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Pressão sobre os língua-solta
CVM não consegue controlar a divulgação de informações relevantes por empresas e órgãos estatais durante o funcionamento do pregão e inicia campanha de conscientização

ed05_p026-029_pag_3_img_001Quinta-feira, 22 de janeiro de 1998: em meio a mais uma entrevista rotineira com jornalistas, o então ministro das comunicações, Sérgio Motta, informa que o lucro líquido da Telebrás no ano anterior havia sido de R$ 3,9 bilhões, o maior da sua história. Era o último resultado da companhia antes da sua privatização, divulgado com o pregão aberto na Bolsa de Valores de São Paulo, dias antes do vencimento de opções de Telebrás e sem que os dados do balanço da empresa tivessem sido consolidados.

Houve impacto forte não só nas ações da companhia – que na época representavam mais de 80% de todo o volume da bolsa –, mas também no mercado futuro do Ibovespa. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) resolveu investigar a divulgação precipitada e o movimento das ações e o presidente da autarquia à época, Francisco da Costa e Silva, mandou ofício repreendendo Motta pelas declarações e instalando o mal-estar dentro do governo.

Terça-feira, 16 de setembro de 2003: bem ao estilo Sérgio Motta, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, e a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, anunciaram a liberação de R$ 3 bilhões para ajudar as distribuidoras de energia a renegociar suas dívidas com credores privados. O dinheiro se somaria a outros R$ 1,9 bilhão que seriam liberados para compensar as perdas das companhias que deixaram de repassar às tarifas a alta dos custos da energia comprada de Itaipu, indexada ao dólar.

Apesar da relevância da informação para os resultados das companhias do segmento, a notícia também foi dada com o mercado aberto. Desta vez, contudo, o estrago não foi tão grande quanto no caso de Telebrás. As cotações dos papéis já haviam disparado na semana anterior, dias antes do BNDES e da AES, controladora da distribuidora Eletropaulo, chegarem a um acordo quanto à dívida da companhia junto ao banco. A CVM investiga se houve vazamento de informação nessa operação. Quanto às informações sobre a ajuda às elétricas, os alvos são conhecidos e estão no próprio governo.

Mesmo depois da privatização – que diminuiu o número de empresas estatais e, conseqüentemente, as divulgações desordenadas vindas do primeiro escalão do governo –, órgãos públicos ainda provocam impacto no mercado de capitais ao transmitirem informações relevantes relacionadas a empresas abertas. Apesar das reclamações constantes de investidores, a CVM ainda sente dificuldades em “controlar” as notícias e punir os responsáveis. Preocupada com o assunto e temendo mais informações fora de hora, a autarquia começou a tomar medidas para conscientizar o governo da disciplina necessária na divulgação de informações relacionadas a companhias abertas.

Dentre essas iniciativas, pediu ao Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) que realizasse um seminário sobre a divulgação de informações relevantes, tema da Instrução 358, lançada em janeiro do ano passado com o intuito de estabelecer procedimentos mais rígidos para o fluxo de informações entre empresas e o mercado. O seminário foi realizado no dia 9 de dezembro em São Paulo e contou com a participação de especialistas do mercado de capitais, sem a presença de integrantes do governo. Outro debate – este voltado especificamente para a questão da divulgação de informações por parte de órgãos do governo – será realizado em Brasília, em data a ser definida.

FORA DA ALÇADA DA CVM – A situação é politicamente delicada para a CVM. Por lei, ela pode interpelar qualquer pessoa que prejudique o andamento das bolsas de valores. Mas, na prática, medidas como essa raramente passam ilesas de um desgaste entre as partes. Quando o executivo que dá com a língua nos dentes é de uma empresa estatal, pode ser mais fácil, uma vez que a companhia está sob jurisdição da autarquia. “Mas quando a informação vem de agências reguladoras, ministros ou outros órgãos públicos, fica mais difícil atuar, até porque nossas regras não se aplicam a eles”, disse uma fonte da autarquia. A relação torna-se ainda mais complicada, segundo a fonte, quando o envolvido é um político e não tem conhecimento sobre como funcionam as regras do mercado de capitais.

Apesar de ser um órgão independente desde o ano passado – os diretores são aprovados pelo Senado e têm mandatos –, a CVM depende financeiramente do Governo, o qual define seu orçamento. No passado, a dependência era muito maior. Em junho de 1981, o segundo presidente da autarquia, Jorge Hilário, chegou a ser forçado a pedir demissão depois de bater de frente com o governo por conta de uma operação envolvendo a venda de ações da Companhia Vale do Rio Doce.

Para diminuir as chances de ocorrerem problemas, a atual gestão da CVM preferiu o tom politicamente correto e resolveu apostar na conversa. “A idéia é que a gente discuta uma maneira ordenada de divulgação dessas informações (por parte de órgãos públicos), como, por exemplo, a não divulgação durante o horário de pregão”, informou o presidente da CVM, Luiz Leonardo Cantidiano, que participou do seminário organizado pelo Ibri. Cantidiano não soube informar se a CVM tem o poder de exigir que essas informações sejam divulgadas apenas com o mercado fechado. “Mas podemos pedir. Temos que sensibilizar as pessoas para entenderem que isso pode afetar o funcionamento do mercado.”

