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Finanças fica com o Prêmio Nobel 2003
Modelos desenvolvidos pelo norte-americano Robert Engle para medir volatilidade e prever seu tempo de duração levam o troféu de economia

, Finanças fica com o Prêmio Nobel 2003, Capital AbertoVocê se lembra do “crash” de 1987, a primeira grande crise da bolsa norte-americana depois da quebra de 1929? Era 19 de outubro e o índice Dow Jones encerrava o pregão com a baixa impressionante de 22,6% após um dia de perdas bilionárias que entraria para a história do mercado financeiro como a famosa “segunda-feira negra”. Dez anos depois, quase que na mesma época do ano, os mercados de ações de todo o mundo viviam mais uma crise aguda nas bolsas diante do vai-e-vem de capitais que a todos impressionava pela velocidade com que derrubava os preços das ações nos quatro cantos do mundo, então já dito globalizado.

Pois bem, veja o que poderia ter acontecido se o conhecimento acadêmico estivesse sendo usado com amplitude no mercado financeiro nessas situações. Na crise de 1987, volatilidade era um termo praticamente desconhecido. Bancos de investimento e investidores que já a percebiam tinham motivos em dobro para se preocupar com ela. Uma pena que o modelo econométrico batizado com o nome assustador de “heterovolatilidade condicional autoregressiva” e mais conhecido como ARCH, sua sigla em inglês, ainda não era largamente utilizado pelos protagonistas do ramo.

Se o fosse, teria sido possível prever o “crash” e, quem sabe, a crise nos mercados globais há cinco anos. Possivelmente, muita gente teria perdido menos dinheiro e o choque, talvez, pudesse ter ocorrido com menos intensidade. Afinal, o conceito inspirador do modelo ARCH, assim como ele próprio, já haviam sido concebidos e desenvolvidos desde 1982 por Robert F. Engle, na Universidade da Califórnia em San Diego. Ele é um economista norte-americano que acaba de repartir em dezembro último o Prêmio Nobel de 2003 em ciências econômicas, na cerimônia anualmente realizada em Estocolmo.

Engle dividiu a honra com seu colega britânico, Clive Granger, que igualmente formulou modelos econométicos, dedicados porém à analise de séries históricas estáveis. São chamados modelos de cointegração, aplicáveis, sobretudo, em macroeconomia.

Já Engle e seus modelos ARCH foram de tal importância para o mercado financeiro que não restou à Real Academia Sueca de Ciências alternativa senão reconhecer o mérito de sua formulação teórica e prática, hoje com duas décadas de existência. Trata-se, a rigor, da terceira vez em 34 anos de premiação que o Nobel é concedido no reconhecimento de um trabalho relevante para as finanças (vide box), desta vez germinado no terreno da econometria.

Conceito de Value at Risk é derivado do modelo desenvolvido pelo Nobel em Economia

Usado no mercado de ações, por exemplo, os modelos ARCH permitem não só medir quando se experimenta uma fase de alta ou baixa volatilidade, mas também prever quanto tempo ela durará. Antes deles, o mercado financeiro trabalhava com modelos estatísticos que lidavam com a volatilidade como se ela fosse constante ao longo do tempo. De fato, ela quase nunca o foi, o que atrapalhava a feitura das previsões.

O mero cálculo da média da volatilidade em determinado período resultava enganoso para quem se propunha a averiguar tendências e fazer previsões. Não apenas porque ignorava se o período considerado era o mais adequado para análise da volatilidade, como também porque trabalhava com séries diminutas. Permitindo trabalhar com série de dados mais longa, o ARCH investiga o passado para estabelecer e confeccionar uma série ideal de pesos para qualquer portfolio ou tipo de ativo.

No cotidiano das mesas de operações, esse tipo de análise ajuda fundamentalmente a medir o risco. O conceito de “value at risk”, capaz de dizer, por exemplo, o quanto alguém pode perder no mercado de um dia para o outro, corriqueiramente usado em todo o mundo, é filho direto do trabalho concebido pelo prêmio Nobel de 2003. Foi proposto somente em 1995, dois anos depois da publicação do modelo ARCH por Engle.

Um triênio antes disso, Engle, um californiano de coração que leciona atualmente na New York University, já era antigo conhecido do meio acadêmico brasileiro. João Victor Issler, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, foi seu orientando em 1993 na Universidade da Califórnia de San Diego, onde o norte-americano passou a maior parte de sua carreira.

