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Temporada de votos
Com o direito de eleger conselheiros, minoritários têm razões de sobra para participar mais das assembléias este ano. Mas ainda terão de encarar a burocracia

 

ed32_p036-039_pag_3_img_001Abril, mais um mês de assembléias de acionistas e mais uma esperança de ver esses eventos transformados em grandes reuniões de investidores engajados e comprometidos com a gestão das empresas em que aplicam seus recursos. Não, ainda não será desta vez que o Brasil vivenciará reuniões em grandes estádios de futebol, no mais autêntico estilo Warren Buffett e suas sempre badaladas assembléias em Omaha. Mas existem boas razões para imaginar que a esperança tem tudo para dar um pouco mais de sorte em 2006.

O sonho das assembléias repletas de acionistas, antes restrito ao clube dos guardiões da governança e aos investidores mais ativistas, recentemente entrou na pauta dos profissionais de Relações com Investidores (RI), que já se valem de ações diferenciadas para ampliar o quórum do evento em suas companhias. No campo da legislação, uma mudança aguardada desde a última reforma da Lei das S.As também promete agitar as reuniões. A partir deste ano, os investidores não ficarão mais restritos a uma lista tríplice previamente apresentada pelo controlador para eleger o seu representante no conselho de administração. Poderão escolhê-lo diretamente, sem lista nenhuma, e ter finalmente a garantia de voz no prin cipal órgão de decisão da companhia em que investem. As crescentes adesões ao Novo Mercado também dão uma nova perspectiva às assembléias. Muito mais do que em anos anteriores, temos acionistas com papéis que lhes conferem direito a voto e poderão fazer valer seus pontos de vista.

As conquistas, portanto, são um bom indício de uma temporada mais participativa nas assembléias. Mas a evolução das discussões nos últimos tempos também mostra que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. Exigências e prazos legais que envolvem o processo de representação por procuradores e a relutância de algumas companhias em garantir o acesso à lista de acionistas ainda constituem barreiras significativas entre o desejo de exercer o tão almejado direito de voto e a sua real possibilidade.



VIA-SACRA DA PROCURAÇÃO — Como nem sempre podem comparecer pessoalmente às assembléias, os investidores se fazem representar por procuradores que, munidos da documentação necessária, votam de acordo com as instruções recebidas. Uma situação aparentemente ideal que, na prática, pode ser dificultada por uma pesada burocracia estabelecida pela legislação.

O advogado Fernando Albino, sócio da Albino Associados, aponta os critérios para outorga de procuração como um dos principais obstáculos. O investidor que a assina, se institucional, deve ter poderes de nomeação estabelecidos em ato societário da empresa à qual pertence, no seu estatuto social e, em caso de fundos de investimento, também no regulamento. Se a companhia desejar, por qualquer razão, contestar a legitimidade de uma procuração e impedir o voto, a única maneira de detê-la seria apresentar todo o calhamaço de documentos comprobatórios: procuração, ato societário, regulamento, estatutos e suas alterações. Albino conta que esse tipo de contestação e pedido de comprovações adicionais é muito comum em assembléias em que vai haver briga, numa tentativa de afastar acionistas cujos interesses e posições sejam divergentes da administração ou do controlador.

A lei também discrimina as classes de procuradores aceitáveis, o que impacta os custos e prazos envolvidos no processo. Marcelo Rodrigues, advogado da área de companhias abertas do escritório Tozzini Freire Teixeira e Silva, explica que, para os investidores brasileiros, a regra geral é que sejam representados por advogados, embora a lei também permita que administradores da própria companhia ou um outro acionista possam fazê-lo.

