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Vendem-se peças
Populares nos Estados Unidos, as operações conhecidas como “carve-out” começam a cair no gosto das companhias brasileiras

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Se você não sabe o que é uma operação de carve-out, pense na cena de um adolescente saindo da casa dos pais para ganhar autonomia e terá uma primeira ideia do que ela significa. O termo em inglês é utilizado para denominar operações em que uma “companhia-mãe” vende, através de uma oferta pública de ações, a fatia minoritária de uma subsidiária constituída a partir da segregação de uma divisão de negócios. A ideia é revelar o potencial dessa unidade que, misturada aos ativos da companhia-mãe, poderia não ser devidamente precificada pelo mercado. E, claro, captar recursos para o seu desenvolvimento. Segundo dados da consultoria norte-americana Dealogic, os Estados Unidos contabilizaram 37 carve-outs desde 2005. Já o Brasil registrou três: a LLX, controlada pelo grupo EBX; a Log-In Logística, controlada pela Vale; e a Multiplus, controlada pela TAM —, mas a moda parece que vai pegar. A esse grupo devem se juntar outras companhias em breve.

Uma delas é a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Há tempos, a empresa tenta levar adiante o IPO de sua mina Casa de Pedra, localizada no município de Congonhas, em Minas Gerais. O conselho de administração da siderúrgica aprovou, no ano passado, a segregação desse ativo, abrindo caminho para a abertura de capital da Casa de Pedra. Estava tudo planejado para o IPO ocorrer até julho deste ano, mas a crise financeira internacional na Europa adiou os planos. A também produtora de aço Usiminas é a outra candidata a um carve-out. É provável que, futuramente, venda ações de sua nova companhia, a Mineração Usiminas, criada a partir da separação de ativos de mineração e logística do grupo. Seu valor é estimado em US$ 6,42 bilhões pela empresa. “O preço atribuído hoje à Usiminas não reflete o negócio de mineração e logística na sua totalidade”, afirmou o presidente da companhia, Wilson Brumer. Em 28 de setembro, a companhia valia cerca de R$ 24 bilhões.

, Vendem-se peças, Capital Aberto“Todo setor com a característica de ser escalável tem potencial para carve-out”, diz Paulo Sérgio Dortas, sócio-líder da área de IPO da Ernst & Young. Segundo ele, há duas operações desse tipo em andamento dentro da consultoria, e mais duas em fase de contratação. O executivo não revela os nomes das companhias, mas dá pistas de que as oportunidades estão não só em empresas do segmento de mineração, mas também nas de varejo e de produção de energia, que costumam ter operações verticalizadas. Neste último grupo, um carve-out em potencial é o da Rumo Logística, subsidiária da sucroalcooleira Cosan, que recebeu, em julho, um investimento de R$ 400 milhões dos fundos TPG Capital e Gávea Investimentos. O acordo entre as partes inclui uma cláusula pela qual a Rumo deve passar por um “evento de liquidez” — como, por exemplo, um IPO — em um período de três anos. “Esse tipo de operação ajuda a companhia a se focar no seu negócio principal e dá a chance de a outra operação receber os investimentos necessários”, esclarece Reinaldo Grasson, sócio de corporate finance da Deloitte.

Apesar das vantagens, há conflito de interesses nas operações de carve-out

Além de beneficiar a companhia-mãe, os carve-outs podem cair muito bem para aqueles investidores que estão de olho em uma determinada área de um grupo empresarial. “O investidor muitas vezes prefere pagar pelo específico”, acrescenta Allan Libman, responsável pela área de investment banking do Credit Suisse. Vale notar que a empresa em questão já nasce com receitas garantidas e contratadas com a companhia que a originou — um conforto que costuma agradar, e muito, os investidores. Prova disso foi o sucesso do IPO da Multiplus, empresa de fidelização de clientes controlada pela TAM. A oferta primária, ocorrida em fevereiro de 2010, arrecadou R$ 692 milhões. Em 28 de setembro, o valor de mercado da Multiplus era de R$ 4,34 bilhões.

“No prospecto, a Multiplus tinha um capital social simbólico de R$ 500,00”, recorda Brian Moretti, analista da Planner Corretora. A principal fonte de receita da companhia advém da emissão de pontos para os parceiros comerciais, que, por sua vez, os oferecem aos seus clientes para troca de prêmios. Cerca de 94% dos recursos obtidos pelo IPO foram utilizados pela Multiplus para aquisição antecipada de passagens-prêmio da TAM Linhas Aéreas. “Isso ajudou a reforçar o caixa da companhia aérea, que tem um índice de endividamento elevado.” Em 31 de dezembro de 2009, a TAM dispunha de R$ 2,1 bilhões em reservas de caixa, mas seus vencimentos de curto prazo atingiam R$ 1,81 bilhão (incluindo as debêntures de R$ 396 milhões e os empréstimos bancários de R$ 467 milhões).

