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De olho neles
Companhias norte-americanas e européias adotam iniciativas diferenciadas para acompanhar de perto os movimentos de investidores ativistas e, com isso, antecipar possíveis conflitos

O general da armada norte-americana Omar Bradley, que lutou na II Guerra Mundial sob o comando do famoso General Patton, dizia que “a melhor maneira de vencer uma guerra é evitar que ela aconteça”. E essa é justamente a estratégia que boa parte das companhias abertas dos Estados Unidos e da Europa passaram a adotar recentemente, quando se trata de lidar com investidores de perfil mais ativista. No lugar de partir para o enfrentamento, as empresas têm privilegiado cada vez mais o caminho da conciliação. Uma prova concreta disso é o grande número de propostas apresentadas por acionistas para serem votadas nas assembléias gerais que foram retiradas da pauta após um processo de negociação prévia com seus autores. A média geral de acordos realizados nos EUA em 2007, segundo levantamento do Institutional Shareholder Services (ISS), foi de 43%, contra apenas 26% em 2006.

Parte dessa mudança de postura foi motivada pelo crescimento da participação dos fundos hedge no capital das empresas listadas em bolsa. Como detêm posições maiores, esses fundos teriam mais chances de vitória em caso de briga. Outra contribuição importante veio da repercussão negativa de alguns episódios envolvendo ativistas, como o da batalha pela cisão do Banco ABN Amro, desencadeada por uma campanha do The Children’s Investment Fund, do Reino Unido, e o da queda, no apagar das luzes de 2006, do presidente da Home Depot, Robert Nardelli — que, além de receber uma remuneração considerada incondizente com os resultados da companhia, havia impedido os acionistas de fazerem perguntas na assembléia do ano passado.

A necessidade de conhecer melhor o “inimigo” e, eventualmente, unir-se a ele, também foi destacada pelos bancos de investimento internacionais, que passaram a assessorar as empresas em suas estratégias. Em janeiro último, o Merrill Lynch enviou um comunicado interno a seus executivos que, entre outras coisas, dizia: “O ativismo societário não é um fenômeno passageiro. É cada vez mais importante que os conselheiros e os principais executivos das companhias abertas estejam preparados para agir rapidamente quando um ativista vier bater à sua porta”.

Eduardo Centola, presidente do Goldman Sachs no Brasil, diz que o ativismo ocupa hoje uma posição parecida com a das ofertas hostis de tomada de controle na década de 80. No entanto, ele ressalta que a pressão exercida por esse tipo de acionista é mais complexa de lidar, já que não constitui um ataque do qual a companhia tem de se defender, mas, sim, uma crítica que ela terá de endereçar em sua estratégia de curto prazo. O monitoramento da participação de acionistas com esse perfil em determinada companhia foi incorporado ao trabalho de consultoria do banco conhecido como “anti-raid defense”, em que são identificados todos os potenciais compradores da empresa e desenhadas as estratégias de defesa para eventuais ofertas de tomada de controle que ela venha a receber.

Denominado “activism defense”, o novo serviço contempla um mapeamento dos investidores ativistas com interesse no setor da companhia e o acompanhamento da concentração de sua base acionária. “Sempre que alguém de perfil mais ativista começa a acumular participação, recomendamos que a administração o chame para conversar”, diz Centola. O Goldman Sachs é líder de mercado nesse tipo de serviço, que também é prestado por outros grandes bancos internacionais. Sua experiência inclui casos onde foi preciso lidar com grandes ícones do ativismo mundial, como o fundo de private equity Kohlberg Kravis Roberts (KKR) e o investidor norte-americano Carl Icahn.

CARA A CARA COM O CONSELHO — Para evitar exporem-se a conflitos com os ativistas, empresas têm procurado chamar para a mesa de negociação tanto os grandes investidores institucionais, como a Calpers e o The Children’s Investment Fund, quanto investidores de varejo. A Home Depot, logo depois da saída do controverso Nardelli, se viu diante de uma proposta de “say on pay” enviada por um acionista que detinha apenas 90 ações — e um nome de grande peso no mercado de capitais. Era ninguém menos que o professor da Harvard Law School Lucian Bebchuck, famoso por seus estudos na área de governança. O acadêmico foi chamado para uma reunião com o novo CEO numa de suas primeiras semanas no cargo e os entendimentos iniciais foram detalhados numa série de e-mails posteriores. A empresa submeteu a proposta à avaliação de um conselho externo, formado por advogados e por um banco de investimento, e atendeu ao pedido de Bebchuck em sua totalidade, incluindo no estatuto a necessidade de obter aprovação dos planos salariais por pelo menos dois terços dos conselheiros de administração.

