Pesquisar
Close this search box.
“Não queremos ser uma bolsa”
Francisco Carlos Gomes

, “Não queremos ser uma bolsa”, Capital AbertoA concorrência originada pelos sistemas alternativos de negociação — os alternative trading systems (ATSs) — não é tão eficaz no longo prazo, de acordo com a visão do diretor financeiro e de relações com investidores (RI) da Cetip, Francisco Carlos Gomes. Para ele, a fragilidade dessas plataformas está no fato de a referência de preços ainda ser dada pelas bolsas principais. “Não faz sentido a maior parte dos negócios acontecer com base no preço dado pela menor parte do mercado”, afirma. Além disso, cabe às bolsas a atividade de autorregulação, que é considerada fundamental para a segurança do sistema. “Em português claro, não faz sentido um ficar com o filé mignon, e o outro com o osso”, diz, referindo-se à comodidade dos ATSs, que não precisam se preocupar em regular. Questionado sobre a possibilidade de a Cetip se tornar uma plataforma de negociação alternativa no Brasil, competindo com a BM&FBovespa, Gomes foi enfático: não há motivações econômicas para quebrar o monopólio da Bolsa paulista, e a Cetip está satisfeita com as oportunidades no seu próprio nicho. Confira os principais trechos da entrevista concedida à CAPITAL ABERTO.

CAPITAL ABERTO: O mercado pode esperar da Cetip o papel de um sistema alternativo de negociação de ações?

Francisco Carlos Gomes: Para atuar no mercado de ações nós teríamos de nos transformar numa bolsa. E a Cetip, do ponto de vista regulamentar, é um balcão organizado. Precisaríamos criar um departamento de listagem e introduzir uma plataforma eletrônica de negociação, que é a parte mais simples. Plataforma de trading, hoje, é commodity.

Qual a diferença entre a plataforma que vocês têm e a necessária para negociar ações?

Nós temos uma pequena plataforma eletrônica para negociação de títulos de renda fixa. Hoje, para trading de ações e de derivativos, precisaríamos de alguns requisitos básicos. Um deles é uma capacidade maior de resposta do sistema, chamada de latência, para permitir com eficiência o trading de alta frequência. Atualmente, essa velocidade de resposta é fundamental para o mercado de equity. É preciso processar ordens transmitidas não mais por pessoas, mas, sim, por computadores, através dos algoritmos criados pelas pessoas. Precisaríamos ainda decidir se lidaríamos com uma clearing e uma depositária nossa ou de terceiros. A dificuldade maior está aí: onde liquidar as transações e onde guardar os papéis.

Vocês já têm uma clearing.

“Não há razões econômicas para competir com a Bolsa. Queremos desenvolver o trading de renda fixa, que faz parte do nosso DNA”

Nós temos, mas não somos uma central contraparte, ou seja, nós não nos responsabilizamos pela liquidação das transações. O que fazemos são transações no modelo “principal to principal”. Num mercado de ações, esse é outro item fundamental. É importante ter alguém que se responsabilize pela liquidação da transação. Em todos os lugares onde surgiram ATSs, as clearings e as depositárias eram commodities que serviam ao mercado como um todo, ou seja, que não pertenciam a nenhuma bolsa. O que temos aqui no Brasil — e que é o formato mais comum no resto do mundo — é um sistema verticalizado, em que a bolsa possui a clearing e a depositária. A questão, portanto, é por que alguém liquidaria transações ou depositaria ações no sistema de um concorrente.

A Instrução 461 exige que as bolsas façam isso.

Mas aí você passa a partilhar uma parte do seu business com o outro.

Afinal, vocês pensam em negociar ações?

