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Conselhos demais
Pesquisa inédita analisa o acúmulo de cargos por conselheiros de administração e acende debate sobre os prós e contras para a governança

ed47_pg42-46_2“Eles ocupam os conselhos das maiores companhias dos Estados Unidos. (…) Suas decisões afetam nossas vidas. Eles estão no comando.” Não, esse não é o slogan de mais um filme de suspense ambientado no universo corporativo e produzido nos estúdios de Hollywood. Trata-se da chamada do site www.theyrule.net, onde qualquer visitante pode conhecer os conselheiros de administração mais atuantes nos Estados Unidos, as companhias de que participam e em que grau eles podem “influenciar as nossas vidas”. Sem esconder o tom provocativo e conspiratório, o site recai sobre um tema que começa a emergir no Brasil: a ocupação simultânea de diversos cargos em conselho por um mesmo profissional e os possíveis prejuízos — ou benefícios — que esse acúmulo de posições pode representar em termos de governança corporativa.

ed47_pg42-46_3A presença em conselhos diversos provoca um fenômeno que tem até nome em inglês — board interlocking, ou entrelaçamento de conselhos, numa tradução livre para o português. Lá fora, suas causas e efeitos têm sido objeto de análise de acadêmicos há algum tempo, por meio de estudos que datam da década de 60. No Brasil, o tema manteve-se intocado por muitos anos, mas a superocupação dos conselheiros não é desprezível. Levantamento feito pela Capital Aberto, realizado com base em uma amostra de 126 empresas, conclui que existiam, após a última eleição de conselheiros (na AGO de abril), 13 profissionais que participavam simultaneamente de, no mínimo, quatro companhias, e outros 25 com presença em pelo menos três.

O campeão da amostragem é o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Alcides Lopes Tápias. Atualmente, ele integra o time de sete companhias — Sadia, Medial, Lopes, Santos Brasil, Rodobens, Banco Itaú e Itaú Holding. Naturalmente, credenciais como as de Tápias explicam o porquê de tanto trabalho e, de certa forma, pavimentam o caminho para mais propostas. Mas a pergunta é: participando de diversos conselhos ao mesmo tempo, um profissional consegue dispor de toda a atenção necessária a cada um deles? E mais: a conexão estabelecida entre essas companhias por meio da presença de um mesmo profissional em seus conselhos é positiva para os negócios?

Um estudo concluído recentemente jogou luz sobre o tema no País. Intitulada Board interlocking no Brasil: participação de conselheiros em múltiplas companhias e seu efeito sobre o valor das empresas, a pesquisa foi conduzida pelo doutor em finanças Alexandre Di Miceli da Silveira, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e pelo graduando em economia Rafael Liza Santos. A má notícia trazida por Silveira e Santos é que o acúmulo de cargos em companhias diferentes pode, sim, ser pernicioso. Segundo o estudo, a prática reduz o valor e o desempenho das companhias. As perdas são ainda maiores quando o CEO ou o chairman atuam nos conselhos de outras empresas. Nesse caso, a companhia de origem acaba sendo a principal sacrificada.

“Os resultados sugerem que os benefícios de uma melhor rede de contatos desses conselheiros ou sua maior experiência profissional não compensam a deterioração na qualidade das decisões e na capacidade de monitoramento”, afirmam os autores. Uma das explicações para essa “deterioração” seria a falta de espaço na agenda do profissional para cumprir as tarefas de um bom conselheiro. O estudo, porém, não se configura numa crítica a conselhos formados por independentes — geralmente, ligados a mais de uma companhia —, mas, sim, à superocupação desses profissionais, ressalta Silveira. “É importante que o conselheiro seja competente e tenha tempo para suas atribuições de definir estratégias e supervisionar a gestão.” Para quem argumenta que os conselheiros ultra-requisitados agregam valor ao compartilharem seu conhecimento e experiência, o professor rebate com uma ressalva: “As más práticas também podem ser difundidas”.

Não há uma referência no código de governança brasileiro sobre o número ideal de cargos que possam ser assumidos pelo conselheiro. Contudo, códigos de outros países limitam essa participação. Os princípios da Business Roundtable, associação de CEOs norte-americanos, não impõem limite às interligações, mas indicam que a atuação em muitos conselhos pode interferir na qualidade do desempenho individual. Na Alemanha, recomendase não participar, simultaneamente, em conselhos de empresas de um mesmo grupo.A melhor rede de contatos e a experiência profissional não compensam a deterioração na qualidade das decisões e na capacidade de monitoramento

Para Daniel Blume, chefe da divisão de relações corporativas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e gerente da Mesa Redonda Latino-americana sobre Governança Corporativa da instituição, conselheiros sobrecarregados podem até contribuir com uma perspectiva que agrega valor. “Mas, se eles forem ocupados demais para dedicar tempo à tarefa, pode haver um desequilíbrio”, diz ele. Pelas recomendações da OCDE, a empresa deve avaliar se a vinculação de uma mesma pessoa a diversas companhias é compatível com a eficiência do órgão e divulgar essa informação aos acionistas. A entidade recomenda ainda que a companhia avise sobre eventuais ausências dos conselheiros nas reuniões. Não há, contudo, um limite formal para a presença em conselhos.