A Verizon inaugurou, em junho, um fórum on-line para acionistas, onde eles podem expressar preocupações e sugerir mudanças

Mas a maior conquista dessa última temporada de assembléias foi uma iniciativa adotada pela Pfizer. A farmacêutica anunciou que, a partir de outubro, convidaria seus maiores investidores institucionais que tenham votado nas últimas assembléias para reuniões periódicas com membros do conselho de administração. A intenção é colocar ativistas e administradores cara a cara para avaliar as práticas de governança corporativa da empresa e trocar idéias. O ISS elogiou a medida e a apontou como exemplo a ser seguido.

Mas também não faltaram críticas. O advogado Martin Lipton — sócio-fundador de um dos escritórios líderes em direito de mercado de capitais nos Estados Unidos, o Wachtell, Lipton, Rozen & Katz — enviou uma carta a todos os seus clientes condenando as reuniões da Pfizer e classificando-as como um dos muitos exemplos de subversão do que é a boa governança. Em um dos trechos de sua carta, Lipton dizia: “Não há justificativa alguma para revolucionar a lei e as práticas corporativas de modo que os acionistas tomem o lugar dos conselheiros como os árbitros fundamentais da política de uma companhia.” Mas o entendimento do advogado foi rechaçado pela maioria dos agentes do mercado, sob o argumento de que as reuniões não alteravam o funcionamento do conselho ou lhe subtraíam responsabilidades. Elas nada mais são do que um meio de promover o diálogo e alinhar expectativas.

A abertura de canais diretos de comunicação entre a companhia e seus acionistas também foi privilegiada por outras companhias, que, no lugar de estabelecer reuniões presenciais, decidiram tirar proveito da tecnologia para promover essa aproximação. A empresa de telecomunicações Verizon inaugurou, em junho, um fórum on-line para acionistas, onde eles podem expressar suas preocupações e sugerir mudanças. A Amerco, que tem entre as suas subsidiárias mais famosas a fabricante de trailers U-Hal, também disponibilizou um canal na internet para seus investidores.

A institucionalização de mecanismos de contato, via regulação ou por iniciativa das próprias companhias, vem sendo utilizada na Europa há mais tempo, e é apontada como uma das razões para que a belicosidade dos ativistas seja bem menor por lá. Em entrevista concedida ao jornal Financial Times, William Claxton Smith, chefe de governança da gestora de recursos do Bank of Scotland Group Insight Investments, afirmou que “no Reino Unido, como os acionistas dispõem de instrumentos legais para demitir conselheiros e executivos e convocar assembléias extraordinárias, as companhias abertas tendem a dar ouvidos até mesmo para as mais discretas manifestações de descontentamento”.

PARTICIPAÇÃO GARANTIDA — A garantia de determinados direitos é, na visão de advogados brasileiros, uma das explicações para que o ativismo em nosso mercado seja completamente diferente do que existe nos EUA. Para Kevin Altit, sócio do Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga Advogados, a última mudança na Lei das S.As, ocorrida em 2001, teve uma contribuição especial nesse sentido. Os minoritários conquistaram uma maior participação, especialmente por causa de dispositivos como o que permite a indicação de membros ao conselho de administração. Altit afirma que o poder opinativo dos minoritários também foi reforçado pelo regulamento do Novo Mercado, ao exigir que os conselhos contem com, no mínimo, dois terços de membros independentes. O advogado lembra que a própria Lei das S.As já foi estruturada de acordo com a lógica da criação de direitos para acionistas que acumulem um determinado patamar de participação — como a possibilidade de convocar assembléias, sugerir temas a serem discutidos nessas reuniões e indicar candidatos aos conselhos de administração e fiscal.

Há também que se pesar as diferenças na estrutura de capital. Fabiano Gallo, sócio do TozziniFreire Advogados no Rio de Janeiro, lembra que, como o ativismo requer dinheiro, além de tempo e certa organização, os investidores não se mobilizam sem a perspectiva de efetivamente obter uma vitória. É por isso que, segundo o advogado, os casos mais famosos de ativismo no Brasil ainda estão relacionados a operações extraordinárias anunciadas pelas companhias. “Onde existe controlador, o acionista só parte para a briga quando se acha merecedor de um benefício monetário”, diz Gallo. Casos como o da tentativa frustrada de reestruturação da Oi Participações (antiga Telemar), a briga pelo direito a uma oferta pública de aquisição de ações no processo de aquisição da Arcelor pela Mittal Steel e o acordo obtido por fundos de investimento no caso da incorporação da Ripasa pela Suzano Papel e Celulose e pela VCP são exemplos recentes desse tipo de reação.

