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Uma pílula no caminho
Obstáculos para fusões e aquisições, poison pills frustram banqueiros, companhias e investidores. Enquanto isso, advogados encontram os meios de se livrar delas

, Uma pílula no caminho, Capital AbertoAdvogado dos mais requisitados em matéria de fusões e aquisições, o carioca Francisco Müssnich esteve nos bastidores da venda do Banco Pactual para o suíço UBS, da fusão da empresa de comércio eletrônico Submarino com a Lojas Americanas e, mais recentemente, das integrações das bolsas BM&F e Bovespa e de Itaú e Unibanco. Ultimamente, o sócio do Barbosa, Müssnich e Aragão tem se indisposto contra um mecanismo que, acredita, vai atrapalhar a consolidação de alguns setores. A pedra no caminho tem a forma de cláusulas que, presentes nos estatutos sociais de muitas companhias brasileiras, dificultam aquisições relevantes de participação acionária. Elas obrigam o comprador que desejar ultrapassar determinada participação no capital a realizar uma oferta pública a todos os acionistas. Além disso, em vários casos, estabelecem uma referência de preço para essa operação.

Conhecidos como “poison pills”, esses mecanismos têm tudo para continuar incitando calorosos debates este ano. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) prepara um parecer sobre a prática, que será divulgado em sua segunda carta-diretriz. O grupo responsável por revisar o regulamento do Novo Mercado da Bovespa também está atento a essa questão. E advogados estão quebrando a cabeça para evitar que as cláusulas fechem as portas para fusões e aquisições.

Ainda que discordassem das cláusulas, investidores esperavam que elas fossem cumpridas em troca de controle. Não foi o que ocorreu

Uma pesquisa de André Pamponet Moura, feita para seu trabalho de conclusão do curso de direito na Universidade de São Paulo (USP) e divulgada com exclusividade pela CAPITAL ABERTO, mostra como essas pílulas se tornaram uma coqueluche entre novatas da Bovespa. Dentre as 103 companhias listadas entre 2004 e julho de 2008, 65 embutiam a OPA compulsória. Os gatilhos variam de 10% — casos de Positivo Informática e São Martinho — a 35% — Embraer, Invest Tur e Log-In. O levantamento de Moura considerou ainda outras cláusulas que desestimulam a aquisição de parcelas relevantes do capital, como a que obriga a realização de leilão (veja quadro na página 40) e a que limita o direito a voto para aumento de participação a partir de certo percentual. As pílulas que mais têm causado controvérsias são, sem dúvida, as da OPA obrigatória. Isso porque algumas definem prêmios elevados a serem pagos pelo comprador. Há ágios de até 50%, como o da Natura

, Uma pílula no caminho, Capital AbertoAté algum tempo atrás, Francisco Müssnich era defensor desses dispositivos. Em artigo escrito para a seção Antítese, na edição de fevereiro da CAPITAL ABERTO, o advogado argumentou que as pílulas poderiam contribuir para o “avanço do capitalismo brasileiro” e proteger os interesses sociais da companhia, “notadamente nas hipóteses em que a aquisição hostil do controle se revelar contrária a tais interesses”. No entanto, com a crise derrubando indiscriminadamente as cotações nos últimos meses, o advogado percebeu que as cláusulas liberaram todo o seu veneno. “Mudei de opinião. Hoje acredito que a ‘proteção contra tubarão’ tira valor das companhias”, afirma, referindo-se ao termo em inglês “shark repellent”, usado para designar de forma genérica os mecanismos anti take-over. Justamente quando os preços ficaram atraentes a ponto de ensejar fusões, aquisições e investimentos de private equity, eis que os prêmios embutidos nas pílulas inviabilizaram os negócios.

“Há operações que não saíram por causa disso”, conta Carlos Motta, sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Motta começou a encarar o mecanismo de forma diferente. Às primeiras companhias que assessorou no processo de abertura de capital afirmava que as pílulas poderiam ajudar os controladores a preservar seu poder de mando mesmo que não tivessem mais de 50% das ações, uma vez que as pílulas tornam remota a chance de surgir um acionista com participação relevante. Muitos IPOs depois, Motta observou que as pílulas estavam atrapalhando a entrada de investidores estratégicos em companhias carentes de injeções de recursos. Por isso, parou de recomendar a adoção de prêmios nas pílulas.

As quatro empresas que abriram o capital em 2008 — Nutriplant, Hypermarcas, Le Lis Blanc e OGX — sinalizam essa mudança de cultura. Nenhuma delas trouxe qualquer vestígio de proteção à dispersão da base acionária em seus estatutos sociais. Pelo menos duas S.As retiraram suas pílulas no segundo semestre do ano passado. A pedido de um investidor, a Cremer inseriu na pauta de uma assembléia extraordinária a deliberação sobre a exclusão da poison pill, que foi aprovada. A Even também obteve o aval de seus acionistas para retirar o mecanismo. Segundo uma fonte próxima à incorporadora, a companhia buscava se capitalizar, mas a cláusula estava bloqueando o assédio de investidores. Por meio de sua assessoria de imprensa, a área de Relações com Investidores (RI) da Even informou que se desfez do dispositivo por considerá-lo desnecessário e por julgar que, “um dia”, ele poderia representar uma barreira.

Mas se livrar da pílula não é tão simples. Muitas companhias “blindaram” a cláusula ao estabelecerem que os acionistas que votarem a favor da exclusão deverão, eles próprios, efetuar a oferta pública de aquisição (veja quadro na próxima página). Trata-se do artifício que costuma ser chamado de “cláusula pétrea”. Érica Gorga, professora da escola Direito GV, nem se preocupa com tal previsão, pois acredita que ela pode ser constestada judicialmente. João Laudo de Camargo, sócio do Bocater, Camargo, Costa e Silva, concorda. Para esses advogados, a cláusula pétrea cerceia o direito a voto dos acionistas. “Cabe a eles decidir o que é melhor para a companhia, sem qualquer tipo de ônus”, ressalta Camargo.