CONFLITOS DE INTERESSE — A divulgação é fundamental pelo fato de riscos de ocorrência de conflitos de interesse serem latentes. Afinal, como assegurar que dados estratégicos sobre determinada empresa não chegarão a uma segunda, terceira companhia, por meio de conselheiros comuns? Alguns autores norte-americanos sugerem que o interlocking, às vezes, é estimulado pelas próprias empresas, na medida em que pode diminuir as incertezas quanto ao comportamento do restante do mercado e “favorecer práticas oligopolistas”, cita Silveira em seu trabalho. Contra essa prática, o Clayton Act, a lei antitruste dos Estados Unidos, de 1914, condenava a presença de conselheiro em duas empresas concorrentes. No Brasil, a Lei da S.As segue essa linha. O artigo 147 proíbe a eleição de conselheiro, exceto em caso de dispensa pela assembléia-geral, que “ocupar cargos em sociedades que possam ser consideradas concorrentes no mercado, em especial, em conselhos consultivos, de administração ou fiscal”.

Mailson Ferreira da Nóbrega, um dos conselheiros mais solicitados do País, lida bem com esse dilema. Quando recebeu o convite para se juntar ao conselho da Rodobens, o ex-ministro da Fazenda viu ali um potencial conflito de interesses — era comprometido com a também incorporadora Abyara — e recusou, inicialmente, a proposta da empresa. O caso foi submetido à assembléia-geral da Rodobens, mas não foi identificado nenhum problema. A avaliação, segundo o conselheiro, foi de que as duas companhias têm foco em segmentos diferentes: a Abyara é voltada a classes A e B e a Rodobens, a clientes que recebem até cinco salários mínimos.

Dono de extensa carreira no setor público, o paraibano de Cruz do Espírito Santo, de 65 anos, tornou- se figura popular no circuito corporativo após deixar o posto de titular do Ministério da Fazenda, em 1990. Naquele ano, entrou na Pirelli. Logo depois, veio a Brasmotor. Hoje, Mailson é conselheiro efetivo de seis companhias: Grendene, CSU, Tim, Banco Pine, além das duas incorporadoras. Muito? Pois o ex-ministro ainda “bate cartão” nos conselhos consultivos de Pão de Açúcar e Whirlpool e no de administração do fundo Merrill Lynch Latin American Investment Trust, de Londres. “Costumo dizer que vou trabalhar até os 90 anos e descansar os 15 restantes.” Às segundas e terças-feiras, cumpre expediente na consultoria Tendências, da qual é sócio. Essa atividade o abastece de recursos para o papel de conselheiro nas diversas companhias. “O ponto forte da minha participação é a apresentação de cenários econômicos”, diz ele.

Mailson conta que ainda encontraria tempo para participar de mais conselhos. A aceitação de novos convites dependeria de fatores como empatia com os dirigentes, demandas e remuneração. Mario Fleck, diretor da gestora de recursos Rio Bravo e conselheiro, avalia que a presença em conselhos diversos deve ser analisada caso a caso. “Para um CEO, trabalhar em outro conselho seria demais, por exemplo.” Há pouco tempo, comenta, as companhias procuravam nomes conhecidos, como de ex-ministros, apenas pelo marketing. Isso começou a mudar, segundo ele, cerca de três anos atrás, com a profissionalização do mercado. Mas o “figurão”, em si, não é prejudicial ao conselho, desde que contribua com as estratégias da empresa.

Um profissional famoso adiciona, sobretudo, boa reputação à empresa. Por isso é tão disputado. Em tese, conselheiros com um nome a zelar pensariam duas vezes antes de embarcar num mau negócio. Assim, investidores se sentiriam mais seguros em depositar ali o seu quinhão. Fora isso, como participam de muitas empresas, podem render contatos produtivos à companhia. “Imagine alguém bem relacionado no BNDES. Só essa bagagem pode facilitar projetos de investimentos e captação de recursos”, exemplifica Silveira.

PALPITEIROS OU DIRIGENTES? — Os figurões passam a ser uma preocupação quando se tornam a única meta do conselho.
Isso só ocorre ainda porque as verdadeiras funções do conselheiro não foram assimiladas, consistentemente, no País, avalia Sandra Guerra, sócia-diretora da consultoria Better Governance. “Há ainda gente que acha que conselheiro é aquele que dá palpite. O aconselhamento deve ser de outra natureza.” A língua portuguesa, provavelmente, também contribui para esse equívoco. Em inglês, o membro do conselho não é um advisor (aquele que aconselha), mas, sim, um director (aquele que dirige). Para a especialista, o tema da pesquisa da USP estimula a reflexão sobre o tema. Mas ela não se arrisca a dizer que as empresas necessariamente perdem com conselhos sobrecarregados.

Até porque, se essa conclusão fosse tão fácil, a maioria das companhias com governança não seria adepta dessa prática. Conforme a pesquisa de Si lveira e Santos, são justamente as empresas com boa reputação, em termos de governança, e de grande porte, as que mais contratam conselheiros sobrecarregados. No lado oposto, companhias menores, familiares e de controle acionário concentrado tendem a ter menos conselheiros badalados — “provavelmente devido à influência que o bloco de controle acionário exerce sobre esses conselheiros, exigindo-lhes dedicação mais exclusiva ou contratando menos conselheiros profissionais”, afirmam os autores.

Um estudo conduzido pela PricewaterhouseCoopers (PwC) e pela revista Corporate Board Member nos Estados Unidos, divulgado em outubro de 2006, revelou que 47% dos conselheiros norte-americanos atuavam em apenas uma companhia. O que poderia ser uma boa constatação, na verdade, deixou os autores ressabiados. Embora o fato indique uma maior dedicação dos conselheiros, também sugere um menor intercâmbio de conhecimento e aprendizado, concluiu Catherine Bromilow, sócia da PwC. Como em todo debate sobre governança, o desafio é alcançar o equilíbrio.


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