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A destreza de um RI de estatal
Casos como o de Cemig, Copel e BB revelam o desafio desse profissional para convencer investidores de que a gestão está blindada contra efeitos políticos

 

O dia 4 de janeiro foi movimentado para o gerente de Relações com Investidores do Banco do Brasil (BB), Marco Geovanne. As ações da instituição registraram alta de 13,5%, a maior do Ibovespa, após o anúncio de que a equipe de analistas da Merrill Lynch passaria a cobrir o desempenho do banco. Por um detalhe, contudo, o relatório não foi de todo positivo: embora tenha previsto um 2006 bastante rentável , a corretora fez questão de lembrar que o Banco do Brasil era uma instituição controlada pelo governo e, logo, merecedora de cuidados especiais.

Esse é um dos muitos episódios que ilustram como o mercado ainda enxerga as companhias estatais brasileiras. Mesmo que algumas delas cumpram o check-list da governança corporativa, estão longe de se livrarem do estigma de eternas comprometidas com os interesses políticos. A reportagem conversou com os profissionais de Relações com Investidores (RI) de algumas dessas empresas — Cemig, Celg e Sabesp, além dos bancos Nossa Caixa e Banco do Brasil — que relataram os desafios desse departamento numa estatal. Cabe a ele desenvolver uma habilidade especial para lidar com a desconfiança do investidor, além de ter o jogo de cintura para, quando necessário, dizer ao controlador que, ali, vale a decisão dos acionistas.

Essa postura tornou-se ainda mais relevante nos últimos meses, depois de deflagrada a crise política. Semanas atrás, denúncias publicadas na imprensa davam conta de uma suposta participação do Banco do Brasil nos escândalos que envolvem o governo federal. A Copel também precisou driblar uma crise recente, com a decisão do seu conselho de administração, no dia 11 de janeiro, de destituir do cargo um de seus membros, a funcionária pública Maria Aparecida Plaça.

Decidida a propagar a sua versão dos fatos, ela afirmou que seu afastamento se devia a um voto contrário a uma decisão que prejudicaria os minoritários. Referia-se à postura da estatal, adotada nos últimos anos, de não repassar os reajustes determinados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) às tarifas. “Se o governo quer fazer uma ação social, poderia abrir mão dos seus dividendos, e não prejudicar os demais acionistas”, disse. A Copel foi rápida e divulgou uma carta informando que sua destituição ocorrera em virtude de Maria Aparecida ter ferido o código de conduta por ter exigido a demissão de alguns diretores sem justificativa, “provocando constrangimento”. Sobre o não-repasse do reajuste autorizado pela Aneel, a estatal afirmou que a decisão de beneficiar o consumidor final era uma “medida estratégica adotada pela companhia, com a chancela do conselho de administração e o referendo da assembléia geral de acionistas”.

A Cemig também protagonizou um episódio que deixa clara a dificuldade de se conciliar os objetivos sociais com os interesses do investidor privado dentro de uma estatal. No mês passado, a Assembléia Geral Extraordinária (AGE) da companhia foi suspensa em razão da desconfiança acerca do acordo de Contas de Resultados a Compensar (CRC), fechado entre o governo de Minas Gerais, que detém 51% das ações com voto da empresa, e os acionistas minoritários. Pelo acordo, o Estado abrirá mão de 65% dos dividendos a que teria direito para saldar suas dívidas, avaliadas em R$ 3,1 bilhões, durante 30 anos. O problema foi que, na redação original do texto, havia uma cláusula de que o Estado poderia não cumprir o combinado “em caso de força maior”. Os analistas bateram o pé até que essa condição fosse retirada. Uma nova assembléia foi realizada e o texto, refeito. “A governança é imprescindível para garantir credibilidade às estatais”, diz o superintendente de RI, Luiz Fernando Rolla.

Quem também está de olho no poder da governança corporativa para se proteger de eventuais crises e imprevistos é a Celg, que se aproxima da etapa final de adesão ao Novo Mercado. Depois de anunciar a intenção do Estado goiano de vender 41,08% das ações ON até o final deste ano, veio, agora, com outra boa notícia. A AGE de 17 de janeiro aprovou o acordo que prevê o recebimento de cerca de R$ 1 bilhão de dívidas do governo estadual, em 300 parcelas, tendo como garantia 100% dos dividendos do controlador e até 10% dos recursos que recebe da União pelo Fundo de Participação dos Estados. “Vamos mostrar ao investidor que a Celg é uma empresa resguardada pelas boas práticas”, diz Enio Andrade Branco, diretor de RI da companhia.

SAÚDE FINANCEIRA AJUDA — Para o gerente de RI do Banco do Brasil, a tarefa de lidar com a vigilância do mercado se torna muito mais fácil quando a empresa possui o que ele chama de “musculatura”. “É preciso ter números muito bons para iniciar uma conversa”, explica Geovanne. Seu kit para analistas desconfiados inclui a informação de que o lucro líquido do Banco do Brasil triplicou entre dezembro de 2000 e dezembro de 2004, sendo que, no mesmo período, suas ações registraram valorização de 413,3%. Vencida a fase da exibição dos resultados numéricos, ele dá início a uma segunda etapa, com respostas sobre como anda a governança corporativa na instituição.