Como bem lembra Gustavo Grebler, sócio do Grebler Advogados, a poison pill, em princípio, não é boa, nem ruim. Nos Estados Unidos, algumas companhias adotaram pílulas no calor da crise, defendendo-se de ofertas hostis propiciadas pelos preços baixos em bolsa. Evergreen Energy, Saks e Walter Industries estão entre elas. No Brasil, ao mesmo tempo em que restringem injeções de capital, as pílulas estão hoje, mais do que nunca, cumprindo sua função. Diante dos preços baixos da bolsa, elas afugentam investidores oportunistas. O problema ocorre quando há exagero na dosagem. “Sou totalmente contra a definição de preço para a OPA”, afirma Grebler. Quem não teve o cuidado de redigir a pílula com equilíbrio tem boas chances de estar se lamentando. Mesmo que se reforme o estatuto ou se invalidem cláusulas por meio de processos judiciais, todos esses trâmites geram custos e ruídos no mercado, além de consumir tempo. “Os banqueiros que incentivaram a adoção desses mecanismos estão tristes agora”, diz uma fonte. O Credit Suisse, banco que coordenou os IPOs de boa parte das companhias com as pílulas mais rígidas, não atendeu ao pedido de entrevista da CAPITAL ABERTO.

ANTÍDOTOS — Além do Machado, Meyer, escritórios como o Tozzini Freire e o Demarest e Almeida contabilizam operações abortadas pelas poison pills. Ana Carolina de Salles Freire, do Tozzini, conta que, em muitos casos, a pílula provou ser um “tiro no pé”. Mas ela não está de braços cruzados diante dessas barreiras. A análise cuidadosa de cada pílula permite vislumbrar soluções. “Estamos trabalhando num caso agora em que vemos algumas saídas”, diz.

, Uma pílula no caminho, Capital AbertoNo caso da Positivo Informática, por exemplo, que rejeitou recentemente uma proposta de compra de controle pela chinesa Lenovo, a R$ 18 por cada papel, existem algumas interpretações. O estatuto diz que o mecanismo não se aplica quando o gatilho é alcançado por meio da subscrição de ações em uma emissão primária. Ou seja, a companhia poderia fazer um aumento de capital e dirigir a oferta ao acionista desejado. Se os controladores fizessem questão da entrada desse investidor, era só abrir mão de seu direito de preferência no aumento de capital. O estatuto da Positivo também permite que a assembléia decida se o adquirente que descumprir a cláusula da poison pill deverá ser punido. Se os termos da poison pill fossem seguidos, a fabricante de computadores asiática teria de desembolsar, por cada ação da brasileira, no mínimo a cotação mais alta alcançada nos 24 meses anteriores à OPA. Quando foi anunciada a recusa da oferta da Lenovo, em 17 de dezembro, as ações da Positivo fecharam o pregão a R$ 8,14. Ao longo de 2007, porém, chegaram a ficar acima de R$ 40 por vários dias, jogando para cima o prêmio da pílula, provavelmente muito além dos R$ 18 oferecidos pela chinesa.

O curioso da história é que, segundo a Positivo, a pílula não valia nessa situação. “O objetivo da poison pill da Positivo, assim como as de muitas outras companhias, é preservar o controle. Portanto, se uma oferta tiver a anuência dos controladores, não há por que acionar a pílula”, afirma Ariel Leonardo Szwarc, vice-presidente de finanças e de Relações com Investidores (RI) da companhia paranaense. O executivo baseia seu entendimento no parágrafo 13º do estatuto. Esse trecho afirma que a cláusula não se aplica aos controladores, nem aos “sócios de referidos acionistas controladores que vierem a sucedê-los na participação direta na companhia por força de reorganizações societárias”. Alguns advogados ouvidos pela CAPITAL ABERTO, contudo, discordam dessa leitura. Isso só reforça a tese de que os textos das pílulas foram mal redigidos em vários estatutos, dando margem a interpretações ambíguas.

Ainda que algumas pílulas estejam mais enraizadas nos estatutos das companhias, os advogados, no geral, têm encontrado formas de se verem livres delas. “Se não for possível alterar o estatuto, caso de várias empresas, você precisa buscar alternativas”, diz Thiago Giantomassi, sócio do Demarest. Uma forma de anular o efeito da pílula são os pagamentos baseados em trocas de ações.

Embora, na essência, sejam equivalentes, uma incorporação e uma aquisição diferem juridicamente. As uniões de Datasul e Totvs e de Brascan e Company, assim como a compra do controle da Tenda pela Gafisa, comprovam que a criatividade do mercado encontrou maneiras de contornar as cláusulas. Mas nem todo mundo gostou disso. Para Pedro Rudge, sócio da gestora recursos Leblon Equities e crítico contumaz das poison pills, essa mesma criatividade acabou causando insegurança para o investidor. “Não sabemos mais quando a cláusula vale ou não”, queixa-se.

Do lado de Rudge está Isabella Saboya, sócia da gestora Investidor Prossional. “Quando apresentaram as poison pills, ninguém imaginava que elas pudessem ser transpassadas”. A conseqüência disso é a quebra de expectativa dos investidores. Ainda que discordassem das cláusulas, como Isabella, eles esperavam que as pílulas se ativassem em mudanças de controle. Não foi isso o que ocorreu nas recentes operações. Hoje, Isabella diz que “vai fazer o possível” para que as companhias nas quais investe regurgitem as pílulas. Pelo jeito, a briga está longe de ter um fim.


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