Não, e existem também razões econômicas para isso. A lógica desse negócio depende de escala para se terem custos razoáveis e prestarem bons serviços. Se você observar, na maioria dos mercados existe apenas uma bolsa e, em alguns casos, sistemas alternativos. A nossa visão é de que temos muito espaço para crescer no nosso nicho. Hoje, somos basicamente uma depositária, uma registradora de instrumentos financeiros. Temos a parte mais estável do negócio. Nossa estratégia é primeiro aprofundar e melhorar essa parte e desenvolver o trading dos instrumentos que fazem parte do nosso DNA. Eventualmente, criar um mercado à vista desses instrumentos e desenvolver uma plataforma de negociação de derivativos a partir deles. Esses são os objetivos que têm a ver com a expertise que desenvolvemos ao longo dos anos. Assim, não perdemos o foco. Não faz sentido replicar o que outra entidade do mercado já está fazendo. Nós não estaríamos trazendo nada novo.

Vocês estariam trazendo concorrência…

Eu não acredito que a concorrência seja saudável em segmentos nos quais não existe escala. Além disso, só criar concorrência não é a nossa vocação.

Mas o senhor não vê aspectos negativos no monopólio?

Se houvesse algum tipo de concorrência, seria melhor para o mercado. Mas o nosso problema todo é escala.

A Bovespa não fez o mesmo raciocínio de vocês quanto à escala. Ela quis desenvolver um mercado de renda fixa apesar de a Cetip já existir e deter a maior parte dos negócios nesse nicho. Como o senhor vê essa estratégia?

Eu acho que foi um equívoco. O Bovespa Fix começou em 2001, e a Cetip tem hoje 96% do mercado. Eles tiveram de adaptar a depositária e a liquidação para renda fixa, e isso não atendeu totalmente às demandas do mercado. Nessa seara, é preciso investir antes, sem a segurança de que vai haver mercado no futuro. E aí, você não sabe se o negócio não decolou porque você não fez o que deveria fazer ou se não decolou porque não ia decolar mesmo. E mesmo você fazendo como deve fazer, corre o risco de jogar o investimento fora.

Então os monopólios em cada nicho são a tendência?

Se você olhar pelo mundo, essa é uma tendência natural da indústria.

“Queremos criar um mercado de ‘repos’ para ajudar as empresas a atender às suas necessidades de caixa de curtíssimo praz

Mas os ATSs estão se espalhando. As dark pools, por exemplo…

As dark pools são um fenômeno tipicamente americano e, mais recentemente, um pouco europeu. Elas não fazem autorregulação e ainda por cima precisam do disclosure de preço da bolsa tradicional para poder funcionar. No fundo, parece que vai chegar um momento em que o rabo vai conduzir o cavalo, e o sistema não vai funcionar mais. Essas plataformas vão abrangendo uma parte tão grande do mercado que, um dia, quem vai dar a referência de preço será a menor parte do mercado. Não faz sentido a maior parcela dos negócios estar nas dark pools e a referência de preço, na bolsa. O fato é que as dark pools aplicam preços menores porque não têm os mesmos custos de regulação e organização do mercado que a bolsa tem.

E o que vocês estão pensando de novo para o nicho em que atuam?

Estamos trabalhando para introduzir o sistema de collateral management, eventualmente numa parceria com a Clearstream, que é a depositária ligada à Deutsche Börse. Seria uma forma de permitir que os riscos das operações sejam mitigados sem ser contraparte central. Depois que isso estiver de pé, vamos criar um mercado de “repos” (operações de repurchase agreement, em que uma empresa tem a possibilidade de fazer caixa usando o seu portfólio de títulos), para ajudar as empresas a atender às suas necessidades de caixa de curtíssimo prazo. Queremos ajudar a desenvolver esse mercado de repos no Brasil, para bancos e também para fundos de investimento. Hoje é comum esses players terem estoques grandes de ativos e precisarem de recursos para fazer caixa. A ideia é fazer isso com CDB, letra financeira, CCB, com todos os ativos depositados aqui. Outro plano é criar um mercado secundário de letra financeira. Hoje, o que fazemos é registrar os negócios feitos em balcão com esses títulos. Nesse caso, criaríamos uma plataforma com uma concepção nova.

O senhor vê a possibilidade de outros players tentarem atuar como um sistema alternativo ao da BM&FBovespa?

