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Assunto de família
Depois de conquistar investidores, a governança ganha adeptos entre herdeiros que querem defender seu patrimônio

 

ed27_p036-040_pag_3_img_001Há alguns anos, as empresas familiares adotaram mecanismos para a boa gestão de seus interesses – modernamente chamados de governança familiar – como forma de garantir que pessoas ligadas por contrato de sociedade e, ao mesmo tempo, relações de parentesco, possam conviver com razoável harmonia. Nos últimos tempos, elas começaram a perceber que, mais do que “governar” bem a família, era preciso fazer o mesmo com a empresa.

Quem chega a essa conclusão vê na governança um item obrigatório para fortalecer a companhia de um modo sustentável. Pode não parecer mas, no caso de uma empresa familiar, a famosa cartilha do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) significa mais do que um modelo de gestão. Para os herdeiros ou parentes do controlador, aprender o que é eqüidade, conflito de interesses e independência da administração deixou de ser uma opção. Virou uma questão de sobrevivência do negócio. Mas por quê?

Ora, tente imaginar as dúvidas mais comuns de um herdeiro. Como ficaria a divisão do patrimônio numa eventual morte do pai? E se o novo controlador desviar dinheiro do caixa? Os executivos poderiam aumentar seu salário indevidamente? Será que alguém da família possui talento suficiente para dar continuidade aos negócios? Para evitar esse tipo de pergunta, a aplicação de boas práticas de governança é imprescindível. Trata-se de um modo de garantir, no longo prazo, que os valores – e também os lucros – da companhia se perpetuem independentemente da presença de seu fundador.

“Assim como faz com o acionista minoritário, a governança corporativa estabelece uma proteção para os familiares”, define Alexandre Di Miceli, professor da FEA/USP e pesquisador-chefe do IBGC. Segundo o especialista, isso ocorre a partir do momento em que se estipulam regras claras na relação entre a família, a empresa e o patrimônio.

Para cada uma dessas três esferas devem ser constituídos fóruns específicos para discussão de temas cujas decisões, mais tarde, são compartilhadas com os demais grupos. “O sucesso dessa fórmula vai depender da definição, pela família, de mecanismos formais e legais para administrar suas diferenças e conflitos”, completa Miceli. Para saber se a lição de casa ensinada pelos mestres está gerando resultados práticos, o Centro de Pesquisas do IBGC, com o apoio do Center for International Private Enterprise (CIPE), resolveu observar o dia-a-dia de 15 companhias abertas brasileiras, de controle familiar, que fossem consideradas referências em governança corporativa. As informações serão compiladas num livro a ser lançado no início do ano que vem, cujo objetivo é servir de referência para as outras empresas aprimorarem seus modelos de gestão.

A Capital Aberto obteve os primeiros resultados, com exclusividade, do IBGC.

Natura, Marcopolo, Gol, Ultrapar e Sadia são os cinco primeiros casos estudados. Os dados preliminares da pesquisa apontam que, nos cinco casos, as regras de governança foram adotadas a partir de iniciativas dos próprios controladores, como instrumento de perpetuar o sucesso do negócio. De acordo com esses mesmos dados preliminares, a implantação da boa governança nem sempre esteve associada à decisão de abertura de capital. “Essas práticas surgiram a partir de necessidades vistas no dia-a-dia da companhia, como forma de aprimorar a alta gestão e gerar credibilidade não só para o mercado, mas, também, para as relações internas da empresa, através da transparência”, acrescenta Di Miceli.


PATRIMÔNIO INTANGÍVEL – Mas, como convencer os herdeiros da importância de implementar bons princípios de governança em seu próprio benefício? O advogado René Werner, um dos grandes especialistas em desenvolvimento societário, ensina que esse processo só pode ocorrer de uma forma: com treinamento. Uma das primeiras lições seria mostrar a eles que a sustentabilidade de um negócio não implica apenas a manutenção de um patrimônio financeiro. “A família carrega um patrimônio inatingível tão importante quanto o retorno gerado no caixa, que é a responsabilidade de preservar os valores da empresa”, diz o consultor.

Para os herdeiros ou parentes do controlador, aderir aos princípios de governança virou uma questão de sobrevivência do negócio

A transmissão dos conceitos de governança é fundamental para que os herdeiros compreendam por que devem adotar certos comportamentos – e evitar outros – participando ou não da gestão executiva. O código de conduta da empresa, por exemplo, é a clássica informação que deve estar na ponta da língua de qualquer um que carregue o sobrenome do fundador do negócio. Imagine qual seria o estrago à imagem de uma S.A se um membro da família estivesse envolvido num crime de evasão de divisas, por mais que ele nunca tivesse pisado na fábrica do pai.

“Conhecendo essas práticas, a família vai compreender as necessidades da companhia. Em troca, terá a garantia de que a essência familiar da sociedade será preservada, mesmo se os familiares estiverem ausentes do processo de gestão”, acrescenta Werner. Ao contrário do que se imagina, não se trata de um simples acordo, com a descrição das obrigações de cada lado num papel. “A família precisa incorporar essa cultura, e a empresa, enxergála como um acionista diferente, que tem características e demandas próprias.”