Rosângela Ribeiro, analista da SLW, acredita que, futuramente, a Gol também faça um carve-out do seu programa de milhagem, o Smiles, atualmente o maior da América Latina. Com mais de 6,8 milhões de participantes e 160 parceiros, o programa passou por uma revitalização e consolidou, em 2009, parcerias com companhias como a American Airlines, que possui o maior número de voos dos Estados Unidos ao Brasil. Em 2009, o programa gerou um caixa de R$ 252 milhões para a Gol. “O investidor está cobrando cada vez mais resultados dos administradores e, nesse sentido, as operações de carve-out podem ser uma maneira criativa de gerar valor”, observa Daniela Anversa Sampaio Doria, sócia do Pinheiro Neto Advogados.

SEM ALMOÇO GRÁTIS — Mas, se, de um lado, as operações de carve-out oferecem vantagens, de outro, elas carregam um potencial de conflitos de interesses nada desprezível. Ter como principal cliente uma parte relacionada é sempre perigoso, como alertam os especialistas em governança corporativa.

O prospecto da Multiplus, na seção fatores de risco, dá esse alerta. Explica que os interesses de ambas podem ser divergentes, por exemplo, no caso de um aumento no valor das passagens-prêmios pela companhia aérea. De acordo com o contrato operacional firmado entre as partes, o preço de aquisição das passagens — a parte mais significativa da despesa operacional da Multiplus — deve ser revisto periodicamente para manter o equilíbrio econômico das operações entre a fidelizadora e a TAM. Mas não são especificadas regras objetivas para a definição do índice a ser utilizado.

Jean Arakawa, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho, lembra que, atualmente, as companhias precisam informar seus contratos com partes relacionadas no Formulário de Referência, criado pela Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O formulário pede que o emissor descreva as regras, políticas e práticas utilizadas nesse tipo de transação. Uma pesquisa feita pela CAPITAL ABERTO com as 100 companhias mais líquidas da Bolsa mostra, no entanto, que apenas duas empresas (Bradesco e BM&FBovespa) possuíam uma política formal e detalhada sobre o tema divulgada publicamente.

Segundo a Lei das S.As., operações entre controladas, controladoras e coligadas devem observar condições estritamente comutativas. “É importante que o administrador de cada companhia defenda o interesse de seus acionistas. Se há empréstimos entre elas, é essencial garantir, por exemplo, que a taxa de juros pactuada seja compatível com a praticada no mercado”, afirma Marcos Pinto, diretor da CVM. O objetivo é garantir que a companhia-mãe não seja prejudicada pela “filha”, ou vice-versa.

Uma análise de 200 grandes carve-outs realizados na Europa e nos Estados Unidos entre 1990 e 2002 mostra que apenas 10% das companhias que levaram adiante esse tipo de operação aumentaram o preço de suas ações em mais de 12% após o seu anúncio, segundo dados coletados por André Annema e Marc Goedhart, da McKinsey. Passados dois anos, no entanto, a maioria dos carve-outs destruiu valor para os acionistas, de acordo com os consultores. A exceção foram as companhias controladoras que deixaram as subsidiárias seguir, posteriormente, uma trajetória de total independência. O estudo explica que uma companhia-mãe que tenta exercer controle de sua subsidiária por muito tempo corre o risco de perder os benefícios do carve-out e precipitar um conflito.

Como exemplo, os autores citam o caso da Vastar Resources, uma empresa exploradora de petróleo norte-americana que é resultado de um carve-out realizado pela Arco em 1993. Em determinado ponto, a Vastar se viu brigando com a Arco pela licitação de projetos de exploração e produção de óleo. Para resolver o conflito, a Arco mudou seu foco para projetos internacionais, deixando as licitações no mercado norte-americano para a sua subsidiária. “Se as empresas atuarem no mesmo setor, há sempre o risco de se criar uma concorrente, que, mais para frente, canibalizará os produtos da companhia-mãe”, alerta Rogério Andrade, sócio da KPMG no Brasil.

Outro risco que deve ser analisado antes de se decidir pelo carve-out é a possibilidade de “roubo” de uma oportunidade de negócio que seria relevante para a companhia-mãe. Isso configuraria violação ao artigo 116 da Lei das S.As., que trata sobre o abuso do poder de controle. Os administradores devem ficar de olhos abertos. A aprovação de uma operação não comutativa entre as partes relacionadas pode ser punida por quebra do dever de lealdade (artigo 155).

Veja-se o caso da Mossi & Ghisolfi International, controladora da produtora de resinas PET para embalagens e fibras voltadas à indústria têxtil M&G Poliéster, que foi multada em R$ 45,77 milhões pela CVM por constituir empresa concorrente – no caso, a M&G Polímeros – sem o oferecimento da oportunidade comercial à sua controlada. Posteriormente, em 2007, a M&G Polímeros foi incorporada à Poliéster, de capital aberto, o que resultou no aumento do poder de voto do grupo controlador na empresa (de 88,5% para 97,1%) e na diluição dos acionistas minoritários (de 11,55% para 2,9%). O episódio configurou abuso do poder de controle.


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