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Passe de mágica
Compra da Trafo pela Weg lança suspeita de que pagamento de valor idêntico por ações ON e PN seja um truque para reduzir o tag along

O tag along — direito dos minoritários de receber uma oferta por suas ações quando ocorre a alienação do controle da companhia — foi uma vitória conquistada (e reconquistada) a duras penas pelos investidores que aplicam em ações de empresas brasileiras. Originalmente, o artigo 254, da Lei 6.404, de 1976, previa que os detentores de ações ordinárias (ONs) deveriam receber o mesmo valor pago pelas ONs do controlador. Em 1997, no entanto, o benefício foi revogado para desonerar a implantação do programa de privatização do governo federal e voltou apenas em 2001, na forma do artigo 254-A, assegurando 80% do prêmio de controle. Apesar do percentual menor previsto na nova legislação, na prática, o tag along ganhou em importância e tornou-se um dos mais valorizados diferenciais das companhias dispostas a adotar as melhores práticas de governança corporativa. Cenário perfeito, não fosse um espaço que continua em aberto na lei para que algum acionista controlador não muito bem-intencionado passe a perna no tag along.

Estamos falando aqui de uma possibilidade que não é nova, mas, em razão de dois fatos recentes — uma aquisição de controle e uma interpretação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) —, vem incomodando alguns agentes do mercado. A aquisição em questão é a da fabricante de equipamentos elétricos Trafo pela Weg, maior produtora de motores elétricos da América Latina, anunciada no último dia 6 de março. Na operação, a Weg pagou R$ 2,6453 tanto pelas ações ordinárias como pelas preferenciais em poder do controlador da Trafo.

À primeira vista, pode-se estranhar o fato de os dois papéis terem sido avaliados pelo mesmo preço. Afinal, as ações ordinárias dão direito a voto e, nesse caso, ao controle, ao passo que as preferenciais não. Mas esse tipo de avaliação não é, necessariamente, tão descabida. Embora não confiram direito a voto, as preferenciais oferecem vantagens previstas em lei que também têm o seu valor, como o dividendo de, no mínimo, 3% do valor do patrimônio líquido, ou o dividendo pelo menos 10% superior ao atribuído à ON, ou, ainda, em substituição às duas últimas hipóteses, o direito ao tag along.

No caso da Trafo, porém, havia uma peculiaridade. As preferenciais foram adquiridas pelo mesmo valor das ordinárias (R$ 2,6453), apesar de valerem R$ 1,92 em bolsa de valores no dia 6 de março, data do fechamento do negócio. Ou seja, o novo controlador poderia ter adquirido essas mesmas ações em bolsa por preço 27% menor. É nessa hora que a operação conduzida pela Weg começa a incomodar alguns minoritários. Não há dúvidas de que o valor idêntico pago por ONs e PNs pode ser uma imposição na negociação. É possível que o vendedor fixe um preço por seu “pacote” de ações, independentemente do tipo de cada uma delas, e coloque essa situação como condição para a venda do controle. Mas também não há dúvidas de que esse pode ser simplesmente um truque para reduzir a base de cálculo do tag along.

Para ilustrar a mágica com ótimo potencial de “tungar” o bolso dos minoritários, vamos aos números. Imaginem um sócio controlador que tenha 5 ações PN e 5 ON e, por cada uma, o comprador pague R$ 10,00, a despeito de as ações PN valerem R$ 5,00 em bolsa. Ao vendedor, portanto, a operação renderá R$ 100,00, mesmo montante que poderia ter sido obtido se o comprador pagasse R$ 15,00 pelas ON e os mesmos R$ 5,00 cotados em mercado pelas PNs. Para o vendedor do controle, portanto, nada muda. Mas, para os minoritários, a conta fica bem diferente em cada uma das situações apresentadas. Na primeira, ele recebe 80% de R$ 5,00. Na segunda, 80% de R$ 15,00.

SOBREPREÇO — No passado, esse tipo de situação foi avaliada algumas vezes pela CVM. E a mais-valia atribuída às preferenciais em relação ao valor de mercado ganhou até um termo específico — “sobrepreço”. Em maio de 1981, ao julgar a alienação do controle acionário do Comind Banco de Investimentos, a autarquia foi implacável: determinou que o valor do sobrepreço fosse “adicionado ao valor de compra das ordinárias, através de rateio, para que se chegasse ao preço final do negócio a ser estendido aos minoritários (…) ”. A partir daí, essa medida vinha sendo utilizada como jurisprudência em situações desse tipo.