Engana-se quem acha que o discurso da governança nas estatais é igual ao usado pelas empresas privadas. No caso do Banco do Brasil, Geovanne precisa deixar clara a obrigação do governo federal de subsidiar qualquer operação de crédito com juros abaixo do mercado, como ocorre no financiamento às micro e pequenas empresas. Também precisa ressaltar que a instituição exige um mínimo de cinco votos favoráveis — um a mais do que as cadeiras que o governo tem no conselho — na apreciação de questões estratégicas do banco.

Todo esse arsenal é usado na esperança de não mais ouvir comentários pejorativos como os que existiam até pouco tempo atrás. Uma pesquisa de opinião pública, realizada no ano de 2001 pelo instituto Vox Populi, traduzia a imagem do Banco do Brasil na época para analistas e investidores com até R$ 1 milhão em ações. Os resultados da enquete foram recuperados recentemente pela instituição e hoje são usados em seminários para mostrar o trabalho do RI ao tentar recuperar uma companhia da fama de má gestão pública. Eis algumas falas coletadas: “É um banco sem dono, não tem uma rentabilidade compatível. Isso é má gestão, falta de foco e de estratégia. O Banco do Brasil vira e mexe, sempre aparece com um rombo, uns esqueletos.” Graças a um trabalho persistente, Geovanne não escuta mais essas coisas. Mas sabe que não pode baixar a guarda, sobretudo porque precisa convencer o mercado de que as conquistas dos últimos anos estão asseguradas, seja quem for que assumir a Presidência da República nas próximas eleições.

O assunto “blindagem eleitoral” também é freqüente nas reuniões da Nossa Caixa com investidores. Nessas ocasiões, Rubens Sardenberg, diretor de Relações com Investidores da instituição, precisa reforçar que, quando o Estado quer conceder um financiamento diferenciado, a Nossa Caixa recebe uma remuneração para compensar a perda. Além de saber lidar com as desconfianças do analista, no currículo de um RI de estatal também é necessário ter lábia para ajudar na disseminação da cultura de companhia aberta internamente. “Aos poucos, os funcionários começam a perceber o ganho de uma gestão transparente para a instituição”, afirma Sardenberg.

Até os executivos da Sabesp, vencedora do prêmio de melhores práticas atribuído pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) no ano de 2005, precisam arregaçar as mangas para anunciar aos quatro cantos que ali a administração é transparente, e tem regras iguais para todos. Para Iassuo Hagy, assistente-executivo da diretoria financeira, o maior trunfo da estatal é o fato de ter suas ações listadas na bolsa de Nova York (e também de Madri), onde seguem rígidas regras contábeis e de divulgação de informações. “A listagem lá fora é um ótimo diferencial para o mercado”, acredita.


RISCO PERMANENTE — E os analistas, o que dizem de tanto esforço? Gustavo Barbeito, da Prosper Corretora, confirma que o mercado aplica um desconto sobre as companhias públicas. “Melhorou muito, mas as incertezas ainda estão longe de acabar”, diz. Para Carlos Martins, do banco Modal, esse eterno pé-atrás se justifica pelo fato de que, apesar de haver boas práticas de governança, sempre há o risco de um político pôr a perder todo um trabalho de transparência e eqüidade. “Quando o governo quer, ele interfere.”

Tais comentários não devem, contudo, desanimar os RIs das empresas públicas. Para Alexandre Di Miceli, pesquisador-chefe do IBGC, quanto maior o empenho das estatais, melhor para o analista conseguir diferenciar quem é quem no mercado. “As companhias precisam separar muito bem os papéis de prestadora de serviço social e geradora de lucro”, ensina o pesquisador. Apesar de já apresentarem resultados positivos neste sentido, muitas ainda pecam em alguns pontos.

No Encontro Latino-Americano sobre Governança Corporativa nas Empresas Estatais, realizado em novembro, em Brasília, foram levantadas as falhas mais comuns nas empresas públicas. Entre elas estão a não divulgação clara da forma de remuneração dos conselheiros e diretores, além da falta de transparência sobre informações financeiras e não-financeiras como, por exemplo, a missão da companhia e o modo de avaliar a governança. O funcionamento do conselho também foi alvo de críticas. São poucas as empresas que têm definidos, claramente, os papéis e perfis dos seus membros, assim como o grau de poder delegado a eles.

Aos RIs, Di Miceli recomenda ter, na ponta da língua, o guia de boas práticas para empresas de controle estatal lançado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em outubro do ano passado. Entre as principais diretrizes, estão recomendações para uma separação clara entre as funções de proprietário e regulador, manutenção de relações estritamente comerciais com os bancos estatais (sem condições privilegiadas de financiamento), autonomia operacional para a companhia (sem intervenções políticas) e nomeação de conselheiros com base em habilidades e competência. Mais do que sabê-los de cor, é esperado do RI ter no currículo a implementação desses princípios na prática. Um trabalho que ele precisa começar a fazer dentro de casa, agregando aliados para a sua causa.


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