5 bilhões”, calcula uma fonte de um banco de investimento. “É um negócio e tanto para quem não sabia nem se receberia o pagamento da dívida.”

Como a AES possui o direito de preferência, terá até 30 dias após o leilão para decidir se vai exercê-lo ou não. Se ficar, assina o cheque e compra a parte do BNDES. Do contrário, vende as suas ações. “A companhia americana já fez a baixa contábil do US$ 1,2 bilhão que devia ao BNDES em seu balanço e poderá decidir dar liquidez ao investimento, em vez de correr o risco de permanecer no setor — sempre fragilizado com a ameaça de escassez de energia.”

SETOR DISPUTADO — Outro player do setor elétrico que deverá ser colocado na prateleira é a Cesp. A dona de seis geradoras de energia elétrica do estado de São Paulo, responsável por 8% da capacidade instalada do País, tornou-se uma espécie de “vedete” entre as 18 estatais paulistas avaliadas pelo Banco Fator. Passou a ser olhada com lupa por investidores estratégicos do setor, agora capitalizados e sedentos por ativos de geração, justamente em um momento de demanda aquecida e falta de grandes projetos. “A companhia já fez parte de um programa de desestatização, equacionou as suas dívidas e está em um dos melhores momentos”, afirma André Segadilha, chefe de análise do Banco Prosper.

A Cesp está avaliada hoje em torno de R$ 10 bilhões, e o governo tem uma fatia de R$ 4 bilhões — isso sem considerar a dívida e um eventual prêmio por controle. No ano passado, fez uma oferta pública, quando captou R$ 3 bilhões, ao emitir ações ordinárias e preferenciais classe B. Nos bastidores, vários players começam a desenhar suas estratégias de compras, associados ou não em consórcios. O grupo franco-belga Suez, dono da Tractebel, é um dos que manifestaram interesse em comprar a Cesp. “Há um momento de consolidação no setor elétrico, o Brasil tem se mostrado atrativo e os investidores de longo prazo estão querendo marcar suas posições. Por isso, é natural que aconteça uma disputa”, diz Mauricio Bahr, presidente da empresa.

Para Lopes, do Banif Nitor, a grande dúvida em torno do futuro da elétrica paulista está no xadrez político. “Ainda não se sabe se o governador José Serra, um candidato natural à Presidência da República em 2010, estará disposto a correr esse risco”, diz. “A conta que tem de ser feita é quanto ele perde de voto ao vender a Cesp e o que ele efetivamente conseguiria fazer com esse dinheiro.” Procurada, a Cesp não quis falar sobre o assunto.


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