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Reta final
Brasil dá os últimos passos para adoção das normas internacionais, e estudo comprova que os novos princípios já aproximam os valores contábeis dos preços de mercado

, Reta final, Capital Aberto

As normas contábeis internacionais aumentam a qualidade das demonstrações financeiras? Essa é a pergunta que muitos fazem quando se veem envolvidos no árduo trabalho de conversão da contabilidade brasileira para o International Financial Reporting Standards (IFRS). Como numa espécie de compensação pelo esforço dos últimos anos, a resposta é sim. Uma análise de balanços de 2008, ano em que foi adotado o primeiro grupo de regras editadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), mostra que a relação entre o patrimônio líquido (PL) contábil e o valor de mercado das companhias cresceu quando levadas em conta as novas normas. Isso significa que, sob efeito dos pronunciamentos, o valor contábil das empresas listadas em bolsa de valores se aproximou do preço que os investidores atribuem a elas.

Eric Martins, doutorando em contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP) e autor da pesquisa, avaliou as 55 companhias que compõem o Ibovespa, índice que tem a liquidez como principal critério. Sua análise — uma regressão linear simples — se deteve nos números antes e depois dos 14 primeiros pronunciamentos do CPC. Sem as regras, o patrimônio líquido equivalia a 52% do valor de mercado do grupo avaliado. Após a primeira injeção de IFRS ao BR Gaap, pulou para 58%. Considerando-se o lucro líquido em relação ao valor de mercado, a proporção subiu ligeiramente após as novas regras — passou de 44% para 45%. “A adoção das normas oriundas da Lei 11.638/07 aumentou a relevância da informação contábil”, afirma Eric Martins.

A variação, embora aparentemente pequena, é relevante, na visão de Martins. Primeiro, porque a relação entre o valor contábil e o de mercado, em teoria, nunca deverá ser de 100%, uma vez que as cotações da bolsa refletem variáveis não incluídas no balanço. Nesse contexto, a variação observada pode ser considerada significativa. Em segundo lugar, porque apenas um grupo restrito de pronunciamentos do CPC, cerca de um terço do total, está contemplado. Dentre as regras cujo impacto foi mensurado estão: a redução ao valor recuperável dos ativos, cujo objetivo é garantir que um bem não seja registrado na contabilidade por um valor que não possa ser recuperado no futuro por meio do uso ou de sua venda; o CPC 06, que trata das operações de arrendamento mercantil (leasing); e o CPC 10, acerca dos pagamentos baseados em ações, ou planos de stock options, até então não contabilizados.

Nos balanços de 2010, o conjunto completo de pronunciamentos será adotado mandatoriamente — no total são 43 pronunciamentos, 12 interpretações e três orientações já emitidos. A conclusão dessa etapa também deixará o Brasil alinhado ao IFRS, permitindo que as empresas brasileiras, mesmo as listadas no exterior, elaborem um só balanço.

Dentre as regras por vir, constam pronunciamentos e interpretações que impactarão segmentos específicos, como o imobiliário e os de concessão de serviços públicos. “Acredito que a relação (dos valores contábeis com os de mercado) aumentará na análise dos balanços de 2010”, projeta Martins. “O foco do IFRS é melhorar a qualidade da informação”, completa o acadêmico, que prevê dificuldades para atualizar o estudo depois que todo o conjunto de regras for adotado. Em 2008, como se tratava de uma transição, as companhias reportaram os dados com e sem os impactos dos primeiros CPCs.

Com a mudança promovida pela CVM, a referência para elaboração dos balanços individuais e consolidados passa a ser o CPC

Apesar dos resultados empíricos da pesquisa, na prática, as firmas de auditoria preferem esperar para tirar conclusões. Especialmente porque a maior parte das empresas ainda se prepara para incorporar o IFRS completo. “Até o primeiro semestre, apenas 10% das companhias de capital aberto haviam adotado todos os CPCs”, observa Bruce Mescher, sócio da Deloitte. O especialista refere-se às empresas que voluntariamente adotaram o padrão internacional em uma única etapa e às que preferiram não usar o benefício dado pelo regulador de prorrogar a entrega dos informativos trimestrais (ITRs) de 2010 no novo formato. No caso das empresas que aceitaram adiar as mudanças, vale lembrar que elas terão um ônus. Os balanços intermediários poderão ser elaborados de acordo com as regras contábeis vigentes até 2009, mas deverão ser refeitos ao fim do exercício, o que significa produzir, no total, seis ITRs em um único ano.

ÚLTIMOS AJUSTES — O objetivo da convergência contábil é fazer com que os balanços sejam fiéis à realidade das empresas e, ao mesmo tempo, permitir que as companhias colham os frutos da comparabilidade com seus pares, inclusive os internacionais. Para garantir tais resultados práticos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está fazendo ajustes finais no arcabouço regulatório da contabilidade brasileira. Como ponto de partida, colocou em audiência pública a proposta de alteração da Instrução 457. A norma dispõe sobre a elaboração de demonstrações consolidadas com base no padrão internacional e foi editada em julho de 2007, antes mesmo da edição da Lei 11.638.

