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Segurança jurídica no mercado de capitais
Sentimentos conflituosos ganharam a mídia após o STJ ter se pronunciado de maneira divergente sobre matéria pacificada na esfera administrativa e relacionada ao tag along
Empresa em crise: os quatro desafios

Nosso mercado de capitais convive com sentimentos paradoxais. Por um lado, é tido como clichê a máxima de ex-ministro da Fazenda de que, neste país, até o passado seria incerto, tamanha a imprevisibilidade regulatória e a atuação revisionista por todas as esferas do poder público. Por outro, querem se convencer de que decisões de uma instância administrativa, a Comissão de Valores Mobiliários, seriam “vacas sagradas” e deveriam ser endereçadas como tais até pelos órgãos do poder público com a atribuição jurisdicional.

Esses sentimentos conflituosos ganharam novamente a mídia após o Superior Tribunal de Justiça ter se pronunciado de maneira divergente sobre matéria pacificada na esfera administrativa e relacionada ao direito de venda conjunta ou tag along. Esse direito trata da previsão contida no Artigo 254-A, da Lei das S.A., de que a alienação do controle de companhia aberta esteja condicionada à realização de oferta pública de aquisição das ações com direito a voto dos acionistas minoritários da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago pela ação com direito a voto do controlador.

De acordo com o entendimento consolidado na esfera administrativa, nas situações em que o controle é exercido por um grupo – isto é, acionistas titulares, em conjunto, de mais da metade das ações com direito a voto e vinculados por acordo de voto – não haveria o direito de venda conjunta em caso de alienações que não abarquem mais da metade das ações integrantes desse bloco. Em um exemplo numérico, se a empresa tem 100 ações com direito a voto e o bloco de controle é titular de 51 delas, um terceiro poderia adquirir até 25 dessas ações desse bloco sem disparar o gatilho de venda conjunta.

Esse critério, em que pese o benefício da simplicidade, sempre foi objeto de insatisfação. Afinal, alterações não majoritárias no bloco de controle podem vir acompanhadas de mudanças substanciais na governança da sociedade. O novo bloco, mesmo com integrantes remanescentes do antigo, podem estabelecer uma redistribuição da governança, incluindo o direito de indicar postos chaves na administração, e redirecionamentos na própria estratégia empresarial. Parece evidente que o remédio não cumpria a sua função diante dessas transações em que havia, por um lado, pagamento de prêmio de controle e, por outro, alterações substanciais na governança, em que pese não envolver a maioria das ações do bloco.

Segundo se noticia – uma vez que a decisão ainda não foi publicada no momento em que se escreve esta coluna – o judiciário teria se afastado desse critério puramente quantitativo ao analisar um caso em que, pelos precedentes administrativos, não haveria o direito ao tag along, justamente porque a aquisição não abarcou a maioria das ações do bloco. No caso, teria sido reconhecido que o remédio seria aplicável diante alteração substancial do bloco de controle – que envolveria o direito de o novo acionista alterar postos chave da administração – e a estrutura de pagamentos relacionada ao ingresso do novo acionista no bloco de controle. A se confirmar, não há dúvidas de que o entendimento jurisprudencial vai impor um tratamento muito mais correto e qualitativo à aplicação do direito de venda conjunta.

Entretanto, não se busca aqui analisar uma decisão que sequer se tornou pública. Mesmo assim, faz-se necessário reconhecer como saudável para o mercado que o poder judiciário passe a analisar com mais frequências alguns entendimentos consolidados na esfera administrativa. Até porque muitas dessas “vacas sagradas” são criadas sem o devido contraditório, mas, por idiossincrasias do próprio órgão regulador, acabam se consolidando a ponto de sua manutenção ser elemento que, para o sentimento de alguns, asseguraria a segurança jurídica do mercado.

Noves fora a revisão das decisões administrativas pela esfera judicial não poder ser caracterizada como um elemento de insegurança jurídica, a impressão que fica é que a fila de espera de precedentes administrativos carentes dessa revisão judicial não seja pequena. Desde matéria “pacificadas” como o entendimento sobre benefício particular ou os efeitos do empréstimo de ações sobre o direito de recesso, até outras em que o próprio regulador demonstra reiterada dificuldade em apontar um posicionamento definitivo, como em matéria de impedimento de voto. Sem prejuízo, o aspecto mais curioso da atual discussão é a revelação de que só no mercado de capitais busca-se atribuir a precedentes administrativos uma força que nem as decisões judiciais possuem até chegar nas cortes superiores.


Raphael Manhães Martins, advogado


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