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Ativismo de bastidor
Fundos nos EUA se escondem atrás de swaps para ampliar suas posições acionárias sem chamar atenção das empresas. E no Brasil, há espaço para acontecer o mesmo?

, Ativismo de bastidor, Capital AbertoNo início de junho, o norte-americano Lewis A. Kaplan iniciou uma discussão que até agora está em aberto. Ele conseguiu, sozinho, colocar em xeque a atuação de fundos e bancos que operam via swaps, além de cutucar a Securities and Exchange Commission (SEC). Juiz federal desde 1994, Kaplan julgou ação movida pela ferrovia CSX contra dois fundos hedge, o TCI e o 3G Capital Partners. A companhia acusa os réus de terem usado o que considera um golpe baixo para atuar em sua assembléia geral. Com o objetivo de indicar conselheiros para a empresa, os fundos se uniram para montar posições a partir de derivativos, chegando a controlar 21% da companhia.

O problema, apontou Kaplan no acórdão, foi a não-divulgação ao mercado tanto das posições assumidas quanto do pas-de-deux encenado pelos fundos hedge. “Algumas pessoas caminham, deliberadamente, perto da linha divisória entre o legal e o ilegal”, escreveu o juiz na sua decisão. Separados e sem contar os derivativos (na forma de swaps com bancos), TCI e 3G tinham posições inferiores ao gatilho de divulgação nos Estados Unidos, acionado a partir da posse de ações que representem 5% da companhia. Juntos, os dois atores possuíam diretamente 8,7% da CSX. Os outros 12,3% conquistados via os swaps foram fundamentais para que TCI e 3G conquistassem 4 dos 12 assentos do conselho da ferrovia, numa assembléia realizada dia 25 de junho.

O magistrado não proibiu os fundos de exercerem o poder de influenciar decisões da companhia. Para Kaplan, cabe à SEC analisar a violação apontada no acórdão, um documento com cerca de 200 páginas que ajuda a entender e a responder a pergunta: como um investidor pode ganhar assentos no conselho de uma companhia sem ter participação que lhe confira esse direito?

Os derivativos podem trazer no esteio os poderes políticos dos papéis envolvidos, como ficou nítido no resultado da assembléia da CSX. Mas nem tão clara é a forma como isso acontece. A peculiaridade desses contratos é a camuflagem que eles proporcionam aos beneficiários finais. Os swaps em questão tinham, numa ponta, o fundo de investimento e, na outra, o banco. Entre eles havia um contrato em que o banco garantia ao investidor o retorno econômico — dividendos e valorização — das ações da ferrovia. Como forma de dirimir o risco da operação, o banco adquiriu os papéis que referenciavam o acordo, tornando-se, portanto, acionista de direito da empresa.

A novidade na decisão de Kaplan foi considerar que, apesar de o voto ser proferido pelo banco, seu resultado poderia ser em benefício do fundo de investimento. O entendimento aproxima esses investidores da figura do beneficial owner, prevista na regulamentação norte-americana: aquele que, na prática, detém o poder de votar ou de alienar os papéis. Segundo o magistrado, os bancos tinham motivações econômicas — em outras palavras, o interesse de manter o cliente — para votar alinhados com o fundo, o que acabou por acontecer.

“Ainda é cedo para ter opinião sobre o mérito do acórdão, que foi submetido a recurso de apelação. Mas, apesar de a decisão não ser tecnicamente vinculante, ela possui juridicamente efeito persuasivo e pode ser levada em consideração por outros tribunais norte-americanos”, diz Joel Klaperman, sócio do departamento de mercado de capitais do escritório nova-iorquino Shearman & Sterling LLP. A companhia alemã de pneus Continental agradeceria se o raciocínio de Kaplan contagiasse não só os tribunais nos Estados Unidos, mas também na Europa. Em julho, ela sofreu assédio da fabricante de autopeças Schaeffler, empresa de capital fechado que carrega o nome da família proprietária. Com o objetivo de tomar o controle da Continental, a Schaeffler montou posições via swap que lhe garantiam controle de 28% do capital da companhia, embora fosse proprietária de apenas 2,97% das ações. Na Alemanha, o gatilho de divulgação é de 3%, o que manteve as posições da Schaeffler no anonimato até a oferta pública de aquisição, de € 69,37 por papel, feita por ela em meados de julho.

A reação da Continental instalou na Europa uma discussão parecida com a dos Estados Unidos. Além de recusar a proposta, a direção da companhia pediu providências à BaFin, autoridade financeira do mercado alemão, que afirmou estar estudando o caso. Manfred Wennemer, presidente do conselho de administração da fabricante de pneus, tem o seu veredicto. Para ele, ao montar posições via swap e não divulgá-las ao mercado, a Schaeffler atuou de forma ilegal.

A novidade na decisão de Kaplan foi considerar que, apesar de o voto ser do banco, seu resultado pode contar em benefício do investidor

A conclusão estaria bem embasada se a operação tivesse ocorrido após a entrada em vigor das mudanças sugeridas pela BaFin. O plano é implantar o Risk Limitation Act, nome da nova norma, até o fim do ano, para mudar as regras de divulgação de posições acionárias constituídas em conjunto. Players que agirem como a Schaeffler e os bancos terão de divulgar suas intenções e acordos ao mercado com antecedência. Antes, eram obrigados a divulgá-las somente durante as assembléias em que atuassem de forma coordenada. A nova regra também estipula que os derivativos entrem no cálculo dos limites de posições para divulgação.