PARA DEFENDER SEUS DIREITOS – Se os conceitos de governança são úteis para apontar os deveres de cada esfera numa sociedade corporativa, eles também servem para as famílias aprenderem a exigir seus direitos. A exemplo do que ocorre entre controladores e minoritários, a eqüidade é uma prática a ser aplicada entre os herdeiros e gestores da companhia. Assim, um irmão que não faça parte da diretoria tem direito a saber em detalhes como os negócios vêm sendo conduzidos e a cobrar daquele que está no comando o compromisso de lhe prestar contas.

A Gerdau é um caso em que os herdeiros do controle acionário formam um grupo bastante heterogêneo, de artistas a advogados, com idades que variam de 15 e 40 anos. Hoje, sua gestão está nas mãos da quarta geração e os próximos da fila já freqüentam a sala de aula para aprender sobre governança. Além de formação em MBAs no Brasil e no exterior, a companhia oferece um programa interno de orientação profissional.

“É claro que cada membro da família vai responder a esse treinamento de uma maneira diferente, de acordo com o seu perfil”, explica Osvaldo Schirmer, vice-presidente executivo de finanças e diretor de RI da Gerdau. “Mas com ou sem interesse em trabalhar na empresa, eles precisam aprender como as coisas funcionam.” Perguntado se os seus “alunos” já ouviram falar do manual do IBGC, Schirmer dispara: “Umas mil vezes”.

Na Marcopolo, há cinco herdeiros na faixa dos 30 a 40 anos. Deles, apenas um trabalhou na empresa mas, assim mesmo, já se desligou. A fabricante de carrocerias de ônibus também não teve outra escolha: mandou todo mundo para a sala de aula aprender sobre as boas práticas de governança.

“Eles se reúnem uma vez por mês e discutem temas como o conselho de administração, o papel de cada comitê, a relação com os investidores”, conta Carlos Zignani, o diretor corporativo e de RI. Se fosse resumir seus ensinamentos numa única frase, diria que governança numa empresa com herdeiros de três famílias – como neste caso – é criar um sistema que evite o conflito entre esses membros, fazendo-os respeitarem-se como indivíduos e sempre manterem o foco nos interesses corporativos. “É fundamental que eles enxerguem que, seja participando da gestão, ou apenas recebendo dividendos, podem ficar tranqüilos de que a companhia continuará gerando valor”, completa Zignani.

Receita para as fechadas

Conforme detectada na pesquisa do IBGC, essa postura não é uma exclusividade das companhi- as familiares e de capital aberto, que devem as práticas de governança não apenas aos investidores mas, também, aos herdeiros. Empresas familiares fechadas usam os princípios de governança corporativa para harmonizar os interesses entre seus gestores. O caso do grupo José Alves – dono da Refrescos Bandeirantes, entre outros empreendimentos em Goiânia –, é um clássico de aplicação dessas práticas. Lá, quanto mais cedo começar essa conscientização, melhor.

Os conceitos de governança são úteis para que as diversas famílias envolvidas entendam seus deveres e direitos na esfera corporativa

Herdeiros que completam 20 anos de idade e já estão na universidade podem participar, por exemplo, de um curso de formação de futuros conselheiros de administração. Desde o ano passado, 15 jovens, primos entre si, foram convidados a passar por um treinamento que exige 75% de presença nas aulas e uma tese de conclusão ao final do curso. Um dos módulos ensinados, obviamente, é a governança corporativa. Quem receber o diploma estará apto a fazer parte do Conselho de Administração Júnior, um órgão permanente na empresa que se reúne uma vez por mês e acompanha o desempenho da gestão. Eles chegam a enviar sugestões para o conselho sênior, com quem sentam lado a lado todo o final de ano para fazer um balanço das estratégias executadas e discutir perspectivas futuras.

A implantação dessas boas práticas teve início há nove anos, depois que os herdeiros de João Alves se viram perdidos numa situação financeira delicada, com um pedido de concordata. “Não queríamos que os problemas que estávamos enfrentando passassem para as gerações futuras”, afirma Maisa Tucci Alves, presidente do conselho de família do grupo. “Precisávamos encontrar uma voz comum e priorizar o crescimento da empresa mantendo os valores da família.”

Hoje, apesar de ter o capital fechado, o grupo possui membros independentes no conselho de administração, mantém um comitê de auditoria e é acompanhado de perto por consultores especializados em áreas de finanças e gestão familiar. No entanto, diferentemente do que rezam as boas práticas, na Refrescos Bandeirantes o presidente do conselho é o próprio CEO, João Aves Filho. Maisa lembra que, antes da adoção dos princípios de governança, os interesses dos membros da família eram bastante divergentes. Mas eles deram a volta por cima. Prova de que, quando a cartilha da governança corporativa está na ponta da língua, fica mais fácil descobrir para que lado andar.


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