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Encarando o espelho
Depois de incluir independentes, treinar, diversificar e eliminar conflitos de interesse, companhias chegam ao próximo estágio de evolução de seus conselhos: a auto-avaliação

ed46_p24-27_2Há algumas características que se evidenciam na definição de um bom conselho de administração: presença de membros independentes, alinhamento com os valores da companhia, capacidade para criar e implementar estratégias, conhecimento das melhores práticas de governança, experiência em assuntos diversos e liberdade para agir sem qualquer tipo de conflito de interesse. De um modo geral, é mais ou menos isso que o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) espera de um board, de acordo com o segundo capítulo do código de conduta elaborado pela entidade. Mas, se as companhias brasileiras pensam que, após cumprido esse check-list de obrigações, é hora de cruzar os braços, elas estão redondamente enganadas.

Para que todos esses ingredientes resultem numa gestão eficiente, a empresa terá de eliminar todos os possíveis riscos de essas habilidades não surtirem efeito na hora de serem colocadas em prática. Como conseguir isso? Bem, essa resposta só virá para quem se dispuser a observar o conselho de perto e analisar seus pontos fracos de forma criteriosa, estabelecendo planos de ação para eventuais melhorias. É nesse momento que entra em cena uma outra recomendação do código do IBGC. O instituto pede que seja feita uma avaliação do desempenho do conselho e de cada um de seus membros anualmente. Embora seja uma advertência prevista no documento desde a sua primeira edição, em 1999, só recentemente companhias e instituições financeiras se deram conta da sua importância. No Itaú, por exemplo, esse processo deve ter início nos próximos meses. Natura e Perdigão vêm adotando essa medida desde o ano passado. CCR é a mais veterana: chega a 2007 em sua quarta experiência com a avaliação.

Quais as vantagens de o conselho ser avaliado? A primeira é poder medir até que ponto o órgão conhece suas responsabilidades. Sidney Ito, da KPMG, conta que já presenciou situações em que um conselheiro não sabia da obrigação de ser informado toda vez que um empréstimo fosse solicitado pela empresa. “Quem desconhece o seu dever na companhia deixa de cobrar informações como essa. Depois, se houver algum problema, fica difícil saber se houve negligência dos executivos ou do conselho, que não se inteirou sobre o assunto.”

Além de assegurar que os membros estejam cientes do seu papel na empresa, essa análise serve para estabelecer o melhor modelo para o órgão cumprir suas tarefas –– acrescenta Jorge Maluf, sócio do escritório da Korn/Ferry International no País. “Pelas respostas dos conselheiros, é possível descobrir se a freqüência das reuniões está adequada ou se a pauta consegue focar os desafios da companhia”, diz. Embora nenhuma empresa brasileira entrevistada faça a avaliação individual dos conselheiros –– e sim do órgão, como um todo ––, Maluf destaca ainda a importância de um julgamento personalizado, como é comum no exterior. Essa seria uma ferramenta para assegurar que a experiência do profissional está sendo bem aproveitada.<

CONSELHO NO DIVÃ — E como deve ser feita a avaliação do conselho? Antes de mais nada, é importante esclarecer que cabe aos próprios membros realizarem esse tipo de análise. Numa analogia às sessões de terapia, essa prática de governança deve colocar o conselho num divã e pedir que seus integrantes apontem os problemas que lhes afligem. Por isso, um bom ponto de partida seria a escolha de alguém que cumpra o papel de psicanalista. Essa pessoa pode ser um membro interno (o secretário do conselho ou o executivo responsável pela governança na empresa) ou externo (uma consultoria terceirizada). É ela quem vai elaborar uma lista de perguntas para ser entregue aos integrantes que deverão respondê-la, sem serem identificados. Isso permitirá que expressem suas opiniões mais livremente.

Alexandre Di Miceli da Silveira, professor da FEA-USP e pesquisador sênior do IBGC, acredita que um bom questionário para esse tipo de avaliação deve contemplar cinco itens. O primeiro deles serve para medir o foco do conselho no negócio, isto é, se o órgão está preparado para as questões corporativas e qual o seu conhecimento sobre os valores, a missão e o plano estratégico da empresa. Depois, é hora de avaliar como anda o fluxo de informações na companhia. Perguntas como “Os executivos são prestativos no atendimento de eventuais solicitações?” ou “As informações pertinentes à pauta são enviadas em tempo hábil?” fariam parte dessa seção. Já o terceiro ponto trata da independência do conselho no processo decisório. Em seguida, avalia-se o funcionamento das reuniões e, no quinto e último tópico, a motivação e o alinhamento de interesses de seus membros. (Veja quadro ao lado.)

Respondidas as questões, é hora de saber o que fazer com as informações transmitidas. Para os especialistas, o ideal é que a tarefa de consolidar os resultados fique delegada a um terceiro, a fim de que seja preparado um relatório com os pontos fracos e fortes da atuação do órgão. Por mais que esse documento revele algumas situações que pareciam óbvias –– por exemplo, a dificuldade na comunicação com a diretoria executiva ––, a função da avaliação é exatamente essa: quando um determinado problema deixa de ser discutido nos bastidores corporativos e torna-se público, as pessoas se sentem mais obrigadas a agir e sanar a questão.