Segundo os advogados, as novas regras são resultado da discussão sobre o impacto causado por fundos hedge internacionais e investidores de private equity no mercado alemão. Busca-se evitar que posições assumidas na surdina levem a perspectivas de controle inesperadas. Mas a regulamentação pode demorar a ser efetivamente aplicada. De acordo com o comunicado do escritório Gibson, Dunn & Crutcher aos seus clientes, após a aprovação da regra, haverá um período de adaptação do Judiciário alemão aos novos procedimentos, o que pode criar um ambiente de incerteza legal sobre o assunto.

BRECHA PARA MANIPULAÇÃO — No Brasil, não há dados disponíveis sobre o volume atual desse tipo de operação de swap. Ela é oferecida pelos bancos como um produto para investidores estrangeiros visando a facilitar suas aplicações no País. Funciona da mesma forma que nos Estados Unidos e seu sistema é conhecido como Total Shareholder Return. O banco faz as aplicações no Brasil conforme a orientação do cliente estrangeiro e devolve apenas o retorno obtido, menos a taxa do serviço. Devido ao desenho da operação, muitas vezes o banco nem chega a comprar efetivamente a ação (o chamado hedge). Mas, se a intenção for de reduzir riscos, essa aquisição pode ocorrer.

Não existe histórico de influência exercida a partir desses contratos na gestão de companhias brasileiras. E a regulamentação tem algumas travas para evitar isso. A posição conquistada por acionista ou grupo que corresponda a 5% de espécie ou classe de ações deve ser divulgada ao mercado, conforme o artigo 12 da Instrução CVM 358. No caso de atingir esse percentual, portanto, o banco teria de divulgar a posição assumida.

Já os investidores que estiverem do outro lado do swap, assim como nos Estados Unidos, estarão dispensados dessa obrigação. “A operação de swap está fora do cálculo para divulgação, porque o investidor não tem assunção sobre o papel”, explica Elizabeth Machado, superintendente de relações com empresas da CVM. A dúvida é se investidores não podem se unir nos bastidores do swap, a exemplo do que fizeram TCI e 3G, e ganhar posições que lhes dêem certos direitos, como a eleição de conselheiros.

Nesse caso, o banco teria de aceitar votar conforme a orientação dos investidores, da mesma forma que ocorreu nos EUA. Contra isso, a Instrução 358 também tem uma barreira, mas que não parece intransponível: aquele que atingir 5% deve indicar “qualquer acordo ou contrato regulando o exercício do direito de voto”, conforme o artigo 12. Mas e se os bancos aceitarem fazer o que mandam os investidores, como diz Kaplan, com o intuito de agradar os seus clientes, sem qualquer contrato formal sobre o exercício de voto?

ALUGUEL TRANSPARENTE — O swap deixa dúvidas sobre as brechas para manipular às escuras, mas outros instrumentos não. Todos os advogados ouvidos pela reportagem concordam que o empréstimo — conhecido como aluguel de ações — é computado no cálculo da participação acionária que exige divulgação.

A explicação se baseia na leitura da Instrução 358 auxiliada pelo item 5.8 do ofício-circular 001 de 2008. Os advogados entendem, assim como a CVM, que nessas operações a titularidade do papel passa ao inquilino. No empréstimo, a ponta que aluga a ação, na verdade, está comprando o papel com o compromisso de devolvê-lo no vencimento do contrato. Nesse período, ele detém todos os direitos. Se quiser, pode votar numa assembléia ou, se preferir, pode vender a ação alugada a outra pessoa.

Nada impede, portanto, que o inquilino se utilize dos direitos políticos do papel alugado para influenciar no resultado de uma assembléia. Mas como a quantidade de companhias com controle difuso é reduzida no Brasil, uma posição capaz de influenciar os rumos de uma empresa dificilmente será menor que 5%. Ou seja, seus detentores e suas intenções serão conhecidos. Assim, é pouco provável que empréstimos de ações sejam encarados como vilões, como poderiam ser os swaps.

Divulgação de opções é controversa


As regras sobre a divulgação de participação acionária são vistas de formas diferentes por advogados e pelo regulador. Para Elizabeth Machado, superintendente de relações com empresas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as opções de ações não entram no cálculo para fins de divulgação antes de serem exercidas. “A aquisição de uma opção de compra não significa que o investidor passou a deter participação no capital da companhia. Ele poderá ou não a vir a ter, se e quando exercer a opção”, explica Elizabeth. Na opção de compra, por exemplo, uma das partes tem o direito de adquirir, no fim do contrato, o papel referenciado pelo preço combinado com a outra ponta do acordo. Caso escolha comprar, diz-se que a opção foi exercida. Se o investidor exercer a opção e os novos papéis lhe derem posição superior a 5%, aí sim ele deverá divulgar ao mercado seu status e suas intenções.

Uma advogada de um escritório especializado em direito societário tem opinião diferente sobre o assunto. E usa a própria Instrução 358 para basear seu entendimento. O parágrafo 2º da regra diz que “as obrigações previstas no caput e no § 1o se estendem também à aquisição de quaisquer direitos sobre as ações e demais valores mobiliários ali mencionados”. Para a advogada, uma opção é um direito sobre o papel e sua propriedade entra no cálculo dos 5%.

O mesmo ponto da instrução é destacado por um profissional de outro escritório ouvido pela CAPITAL ABERTO. Apesar da certeza sobre computar opções como parte da posição, ele admite as dúvidas que o termo “direito pode provocar. Elizabeth avisa que a autarquia não pensa em emitir um esclarecimento sobre o tema. Na opinião da executiva, a regra é suficientemente clara. (M.L.)


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