O presidente da CVM abriu o seminário criticando a divulgação de informações relevantes por parte de órgão públicos de maneira desordenada e citou o anúncio do programa de ajuda às empresas elétricas por parte do BNDES. “Dar informações pela metade é pior do que não informar”, defendeu. Quanto ao vazamento de informações, que também muitas vezes envolve operações com estatais ou órgãos públicos, Cantidiano disse que a CVM tem aberto investigações sempre que há movimentação atípica das ações. Citou os casos do acordo do BNDES com a AES e da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que anunciou a descoberta de uma reserva de petróleo pela Petrobrás

A agência divulgou no começo de março dados ainda não confirmados sobre a descoberta de óleo em Sergipe, que seria uma reserva de 1,9 bilhão de barris. No dia seguinte, a Petrobras informou o correto dimensionamento das avaliações no local, depois de questionada pela CVM. A informação passada pela ANP gerou críticas de analistas e até do presidente Lula, que pediu uma retratação da agência. Antes da divulgação da descoberta pela ANP, as ações da Petrobras apresentaram comportamento atípico na Bovespa. Ambos os casos, do BNDES e da ANP, estão sendo analisados, segundo Cantidiano. Ele afirmou que a CVM é independente e que eventuais punições poderão ocorrer.

ESTRATÉGIA É COMEÇAR PELO RI – Para Haroldo Levy, vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais de São Paulo (Apimec-SP), o caminho é realmente discutir o assunto com o pessoal do governo para que haja uma padronização da divulgação de fatos relevantes para o mercado. “Pelo menos para que as falhas não ocorram com tanta freqüência, já que não dá para controlar 100% dos casos”, afirmou. Outro caminho, segundo Levy, é o de conscientizar o profissional de relações com investidores das empresas estatais.

De alguns anos para cá, tem sido mais comum as empresas estatais contarem com equipes qualificadas de profissionais de relações com investidores, sem ligações políticas. “O RI dessas empresas geralmente é preparado. O problema com a divulgação de informações ocorre mais em nível de presidente ou controlador”, disse Nelson Ortega, gerente de acompanhamento de empresas da Bovespa. Diversas declarações inadvertidas desses profissionais ocorreram nos últimos anos e exigiram da Bovespa suspender os papéis para evitar oscilações bruscas nos preços com o uso de informações privilegiadas.

A discussão com os órgãos públicos deverá esquentar em Brasília. Por enquanto, as principais agências do governo – Anatel (telecomunicações), Aneel (energia elétrica) e ANP (petróleo) – evitam falar no assunto oficialmente. Uma fonte da Anatel afirmou que a entidade vem tentando divulgar informações relevantes em horários de pregão fechado. “Nossas divulgações ocorrem sempre depois das 17 horas”, disse a fonte, que não quis se identificar.

Um executivo de outro órgão ligado ao governo, que também pediu para não ser identificado, afirmou que, no caso de coletivas de imprensa, nem sempre é possível conciliar os horários com os do pregão. Segundo ele, eventos públicos precisam cumprir algumas burocracias, como respeitar os horários de expediente dos funcionários. Acrescentou ainda que o pronunciamento pode envolver empresas listadas também no mercado de Nova York, que opera em horários diferentes da bolsa brasileira.

MERCADO NORTE-AMERICANO – A divulgação de informações relacionadas a companhias abertas tem sido uma preocupação cada vez maior das agências reguladoras, principalmente em função das conseqüências danosas do mal uso dessas informações para o funcionamento do mercado. Em outubro de 2000, a Securities and Exchange Commission publicou uma norma dedicada somente a este assunto – chamada Fair Disclosure – em que regulou todos os procedimentos a serem adotados pelas companhias abertas ao tratar de questões relevantes e desconhecidas do público (material nonpublic information). Na regulamentação norte-americana, assim como ocorre no Brasil, não estão contemplados os profissionais de agências governamentais que tenham, eventualmente, informações relevantes sobre a companhia. Além dos principais executivos e profissionais de relações com investidores, a norma aplicase, contudo, a todos os que venham prestar informações para o mercado de capitais.

No Brasil, a CVM lançou a Instrução 358 que, entre outras novidades, passou a responsabilizar diretamente o diretor de relações com investidores da companhia pela ampla divulgação de informações relevantes relacionadas aos negócios da empresa. A instrução também exige dos acionistas controladores, diretores, conselheiros de administração e conselheiros fiscais o compromisso de informar o diretor de relações com investidores a respeito das informações relevantes e de revelar à CVM eventual omissão desse diretor em repassar tais informações ao mercado. Agora cabe à comissão colocar ordem no palco quando os personagens são do próprio governo.


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