A proposta da CVM é oficializar a confecção dos balanços consolidados de acordo com os pronunciamentos do CPC, e não mais pelas normas emitidas pelo International Accounting Standards Board (Iasb), como prevê a primeira versão da regra. “A mudança define que a base de elaboração das demonstrações financeiras é o CPC, e não o IFRS”, esclarece Danilo Simões, sócio de auditoria da KPMG no Brasil.

A medida corrige uma série de possíveis distorções. A começar pela eliminação da possibilidade de uma mesma companhia adotar critérios diferentes nas demonstrações individuais, elaboradas conforme o CPC, e nas consolidadas, que seguiriam o IFRS. O caso mais evidente é o da reavaliação de ativos. Enquanto a norma internacional permite tanto o registro pelo valor de custo quanto a reavaliação anual (conhecida como impairment), o pronunciamento brasileiro oferece apenas a primeira opção. A restrição é resultado da Lei das S.As. e gerou, inclusive, um pronunciamento da CVM sobre a necessidade de alinhamento desse item nos dois demonstrativos.

Distorções fruto da diferença entre os calendários do Iasb e do CPC também serão prevenidas. Problemas poderiam ocorrer porque o Iasb, como órgão de referência na emissão e reforma das regras IFRS, sempre concede um prazo de adoção facultativa antes de tornar uma norma obrigatória. Nesse intervalo, o CPC traduz e emite um pronunciamento equivalente no Brasil. No entanto, se os balanços consolidados continuassem regidos pelo Iasb, nada impediria uma empresa de antecipar o uso de uma regra que favorecesse seus resultados.

O mesmo vale para companhias brasileiras que são subsidiárias de empresas no exterior, observa Wanderley Olivetti, da Deloitte.
Nesses casos, o auditor esclarece que a controlada deve seguir o CPC, ainda que a matriz tenha antecipado a adoção de uma nova norma ou optado por um tratamento não previsto no Brasil. “Estamos adicionando (à instrução) que o Iasb estabelece padrões, mas não é um regulador”, enfatiza Alexsandro Broedel Lopes, diretor da CVM. Assim, a autarquia espera eliminar a insegurança gerada ao submeter companhias brasileiras a um órgão de outra jurisdição. Em contrapartida, caberá ao CPC manter a contabilidade brasileira atualizada com o IFRS.

Para completar o pacote, estão sendo revisados diversos pronunciamentos emitidos pelo CPC, especialmente os primeiros. De acordo com Lopes, praticamente todas as alterações propostas são adequações de texto. As regras com maior incidência de ajustes de redação são o CPC 01, sobre redução recuperável de ativos, em audiência pública até o dia 23 deste mês; o CPC 02, que traz os efeitos das mudanças de taxas de câmbio nos balanços; e o CPC 03, sobre demonstração de fluxo de caixa. “Mas se em algum momento detectarmos algo que não corresponda (ao emitido pelo Iasb), será alterado”, garante o diretor.

Corrida contra o relógio

Se em 2008 companhias e auditores apertaram o passo para dar conta dos primeiros pronunciamentos, os próximos meses prometem exigir ainda mais fôlego. “Vai ser corrido”, prevê Danilo Simões, sócio de auditoria da KPMG no Brasil. O auditor conta que grande parte dos clientes preferiu aceitar a prorrogação de prazo para entrega dos informativos trimestrais (ITRs) em razão de outras tarefas que já os assoberbavam, em especial o Formulário de Referência, que substituiu o antigo Informativo Anual (IAN). Na mesma situação está a clientela da Terco Grant Thornton, que aproveita a brecha do calendário para avaliar os novos conceitos que serão adotados. “É preciso refletir melhor. E as companhias precisam se organizar mais”, avalia André Viola Ferreira, sócio da Terco.

Organização também é uma prioridade para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O cumprimento das regras para confecção e entrega de balanços das companhias abertas sempre ficou sob os cuidados da superintendência de relações com empresas (SEP). Mas diante do aumento da demanda por orientações, a autarquia formalizou a criação de uma nova gerência, dentro da SEP, especialmente dedicada ao acompanhamento contábil.

Chamada de GE5, a área iniciou suas atividades no começo do mês passado, priorizando as questões apresentadas pelas companhias e por outros departamentos da autarquia. Para os próximos meses, a expectativa é treinar os analistas, além de conseguir reforços para a equipe. “O grande objetivo é estarmos prontos para, no ano que vem, recebermos os balanços referentes ao exercício 2010”, diz Jorge Andrade, responsável pela gerência. Quando esse momento chegar, a CVM analisará os balanços de acordo com os mesmos critérios de supervisão baseada em risco que já utiliza. Ou seja, companhias com maior potencial de danos ao mercado, como as que possuem maior base acionária, serão as primeiras a passar pelo crivo. (Y.Y.)


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