NO DIA-A-DIA — A Capital Aberto checou como as companhias brasileiras estão se saindo, na prática, na tarefa de analisar seus conselhos. A primeira experiência da Natura com a autoavaliação ocorreu no ano passado. Mas, em 2004, a companhia já havia feito algo semelhante quando congovernança 28 Capital Aberto Junho 2007 tratou a consultoria McKinsey para entrevistar diretores e conselheiros sobre a evolução da governança na empresa, o papel do conselho e de seus comitês. Com base nas respostas vindas nessa ocasião, a empresa chegou à conclusão de que era preciso criar um comitê de governança corporativa, além de um cargo de secretário para esse mesmo tema, entregue a Fernando Mesquita. Foi ele quem coordenou a primeira auto-avaliação do conselho, com a ajuda de uma nova consultoria, a Egon Zehnder.

O ideal é que a tarefa de consolidar os resultados fique delegada a um terceiro, a fim de que seja preparado um relatório com os pontos fracos e fortes do conselho

O processo envolveu não só a elaboração de um questionário, como também uma entrevista pessoal com todos os conselheiros. Um exemplo da eficiência desse mecanismo foi a descoberta de que os assuntos relacionados à sustentabilidade não tinham um espaço adequado dentro do conselho. Para que houvesse maior dedicação ao tema, decidiram, então, criar, neste ano, o comitê de sustentabilidade — o quinto do conselho da Natura. Outro ponto que a avaliação ajudou a esclarecer foi a necessidade de o órgão aumentar para sete seu número de membros. Um deles foi eleito em abril na assembléia-geral da empresa. Já o sétimo integrante será eleito na próxima reunião, em 18 de junho.

Na veterana CCR, cujo conselho realiza uma autoavaliação desde 2003, o CEO e o secretário do conselho também são convidados a responder às perguntas. O questionário, que na última edição reunia 15 páginas e 67 perguntas, vem resultando em mudanças significativas para a companhia. Na primeira experiência, há quatro anos, verificou-se alguns problemas nos prazos de tramitação das informações solicitadas à diretoria executiva pelos conselheiros. “A partir de então, a agilidade nesse processo foi priorizada”, afirma Massami Uyeda, diretor jurídico da CCR. “Com isso, os conselheiros passaram a se preparar melhor para as reuniões.” Por lá, quem se responsabiliza pela organização da avaliação é o comitê de governança, que, a cada ano, elabora um questionário diferente, preparado com base nos resultados anteriores. “A governança corporativa nunca termina. Sempre teremos novos assuntos”, ensina Uyeda.

Na Perdigão, aconteceu uma situação diferente. Quem passou por uma auto-avaliação não foi o conselho, mas, sim, o comitê de auditoria. É certo que tal iniciativa teve como inspiração a Lei Sarbanes-Oxley, que recomenda –– mas não obriga –– essa prática nesses comitês. “Foi uma experiência excelente”, resume Vanderlei Martins, presidente do comitê de auditoria da Perdigão. Auxiliados pela KPMG, eles reuniram, em 20 páginas, perguntas como o modo de o comitê planejar seus trabalhos, a independência de cada um dos membros, além de questões para medir o grau de conhecimento do grupo sobre a legislação norte-americana.

Martins lembra que, em alguns pontos, houve respostas bastante divergentes. “O interessante é que a avaliação motivou o grupo a discutir a fundo determinados problemas, até que todos chegassem a um consenso.” Para ele, o fato de o conselho de administração ter tomado conhecimento desses resultados foi fundamental para aprimorar a relação entre eles. Afinal, nesse comitê, não há representantes do conselho. “Conseguimos explicar aos conselheiros que o comitê de auditoria precisava estar mais presente em suas reuniões”, diz. Até então, esses dois órgãos se encontravam duas vezes por ano. Mas, desde 2006, o número de audiências subiu para cinco.

ENQUANTO ISSO, LÁ FORA… — A auto-avaliação do conselho caiu nas graças dos países europeus e asiáticos como um prato cheio para medir a eficácia de um órgão para lá de vital na companhia. Segundo um estudo da Korn/Ferry International, publicado em fevereiro de 2006, com mais de 1.200 conselheiros de 15 países diferentes, na Austrália, 93% das companhias analisam regularmente a performance de seus conselhos, contra 86% na Inglaterra, 75% na Alemanha e 63% no Japão. Isso sem contar que, nesses países, a avaliação é dirigida não apenas ao conselho de um modo geral, mas a cada conselheiro individualmente. Também é comum no Primeiro Mundo a prática de o CEO avaliar o conselho, e vice-versa.

Resta saber por que no Brasil ainda poucas empresas adotam essa prática. Para Sidney Ito, isso não deve ser uma preocupação, pois a iniciativa já consta nos planos das nossas companhias. “Até o momento, as empresas se preocuparam em arrumar a casa e profissionalizar o conselho. Concluída essa etapa, a tendência agora é elas adotarem iniciativas diferenciadas no âmbito da governança, como, a avaliação dos conselhos.” Já Jorge Maluf, da Korn/Ferry, não compartilha do mesmo otimismo. “O fato de poucas empresas implantarem essa auto-análise está relacionado à estrutura societária da companhia”, diz. “Para proteger os próprios interesses, muitas vezes, os acionistas controladores não estimulam uma atuação mais ativa do conselho. E tampouco cobram que ele faça uma auto-avaliação”, conclui. Para Maluf, está mais do que na hora de os conselhos brasileiros passarem a discutir sua relação com a empresa.


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