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Os descaminhos na aprovação do balanço
Falta de clareza quanto às atribuições torna confusa a governança das empresas em época de aprovação dos balanços
balanço, Os descaminhos na aprovação do balanço, Capital Aberto

Uma curiosa efeméride repete-se, com alguma frequência, no processo de aprovação das demonstrações financeiras de companhias abertas: como em uma relojoaria, todos os ritos de governança são sincronizados para acontecerem no mesmo dia e quiçá no mesmo instante. Para um observador externo, não há como saber o que veio primeiro, isto é, se a aprovação pelo Conselho de Administração, a opinião do Comitê de Auditoria, ou a emissão dos pareceres do Conselho Fiscal ou da Auditoria Externa. Como se por um comando fiat lux, todos esses atos viessem ao mundo de rompante.

Ocorre que aquilo que aparenta ser o resultado de um grande esforço de coordenação encobre uma profunda incompreensão quanto aos papeis e atribuições dos envolvidos no rito. Explicando, por acreditarem que estariam se resguardando, os conselhos de administração defendem a prerrogativa de se manifestar sobre o tema depois dos demais envolvidos. O conselho fiscal alega que não teria como se manifestar até que o projeto das demonstrações financeiras seja formalmente aprovado, uma vez que não se sabe qual a versão definitiva que será apresentada aos acionistas. Finalmente, a auditoria sustenta, em entendimento arduamente defendido pela própria guilda, que ela deve se manifestar apenas quando todos os ritos de governança internos da Companhia tiverem sido exauridos. Para evitar a barafunda, cria-se um fictício rito sincronizado que permitiria a qualquer um deles sustentar que teve a palavra final.

Três aspectos são importantes para trazer racionalidade à discussão. O primeiro diz respeito ao processo de produção das demonstrações financeiras, que se desenvolve em três fases distintas: minuta, projeto e demonstrações financeiras propriamente.

Não há dúvidas de que compete à diretoria elaborar esses demonstrativos. Ocorre que o material por ela produzido nada mais é do que meras minutas, documentos cujo conteúdo é provisório e sem capacidade de produzir efeitos. A transição para a fase seguinte ocorre quando o conselho de administração, na dicção legal, se “manifesta” sobre o conteúdo derradeiro daquela minuta. Talvez o termo não tenha sido o mais apropriado, uma vez que não se trata nem de apenas homologar, nem de emitir uma opinião. Como órgão da administração da companhia, compete-lhe determinar as correções, exclusões e adições que julgar necessárias, em um processo de revisão completa da informação recebida. Dessa forma, pela deliberação desse órgão, surge o projeto das demonstrações financeiras que será submetido aos acionistas.

Entretanto, até a aprovação desse projeto pela Assembleia Geral, o que existe é apenas uma proposta. Somente pela deliberação assemblear favorável é que se pode falar em demonstrações financeiras propriamente, isto é, um documento que, formalmente aprovado, cumpre a função de retratar, perante terceiros, a situação financeira da companhia na respectiva data-base.

Desse rito surge o segundo aspecto importante, qual seja, a compreensão de que a legislação, nesta matéria, atribuiu aos diversos envolvidos esferas específicas de competência e responsabilidade, sendo elas indelegáveis. Sob o aspecto dinâmico, há um caminhar que se inicia pela produção de minutas pela diretoria e segue pela análise dessas pelo conselho de administração, órgão responsável por emitir o entendimento da administração sobre a matéria. Com o surgimento do projeto/proposta, competem ao conselho fiscal e à auditoria externa emitirem opinião sobre as suas respectivas esferas de competência. Essa fase culmina com a análise e deliberação da matéria pela assembleia geral.

O relevante é que a inobservância do rito, confundindo a ordem, não promove o efeito eventualmente desejado de redistribuir as competências e responsabilidades previstas em lei, muito pelo contrário. Esses “descaminhos” apenas evidenciam que os respectivos órgãos não teriam cumprido suas respectivas obrigações legais, ao menos não de maneira integral.

Finalmente, um último aspecto diz respeito ao dever fiduciário em relação ao rito. Considerando a existência de prazos legais para divulgação de informações aos acionistas, cumpre aos órgãos de governança diligenciar para que eventuais pontos de atenção sejam irradiados pela cadeia de aprovação das demonstrações financeiras de maneira tempestiva e oportuna. Em outras palavras, não é por estar ao final da cadeia de deliberações que determinado órgão deveria se furtar de antecipar aos demais envolvidos eventuais questões que sejam relevantes, notadamente a discordância quanto a quaisquer aspectos materiais.

Para tanto, compete à governança assegurar que o processo de análise seja iniciado em tempo hábil a permitir questionamentos tempestivos. Da mesma forma, deve-se atuar para que as questões relevantes sejam previamente discutidas e analisadas pelos órgãos competentes para o seu endereçamento ou esclarecimento.

Tome-se o exemplo do conselho fiscal na análise desses três aspectos. Sua função legal é “examinar” e “opinar” sobre as demonstrações financeiras. Entretanto, na medida em que essa opinião está sendo emitida tendo os acionistas como destinatários, resta evidente que não se trata de opinar sobre minutas, sob pena de transformá-lo em órgão de assessoramento ao conselho de administração.

É apenas aquilo que está sendo efetivamente proposta à assembleia geral que deve ser objeto do parecer do órgão, motivo pelo qual a atuação do conselho fiscal não deveria anteceder o ato de aprovação do conselho de administração.

Por outro lado, embora sua manifestação ocorra após a aprovação do projeto de demonstrações financeiras, não é adequado nem que ele aguarde esse momento para iniciar seus trabalhos, nem que espere até a conclusão da análise do conselho de administração para apresentar eventuais questionamentos. Não é por outra razão que a legislação faculta aos seus membros participar das reuniões do conselho de administração em que se discute a matéria.

Parece que há neste assunto menos uma leviandade e mais uma falta de maturidade sobre ritos e esferas de competência. Entretanto, a única certeza é que não é embaralhando a ordem dos fatores ou criando uma espécie de relógio inglês do rito de aprovação do projeto das demonstrações financeiras que se aprimorará a governança das companhias abertas nem se promoverá uma redistribuição das esferas de responsabilidade legalmente estabelecidas.

*Raphael Martins, advogado

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