Pode acontecer, tanto o nosso mercado quanto o da Bovespa estão abertos. Mas eu não vejo muitas perspectivas de sucesso para um outsider nesse segmento. É preciso ter escala. Alguns negócios não se atomizam devido a questões econômicas.

O problema é que o mercado secundário de títulos de renda fixa, que vocês focam, é uma promessa de muitos anos atrás, que até agora não decolou.

O Brasil tem uma proporção de crédito em relação ao PIB ainda muito pequena. E há uma concentração de poucos investidores em torno dos títulos de crédito, como as instituições financeiras e os fundos de pensão, que acabam ficando muito tempo com os papéis. À medida que a economia brasileira se alavancar, os bancos vão precisar ter mais circulação para esses instrumentos, mais flexibilidade para tirar esses ativos do seu balanço. E, com a desintermediação da economia, os fundos de investimento também vão precisar ter mais liquidez para os seus ativos. Isso faz com que se tenha um ambiente melhor de circulação de títulos de renda fixa. Atualmente, o mercado ainda não tem muito claro o trade-off (o intercâmbio) entre customização e circularização. É claro que, se temos um mercado com títulos muito diferentes uns dos outros em termos de cláusulas e provisões, nunca teremos um mercado secundário. No momento em que ficar claro que é importante se ter liquidez para reduzir o custo de captação, esse trade off também vai fazer sentido.

E por que esse momento ainda não chegou?

Porque os bancos ainda têm muito espaço nos seus balanços. E os fundos de investimento também, uma vez que as pessoas aplicam o dinheiro e deixam lá, não costumam trocar de fundos em busca de melhores retornos. Hoje, tem-se um ambiente muito previsível, que não estimula o trading. Além disso, o mercado de equity se desenvolveu primeiro que o de renda fixa, em boa parte graças ao fluxo de capital estrangeiro. E esse fluxo ainda não veio para o mercado de renda fixa.

Por que não?

Por questões tributárias. Os estrangeiros não têm benefícios fiscais em títulos de renda fixa privados.

Mas esse cenário de um mercado secundário ativo parece ser de longo prazo.

É, de fato é uma perspectiva de médio ou longo prazo. Mas nós estamos confortáveis porque temos um negócio bom, ótimas margens de Ebitda e de lucro líquido, e temos a possibilidade de investir em projetos de longa duração, como o trading de renda fixa.

Como a Cetip está se saindo na condição de companhia aberta?

A desmutualização é parte de um processo que a abertura de capital ajuda a conduzir. Se tivéssemos nos transformado em S.A. fechada, provavelmente o processo de mudança cultural iria demorar muito mais tempo. Isso tudo não implica nenhum prejuízo para os usuários. Uma companhia com fins lucrativos tem de manter a qualidade de serviços, aplicar preços satisfatórios para a sua clientela, inovar para desenvolver o mercado. É um processo semelhante ao de desestatização.

E como está sendo esse processo aqui?

Um pouco doloroso, como em todas as entidades. Mas é muito interessante.

Quanto desse aculturamento o senhor diria que já foi desenvolvido?

Eu não chutaria um percentual, mas acho que estamos a meio caminho.

E as operações com algoritmos? Quando chegam à Cetip?

Elas vão chegar. Mas, primeiro, precisamos organizar um mercado à vista de títulos de renda fixa. Aí, sim, esse mercado precisará de operações de baixa latência. É fácil obter a tecnologia.

Como estão os investimentos? Vocês têm investido em tecnologia?

Estamos aumentando bastante os investimentos. Nós investíamos, em média, 5% das receitas líquidas e, este ano, teremos pelo menos o dobro desse montante.

E para onde vão ser direcionados esses recursos?

Dois terços vão para novos produtos, sendo um terço em novas instalações e um terço em equipamentos de tecnologia da informação. Estamos introduzindo o collateral management, melhorando a plataforma de balcão de derivativos, inserindo alguns derivativos sobre ações de índices e outros sobre taxas de juros, sempre dentro da vocação da companhia, que são os derivativos de balcão. Estamos interagindo mais com os participantes do mercado para introduzir os produtos que eles querem.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.