No caso dos estrangeiros, a instrução de voto é outorgada ao custodiante global das ações, que a transfere para o custo diante local que, por sua vez, a entrega a um procurador efetivo (na maioria das vezes também um advogado). Aparentemente simples, o processo requer uma série de passos que podem colocar esse tipo de acionista no centro de uma longa espiral burocrática. O primeiro deles é notarizar a procuração, ou seja, assiná-la perante um oficial que atue como notário, num procedimento equivalente ao de um instrumento público que exige a presença física do próprio outorgante no local. Em alguns países, como a França, o procedimento é dispensado por um acordo governamental. Mas é compulsório no país de onde provêm a maior parte de nossos acionistas estrangeiros: os Estados Unidos. O segundo passo é consularizar a procuração, levando-a até o consulado ou embaixada brasileira mais próxima da cidade do investidor. O terceiro é submeter o documento à tradução juramentada e, por fim, registrá-lo num cartório de Registro de Títulos e Documentos no Brasil.

Rodrigues, do Tozzini Freire, tem experiência no assunto e revela que são necessários pelo menos 30 dias para dar conta da empreitada. Três meses antes da temporada de assembléias, ele começa a monitorar os movimentos de preparação e determinação das datas das AGOs e a instruir seus clientes para que se organizem. A precaução é válida, visto que nem todas as companhias adotam a prática mais recomendada de realizar a convocação com no mínimo 30 dias de antecedência.

Conscientes do problema, algumas procuram facilitar o trabalho de seus investidores e disponibilizam procuradores habilitados a representá-los. É o caso de Lojas Renner e Sadia que, na convocação da assembléia, designam os contatos de um representante para aqueles que desejam outorgar uma instrução de voto contrária à proposta dos administradores e outro para as instruções favoráveis.

Mas nem todos avaliam que os requisitos legais representam empecilhos à participação dos acionistas minoritários. Para Henry Sztutman, do Pinheiro Neto Advogados, “o procedimento é bastante claro e o acionista conta com uma quantidade significativa de instrumentos de participação”. A opinião é compartilhada pelo presidente da Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca), Alfried Plöger, para quem “tudo o que é transparente é válido”. Ele discorda até mesmo de queixas comuns no mercado, como a obrigatoriedade de realizar a assembléia na cidade sede da companhia — o que, muitas vezes, faz investidores viajarem durante horas para participar de uma reunião de pouco mais de 40 minutos. No centro dos argumentos apresentados por Plöger está a convicção de que cada exigência foi pensada para resguardar tanto a companhia quanto os seus sócios.

O regulador, no entanto, considera a necessidade de realizar ajustes, principalmente no que diz respeito à divulgação de informações que auxiliem na decisão de voto. Segundo o diretor da Comissão de Valores Mobiliários, Pedro Oliva Marcilio de Sousa, a reforma da Instrução 202 (que dispõe sobre o registro para negociações de valores mobiliários) inclui a obrigação de uma divulgação mais detalhada dos temas a serem abordados nas assembléias. “Hoje o volume de informações que temos disponível é insuficiente para que o acionista possa tomar suas decisões de voto de forma bem embasada”, reconhece o diretor.



LISTA DE ACIONISTAS — Outro tema relacionado à participação em assembléias que em breve deve ser objeto de um parecer de orientação da autarquia é o fornecimento da lista de acionistas, que permite aos minoritários organizarem-se em torno de posições comuns e, unidos, fazerem valer um bom número de votos (veja quadro nesta página). No fim do ano passado, a Investidor Profissional (IP) encaminhou uma consulta à Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM solicitando orientação sobre o assunto.

Pedro Rudge, da IP, relata que a consulta foi motivada pela ausência de um passo-a-passo, de um padrão recomendado àqueles investidores que buscam obter a lista. A dificuldade é agravada pelo fato de que dois artigos diferentes da Lei das S.As — os de número 100 e 126 — podem ser utilizados como base para a solicitação. “Esperamos que a CVM também se pronuncie a respeito da aplicabilidade de cada um”, afirma Rudge. Os artigos apresentam, por exemplo, exigências diferentes quanto à composição mínima necessária para se pedir a relação de investidores de uma companhia. Pelo artigo 126, é necessário reunir pelo menos 0,5% do capital total; pelo 100, não é preciso nem mesmo ser acionista. O texto do 126 dá a entender que o pedido da lista pressupõe o pedido de representação daqueles acionistas. O do 100 não.