Existe ainda o ativismo proativo exercido pelas gestoras de recurso independentes, mas ele quase nunca se dá por meio de confrontos públicos. Esses investidores preferem sempre a via do diálogo. Negociam uma participação no conselho ou conseguem reuniões diretas com o alto escalão das companhias. O fundo Rio Bravo Fundamental é um dos exemplos desse tipo de estratégia. O responsável por sua gestão, Mário Fleck, classifica o ativismo brasileiro como “menos abrasivo e mais construtivo”. Para ele, muitas vezes, a beligerância de alguns investidores norte-americanos reflete uma atitude oportunista — como nos casos dos fundos hedge, que chegam a alugar ações de uma determinada companhia para votar uma determinada proposta em assembléia para se beneficiar monetariamente dos efeitos da briga sobre o preço das ações. “Nosso arsenal é mais diplomático, muito calcado em discussões sobre o processo de gestão, até porque nosso horizonte de investimentos é mais longo.” Fleck aponta também a interação com outros acionistas minoritários como forma de incentivar melhorias de governança. “Quando não dispomos de um assento no conselho, por exemplo, o networking com outros minoritários é uma boa forma de influenciar mudanças que consideramos necessárias.”

Thiago Giantomassi, advogado do escritório Demarest & Almeida, lembra que um outro instituto jurídico é utilizado por investidores para influenciar os rumos das companhias em que têm participação relevante: o acordo de acionistas. “As reuniões prévias são um importante palco para a discussão das demandas de cada investidor”, diz . Para ele, a grande diferença é que essas exigências não são colocadas publicamente, o que reforça a percepção de que o ativismo no Brasil é de caráter predominantemente reativo. Giantomassi acredita que o crescimento no número de companhias sem controle definido deve ajudar a mudar esse quadro. Fabiano Gallo, do TozziniFreire, concorda e destaca a importância do papel dessas empresas no processo de educação dos acionistas. “A elas cabe estimular a participação mais ativa dos investidores num contexto diferente, que privilegie uma visão mais abrangente e ajude a distanciar o ativismo da chamada ditadura da minoria, em que alguns acionistas sobrepõem seus interesses particulares aos da companhia.”

Eduardo Centola, do Goldman Sachs, entende que a aproximação entre acionistas e administradores é mesmo a melhor saída para evitar que diferenças de expectativas ganhem escala e se transformem em grandes polêmicas. “Em geral, a presença do ativista é saudável, pois força a companhia a criar uma agenda de longo prazo e refleti-la em suas decisões do dia-a-dia.” Como a pressão desse tipo de acionista costuma exigir decisões rápidas, quem não está aberto ao diálogo pode ter sua estratégia prejudicada por solicitações de impactos apenas no curto prazo. Centola diz que, embora o debate se concentre em comprovar se o ativista leva à geração de resultados de curto prazo em detrimento da criação de valor no longo prazo, é importante ter em mente que não há nada pior do que um mercado formado por acionistas passivos.

“Say on pay” é destaque da agenda 2007

Na maioria dos casos, as demandas dos ativistas se concentram em três ou quatro grandes temas, que compõem uma espécie de agenda do ano. Nos EUA, o “majority voting” — modelo que requer maioria dos votos para que um conselheiro possa ser eleito, em substituição ao modelo vigente, chamado de “plurality voting” — foi o destaque em 2006. Este ano, chegou a vez da exigência de aprovação dos pacotes de remuneração dos administradores por pelo menos dois terços do conselho, apelidada de “say on pay”.

Também são bastante comuns os pedidos de substituição de um determinado conselheiro ou mesmo do CEO, a reivindicação por um assento no conselho de administração e a pressão pela venda de uma subsidiária que, no entendimento do acionista, não tenha boa sinergia com a atividade principal da empresa.

Além de formular propostas que devem ser votadas nas assembléias de acionistas, esses investidores promovem campanhas públicas em prol de uma determinada causa. Nos últimos dois anos, as de maior repercussão foram as “Vote Não”, lideradas pelo fundo de pensão dos funcionários públicos da Califórnia (Calpers).

Por meio de websites e material promocional, os gestores da Calpers convocam os acionistas a não votarem nas eleições de conselho de companhias que se recusam a adotar o sistema de majority voting. A medida, embora não tenha efeito prático — já que os conselheiros no sistema de plurality voting garantem a posse com apenas um voto de aprovação —, visa expor publicamente a empresa, até que ela decida aderir ao modelo proposto. (C.G.H)


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