O que tira o sono dos minoritários nas histórias de sobrepreço é a dificuldade de se provar a mágica para reduzir o valor do tag along

Mas um entendimento manifestado pelo diretor Pedro Marcílio, da CVM, em novembro do ano passado, indica um possível revés na interpretação da autarquia. O assunto veio à tona por ocasião da transferência de controle da Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar). Nessa operação, a jurisprudência do sobrepreço não era aplicável (não houve excesso no pagamento pelas preferenciais do controlador), mas a área técnica da autarquia levantou a questão. Apesar de parecer sem propósito, essas “consultas” sem relação direta com o processo em análise têm sua função: conhecer a opinião do atual colegiado sobre entendimentos antigos.

O fechamento de capital é uma situação extraordinária porque retira toda a liquidez dos papéis, sejam eles ordinários ou preferenciais

Para surpresa de muitos, Marcílio, relator do processo em questão, foi enfático: afirmou que a decisão de maio de 1981 não poderia ser utilizada como precedente na atualidade, porque tanto o artigo 254 quanto a Resolução CMN 401/77, que serviam de suporte normativo para a interpretação na época, deixaram de vigorar. Ao mesmo tempo, afirmou, as novas regras “regulam a matéria de forma substancialmente diferente do regramento em vigor quando da definição do antigo posicionamento da CVM”.

A área técnica da autarquia, no entanto, continua a levar em conta a validade das decisões anteriores. “Consideramos esses precedentes até que haja orientação distinta do colegiado”, diz Carlos Alberto Rebello Sobrinho, superintendente de registros, sem sinalizar qual seria o procedimento diante de casos específicos como o da Weg e Trafo. Agora, a dúvida do mercado é quanto ao futuro desse entendimento. Estaria a jurisprudência do período de vigência do artigo 254 com os dias contados?

ARMADILHA DAS BOAS — O que tira o sono dos minoritários nas histórias de sobrepreço é a dificuldade de se provar a mágica para tirar valor do tag along. Isso porque, para alguns, a diferença entre o preço pago pelas preferenciais do controlador e as preferenciais em mercado pode ser tanto trapaceira como legítima. Além da hipótese de o sobrepreço pago pela preferencial ser parte das condições da negociação para levar o controle, não se pode esquecer de que os valores em bolsa, em muitos casos, são ineficientes e não espelham, nem de longe, um preço próximo do que seria razoável para o papel. Há também o fato de que as preferenciais foram turbinadas depois da última reforma na lei e ganharam vantagens que podem incluir até mesmo o tag along.

Na dúvida, o único jeito de se proteger é condenar o sobrepreço a priori. “A diferenciação entre as ações dos minoritários e as que formam o bloco de controle deve existir apenas nas ordinárias”, afirma Mauro Cunha, diretor de investimentos da Templeton no Brasil, que foi acionista da Weg durante vários anos e sempre trabalhou por melhores práticas de governança na companhia. Para Cunha, na aquisição da Trafo, uma parte do prêmio de controle foi, sim, embutida ao valor das preferenciais do controlador.

Fábio Alperowitch, sócio-diretor da Fama Investimentos, vai ainda mais longe. A gestora aplicou cerca de R$ 8 milhões em ações da Trafo e está publicamente contrária à operação, apesar de ter posição acionária dez vezes superior na Weg. “Esse episódio tem um agravante que vai além da questão do preço das ações. A Weg está migrando para o Novo Mercado, segmento que é entendido pelo investidor como um selo de qualidade. Ou seja, a empresa vende boas práticas, mas adota postura questionável em um negócio monetariamente pequeno (a operação totalizou apenas R$ 50 milhões). Isso afeta a credibilidade da companhia e do mercado”, afirma Alperowitch, que se mostra categórico ao afirmar que as ações preferenciais do controlador não podem valer mais do que as suas.

O advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, pondera, lembrando que há casos em que o valor de ordinárias e preferenciais pode se aproximar. Um exemplo seria quando o comprador tem interesse em adquirir a totalidade das ações, e não apenas a fatia que lhe garante o controle. “O que deve prevalecer é a maneira como o comprador precificou o ativo”, diz. Já para Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do Motta, Fernandes Rocha Advogados, o preço de uma ação só poderá embutir alguma mais-valia se formar o bloco de controle. “A essência do tag along continua a mesma, apesar das mudanças no artigo 254 da lei: o controle é a soma do valor intrínseco dos papéis ao valor decorrente do direito de comandar a empresa. O sobrevalor, portanto, existe, e é ele que deve ser repartido com os minoritários.”

Carlos Augusto Junqueira, ex-gerente de operações especiais da CVM (área que foi responsável pela jurisprudência do sobrepreço no passado) e autor do livro Transferência de Controle Acionário – Interpretação e Valor, também acredita que igualar o preço de ordinárias e preferenciais do controlador é uma maneira de burlar o tag along. “Uma empresa aberta não pode pagar por um ativo mais do que ele vale no mercado”, argumenta. Segundo Junqueira, o entendimento da CVM acerca do sobrepreço — que determinava a aplicação do excedente atribuído às preferenciais ao preço das ordinárias no cálculo do tag along — deve ser novamente utilizado no caso da Weg.

OPA COM DOIS PREÇOS — Para colocar ainda mais lenha no caso Weg/Trafo, basta avaliar a oferta pública a ser realizada para fechamento de capital da Trafo. Como os detentores de ON têm direito ao tag along, e os de PN não, os primeiros vão receber mais, conforme a lei, uma vez que seu preço é equivalente a 80% dos R$ 2,6453 pagos pela Weg. Assim, diferentemente do que ocorreu com o controlador, os minoritários da Trafo recebem R$ 2,11 pelas ONs e R$ 1,94 pelas PNs. Bem, essa seria apenas uma conseqüência do sobrepreço, não fosse o fato de também existirem críticas por uma companhia pagar preços distintos a ordinárias e preferenciais em uma oferta pública de ações (OPA).

Se aprovada a operação, esse será o segundo caso em que valores diferentes foram atribuídos às ONs e PNs em ofertas para cancelamento de registro. A primeira exceção aberta pela CVM foi no ano passado, quando a Manasa, empresa de reflorestamento, deixou o mercado. “O fechamento de capital é uma situação extraordinária porque retira toda a liquidez dos papéis, sejam eles ordinários ou preferenciais. Isso iguala os acionistas, o que justifica a retirada das ações pelo mesmo valor”, afirma Maria Cristina Avedissian, sócia do escritório Souza, Cescon e Avedissian. Junqueira, ex-gerente da CVM, também é contra a prática de dois preços nas OPAs. Além de colocar todos os acionistas na mesma situação, a saída da bolsa exige a adesão de pelos menos dois terços deles. Segundo Junqueira, nos casos em que há dois preços, o pagamento diferenciado pode representar, na prática, um incentivo para que os investidores mais bem remunerados aceitem a operação, minimizando a importância da participação do grupo que recebe o valor menor.

Por fim, investidores ainda discordam do valor atribuído às ações preferenciais dos minoritários na OPA, apontado a partir de laudo da Ernst & Young. “Estamos contestando a operação na CVM. Ajustadas as imperfeições do laudo, acreditamos que o preço justo de cada preferencial da Trafo seja de R$ 3,50 a R$ 4”, diz Fabio Alperowitch. Entre os problemas identificados pela Fama Investimentos no laudo de avaliação está, por exemplo, a questão da perpetuidade. “Conservadoramente, não foi considerado nenhum crescimento na perpetuidade”, afirma a Ernst & Young, no capítulo Premissas Gerais. “Quando se fala em custo com material, por exemplo, a justificativa para o aumento é a projeção de alta dos preços do cobre. Ao mesmo tempo, as projeções são de queda dessa commodity. Além de ir na contramão do mercado, seria como dizer que a empresa não tem capacidade de promover aumentos de preços”, pondera Alperowitch. Consultada pela Capital Aberto, a Weg não se manifestou para evitar violações à Instrução 400. Pelo visto, além do sobrepreço e da controversa OPA com preços distintos, a companhia ainda terá de explicar às autoridades e ao mercado por que comprou uma empresa para a qual não enxergava nenhuma perspectiva de crescimento.


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