A inexistência do passo-a-passo faz com que cada companhia responda de uma maneira à solicitação e apresente suas exigências. Pontos como o prazo de resposta, a necessidade de justificativa para o pedido e a obrigatoriedade (ou não) de assinatura de um termo de responsabilidade não estão claros para os investidores. Há também casos em que a companhia procura dificultar o acesso, provavelmente para evitar a participação dos minoritários em decisões como, por exemplo, a eleição de conselheiros não ligados ao controlador. Rudge conta que já houve empresa cobrando R$ 60 mil para fornecer a lista, calcada no parágrafo 1º do artigo 100, que permite à companhia cobrar o custo de sua manufatura. A particularidade reflete o sistema que vigorava quando a lei foi desenvolvida: todos os registros eram realizados em papel e o trabalho manual envolvido era muito diferente do de hoje, em que os bancos de dados são todos eletrônicos.

A Superintendente de Relações com Empresas da CVM, Elizabeth Machado, explica que a consulta da IP foi encaminhada à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM), a quem cabe emitir pareceres de orientação. Ainda não existe previsão de quando a SDM irá se pronunciar.



MUDANÇA DE POSTURA — A discussão sobre o dever de participar tem se tornado cada vez mais freqüente, e muitos acreditam que a cultura deva se fortalecer e consolidar nos próximos anos. Pedro Rudge, da IP, defende que a evolução recente das práticas de governança corporativa deve pautar as transformações na rotina de participação dos acionistas, não apenas em relação ao número de presentes em cada assembléia, mas também aos procedimentos de convocação e formato dessas reuniões. Rudge avalia que nos falta um modelo mais parecido com o dos “proxies” americanos, em que a companhia detalha os temas da reunião e argumenta sobre sua importância, além de apresentar a posição dos administradores em relação ao que será votado. “Falta trazer vida à pauta. O formato padrão a torna árida e, na maioria das vezes, desinteressante”.

Com relação ao conteúdo, o investidor sugere que se aproveite a oportunidade para aproximar administradores e acionistas. Por que não levar diretores comerciais, de logística ou de negócios para fazerem apresentações sobre suas áreas, sobre a estratégia que será adotada ou mesmo sobre o cenário atual e potenciais impactos no desempenho? “A assembléia poderia ser usada como uma oportunidade de relacionamento.”

Dentre as companhias que já adotaram algumas dessas estratégias diferenciadas está a Marcopolo, que encaixou a sessão de votos entre apresentações de seus executivos, e a Lojas Renner, que adotou uma política de comunicação intensa, com envio de mensagens do conselho e explicações sobre a importância dos temas que seriam tratados.

Nem todos os investidores, contudo, estão alinhados com a onda de engajamento nas assembléias. A grande maioria dos gestores de fundos de ações, por exemplo, continua observando as empresas de longe e não faz a menor questão de participar das reuniões de acionistas. O tema já faz parte da pauta da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), que deve iniciar um debate a esse respeito no âmbito de sua comissão de administração de recursos de terceiros. Mauro Cunha, diretor de investimentos da Bradesco Templeton, sustenta que esses gestores deveriam ser obrigados não apenas a comparecer às assembléias, mas também a rever sua forma de participação.

Se conseguirem vencer as barreiras hoje impostas pela legislação e pela má vontade de alguns administradores, os investidores terão nas reuniões deste mês de abril, e dos próximos anos, o espaço certo para ampliar sua influência no desempenho dos ativos em que investem. Mas a contrapartida, certamente, também virá. Aqui cairia bem aquele ensinamento de infância retirado das histórias do Homem Aranha. De posse de novas capacidades, o super-herói passou a orientar suas decisões segundo a máxima de que ‘grandes poderes trazem grandes responsabilidades’. Caberá a cada um avaliar se vale o preço.


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