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O perigo dos atalhos
Cabe ao mercado acreditar mais na sua capacidade de prover soluções do que na força da lei

O assunto mercado de capitais, mais do que envolver paixões, envolve interesses. Por isso, nas discussões sobre a regulação, não chega a surpreender a hesitação de alguns membros do chamado “mercado” aos seus postulados, que parecem distanciar-se de certas crenças básicas como a da eficiência do mercado e sua capacidade de, com liberdade, encontrar soluções.

Nesse sentido, ocasionalmente, ressuscitam-se, entre outras, as velhas discussões sobre a necessidade de se mudar a lei para extinguir as ações preferenciais, mesmo as já emitidas, ou de transformar em lei impositiva as chamadas regras de governança corporativa, como, por exemplo, aquelas aplicáveis ao Novo Mercado da Bovespa, ou intervenções de outros tipos na liberdade de organização das companhias ou nos direitos conferidos às ações. Estas sugestões denotam não só uma eventual tibieza com relação à capacidade do mercado de saber escolher os títulos e as companhias em que deve investir, como alguma incredulidade ao que chamaríamos de poder modificador do mercado.

Todavia, tomar atalhos, como se sabe, em economia e no mercado, é sempre uma iniciativa perigosa. Embora tentadora, a mudança de uma lei sem a prévia transfomação da sociedade raramente representa a mudança de uma cultura. O Brasil, aliás, possui diversos exemplos de tentativas frustradas neste sentido.

Naturalmente, não se pretende negar o eventual caráter pedagógico de certos dispositivos legais no sentido de pautar condutas ou impor responsabilidades. Mas o fato é que a mudança de cultura, quando ocorre, tem efeito superior ao da mudança da lei. E esta última, por sua vez, se impedir a prática de uma nova cultura, pode acabar provocando a sua própria alteração. O essencial é que a lei não impeça que essa nova cultura progrida e frutifique.

É, portanto, fundamental, que o mercado não abandone suas crenças e dedique-se, com atenção e vigor, às soluções de mercado, fruto da livre negociação, do encontro de vontades, da oferta e da demanda, e não de imposições legais. Estas soluções, além de muito mais legítimas, tendem a ser mais eficientes porque são resultado do convencimento, da negociação ou da necessidade, além de ter a flexibilidade para se adequar às especificidades das situações. Da mesma forma, tanto os órgãos reguladores, como o Poder Judiciário, têm maior facilidade e mesmo autoridade para exigir o cumprimento de ajustes voluntários do que daqueles impostos por lei.

Evidentemente também não se pode esquecer que o mercado não é formado, unilateralmente, pela visão exclusiva do investidor. É muito mais complexo do que isso e precisa, para existir, entre outros, de companhias, empresários, administradores, intermediários, cujos interesses deve-se tentar conciliar.

A Lei das S.A. foi elaborada com base nestes pressupostos. É conhecida a passagem dos autores do anteprojeto da lei no sentido de que seria uma lei de opções, que não pretendia limitar as formas de organizações, mas dar liberdade e colocar amplos instrumentos à disposição dos agentes envolvidos de sorte a permitir a livre formação do negócio. Caberia ao empresário e aos investidores ajustarem as estruturas ao que entendessem mais convenientes.

Honestamente não vejo equívoco nestas premissas. Veja-se, a propósito, que esta é a realidade do mercado de capitais norte-americano, que todos invejam, miram-se e sonham ter. Lá a intervenção legislativa do ponto de vista de forma e conteúdo é mínima. É outorgado aos estados a liberdade para legislar a respeito, enquanto a legislação federal é calcada em proteger essencialmente a fraude e a informação. Aliás, o equívoco que ocorreu na formação do mercado de capitais brasileiro não foi resultado dos pressupostos da lei, mas fruto de alguns atalhos que se procurou adotar, tais como a criação de investidores compulsórios e de tratamento fiscal favorecido.

É preciso, pois, que seja fortalecida a crença na capacidade modificadora do mercado e na sua habilidade para solucionar os problemas que não encontram barreiras na lei. A Lei da S.A., segundo penso, não tem nenhum óbice significativo que impeça ou mesmo limite que as companhias adotem os modelos organizacionais sugeridos pelo mercado. Não impõe a estrutura hoje desejada pelos investidores mas, substancialmente, permite que tudo seja contratado no estatuto social.

Como já se disse, o desenvolvimento de uma companhia aberta foi quase sempre decorrente da iniciativa de um empreendedor. Isoladamente ou com alguns sócios, ele reuniu os fatores de produção e, quando sua capacidade financeira tornou-se insuficiente para expandir a empresa, tomou dinheiro no mercado mediante sucessivas distribuições de ações até que deixasse de deter o controle concentrado, porque entendeu que seria conveniente dentro das circunstâncias. É coisa que não acontece da noite para o dia e, muito menos, a fórceps. É algo que nasce do estímulo, da avaliação cuidadosa das vantagens e desvantagens, da oportunidade, do amadurecimento e do convencimento.

Obviamente o melhor incentivo que se pode dar para que as companhias adotem essas soluções de mercado são os exemplos bem sucedidos, já que o estímulo financeiro é aquele que mais agudamente toca o empresário capitalista e a economia de mercado. E já há bons exemplos. As companhias que recentemente foram ao mercado de capitais, adotando a estrutura que os investidores têm entendido adequada, obtiveram preços visivelmente maiores do que os de companhias que não adotam estrutura equivalente. Isto certamente indica um novo e promissor caminho, resultado do trabalho do livre mercado, da autoregulação, e não da mudança de lei.

Louve-se, a este propósito, o incansável trabalho da Bovespa no desenvolvimento da auto-regulação e na adoção de estruturas, sempre facultativas, que indiquem a organização das companhias, como os níveis I e II e o Novo Mercado.

Naturalmente, pode também o mercado se dispor a adquirir ações de companhias com outras estruturas, o que deverá ter algum reflexo no preço, notadamente um preço menor do que seria pago caso se adotasse o modelo considerado adequado pelo mercado. Sempre haverá alguém disposto a correr certos riscos se o preço for tido como atrativo e o resultado compensador e compatível com o risco assumido.

Há, também, diversas companhias já existentes que livremente alteraram sua estrutura. Isso também não pode ser desprezado como demonstração da força do mercado. O exame das companhias negociadas em bolsa mostra que um número considerável delas alteraram recentemente seu estatuto social para adotar estruturas que atendam as exigências do mercado para aumentar a sua atratividade.

O desafio, sem dúvida maior, se apresenta para as companhias que contam com uma estrutura diferente daquela que o mercado mais gostaria. Boas companhias, bem administradas, mas com esta peculiaridade. Nestes casos, cabe ao mercado não hesitar e trabalhar para adotar soluções negociadas que garantam êxito, dado que a Lei das S.A., como se disse, não tem nenhum óbice à adoção destas estruturas. É natural que essas soluções possam exigir o pagamento de algum preço, pois que muitas vezes os adquirentes destas ações pagaram por elas preços que consideravam o desconto inerente à estrutura existente na época.

Destaque-se ainda que, se lei for impositiva, o mercado perderá a importante referência indicativa das companhias que pretendem adotar voluntariamente as estruturas consideradas acertadas por ele. Este é um elemento inegavelmente relevante na decisão de investimento e na formação do preço das ações.

Enfim, é a crença na capacidade de negociar e de encontrar soluções que servirá para o desenvolvimento do mercado de capitais. Senão para o estoque, ao menos para o fluxo. O mercado precisa acreditar, neste particular, mais na sua força do que na da lei. E não se deixar influenciar por atalhos.


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