Juntos, eles produziram um estudo que explica, em detalhes, o pano de fundo da economia real de três países latino-americanos – Brasil, México e Argentina – e dos Estados Unidos estendido por detrás do comportamento do fluxo internacional de capitais. Ambos assinaram o texto “Tendências comuns e ciclos comuns na América Latina” e debruçaram-se sobre uma série histórica de quarenta anos – de 1948 a 1988 – do PIB per capita do Brasil, Estados Unidos, México e Argentina. Usaram técnicas aparentadas do ARCH, mas que não se voltam para a volatilidade – e sim para os movimentos conjuntos dos dados ao longo do tempo.

Academia volta a premiar as teorias financeiras

Pioneiros várias décadas antes na construção da teoria da economia financeira, Harry M. Markowitz, da City University de Nova York, Merton M. Miller, da Chicago University e William F. Sharpe, da Stanford University, repartiram em 1990 o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas. Foi a primeira vez que o conhecimento que interessa diretamente ao mercado financeiro foi premiado pela Real Academia Sueca de Ciências. Sete anos mais tarde, em 1997,outra dupla. Robert C. Merton, da Harvard University e Myron S. Scholes, foi agraciada por criarem um novo método para se determinar o valor dos derivativos.Logo em seguida, em 1998, a barra começou a ficar mais pesada. Então diretor da Salomon Brothers, Scholes repartia com Merton, em Connecticut, uma empresa de administração de recursos de terceiros, a Long Term Capital Management, cujo fundo de “hedge”, excessivamente alavancado e falido. Tal empresa quase afogou seus clientes nas desastradas operações em mercados emergentes que realizou, obrigando gente como a Merril Lynch a tirar dinheiro do bolso e alimentar um socorro orquestrado para evitar o pânico no mercado financeiro norte-americano. Agora, ao premiar Robert F. Engle, da New York University, os membros da Real Academia novamente contemplam conhecimento cujo uso é essencialmente voltado para finanças. Como costuma dizer Assar Lindbeck, economista sueco que presidiu o Comitê Nobel de 1980 a 1994, ela segue a realidade, pois a produção científica dos economistas está cada vez mais especializada.

Constataram fenômenos interessantes nesse período do pós-II Guerra. Ao investigarem as curvas dos PIBs per capita dos três países latinos em comparação com a dos Estados Unidos, Engle e Issler perceberam que, sobretudo no caso do Brasil e do México, entre 1948 e 1988, a dupla latino-americana andou na mão contrária da economia norteamericana durante a maior parte do tempo. Dada a relação íntima entre essas regiões, houve no período um movimento preponderantemente contrário entre as economias dos Estados Unidos e da América Latina.

Então seria plausível deduzir que hoje, quinze anos depois da data limite do período analisado pelos economistas e a se consolidar a recuperação da economia norte-americana esboçada neste final de 2003, tal retomada será acompanhada por uma desaceleração ou retração dos PIBs latino-americanos e, portanto, da sua atratividade diante do capital estrangeiro?

Issler lembra que o estudo, empírico, vale para o período analisado. Desde então, todas essas economias se transformaram – e muito.

“Quem tem mais de 40 anos de idade ainda se lembra daquele chavão, ouvido com freqüência nos anos 70, de que nós no Brasil éramos uma ilha de prosperidade. Desde então, nossa importação triplicou. Somos hoje uma economia bem mais aberta do que no passado”, diz o economista da FGV-Rio. O comentário vale para México e Argentina também. Os contra-ciclos diante dos Estados Unidos tendem a se arrefecer ou desaparecer, em hipótese bastante provável.

Para ele, a necessidade de fazer “hedge” no terreno da economia real, em um mundo em que a produção está globalmente bem mais integrada, é hoje muito menor para o investidor estrangeiro do que foi durante as quatro décadas do pós-guerra na região latino-americana.

Sem dúvida, o capital financeiro se move hoje bem mais facilmente do que então. Mas, por outro lado, a integração da economia latina à norteamericana, assim como sua dependência, é muito maior.

“O outro lado da moeda dessa dependência é que hoje se pode apostar que, se fôssemos economias ainda fechadas como no passado, sofreríamos os efeitos de uma migração de capital ainda maior. A integração atual, atestada e propiciada pela quantidade de grupos mexicanos e brasileiros vendidos para estrangeiros e pelo aumento de investimento direto externo nos anos 90 que modificou nosso processo produtivo, faz com que não haja mais tanta razão para o capital fluir de um lado para outro com a intensidade que acontecia no passado”.

Em alguma medida, concorda Issler, pode-se dizer algo similar quanto ao fluxo de investimentos externos no mercado financeiro. Não fosse a maior abertura e integração regional de economias como a mexicana e a brasileira, os períodos de fuga de capitais, assim como os de maior atração, provavelmente seriam muito mais intensos. Tema, por certo, para outra investigação econométrica na Academia.


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