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Investimento com causa
Nos Estados Unidos, fundos de afinidade vão muito além da responsabilidade social e já recorrem à religião, à moralidade e até ao movimento GLBT para atrair investidores

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Nos últimos anos, os fundos socialmente responsáveis, conhecidos pela sigla SRI em inglês, não só deixaram de ser novidade como ganharam fama. Sob a onda de sustentabilidade que tomou conta dos debates político, social, econômico e ambiental, o mercado financeiro abriu os olhos para esse filão e, desde 2001, quando surgiu o primeiro fundo SRI brasileiro — o Ethical, do ABN Amro —, o País vivencia uma enxurrada de lançamentos dessa natureza. Investindo apenas em companhias que cumprem requisitos de responsabilidade socioambiental e de governança corporativa, esses fundos não param de crescer. Em dezembro de 2007, seu patrimônio líquido triplicou em relação ao mesmo período do ano anterior, saltando de R$ 500 milhões para R$ 1,7 bilhão. É um número pequeno, principalmente se compararmos com o mercado norte-americano, onde o patrimônio líquido dos 201 fundos desse segmento é de US$ 2,29 trilhões (2005). Para se ter uma idéia desse salto, em 1995 havia 55 produtos SRI, que administravam US$ 639 bilhões. Nesse contexto, a afinidade do investidor com a causa socioambiental conta muito. “O Brasil está bastante engajado na questão da sustentabilidade, e isso acaba se traduzindo no lançamento de vários fundos sustentáveis”, diz Luiz Maia, vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid).

Nos Estados Unidos, a indústria de fundos explora de maneira ainda mais profunda o vínculo ideológico entre investidor e investimento. É possível encontrar, por exemplo, fundos islâmicos, que aplicam seu dinheiro em empresas dirigidas por princípios da religião muçulmana. O público-alvo são os mais de 7 milhões de muçulmanos residentes naquele país, dos quais mais da metade possui rendimento igual ou superior a US$ 50 mil por ano. Criado em 2000, o Dow Jones Islamic Fund é um desses veículos e, à primeira vista, não se diferencia muito de um SRI convencional. Em seu portfólio não entram companhias envolvidas com tabaco, álcool, jogos e armas. A influência do Corão, livro sagrado dos muçulmanos, fica mais clara na posição de não colocar dinheiro em empresas ligadas ao consumo da carne de porco, considerada impura pela Shariah (lei islâmica). Instituições financeiras convencionais, que se baseiam no lucro através dos juros, também estão fora, pois o Corão condena a prática da riba (juros).

DINHEIRO DO CÉU — Se o livro sagrado do investidor for a Bíblia, há o fundo católico Ave Maria, criado em 2001, e detentor de uma política contrária a investimentos em empresas de saúde ligadas a contraceptivos e aborto. No Ave Maria, além de se submeter à avaliação dos analistas financeiros, cada empresa passa pela “peneira espiritual” de um conselho de notáveis católicos, que também barra qualquer companhia envolvida com tabaco, álcool e atividades “antifamília”.

Ainda no campo do cristianismo, há o Timothy Plan, voltado para os evangélicos. Com 29 mil investidores e mais de US$ 500 milhões de patrimônio, o Timothy busca aliar eficiência financeira com os ensinamentos morais da Bíblia. “Nosso modelo bíblico de investimentos é contrário à busca exclusiva por performance, predominante no mercado de capitais. Lógico que o desempenho é muito importante, mas já vi muita desilusão nos olhos de investidores que correram atrás apenas de performance”, conta Arthur Ally, gestor do fundo. Por causa disso, por mais rentáveis que sejam, empresas com alguma ligação com aborto, pornografia, álcool, jogos, fumo e estilos de vida “alternativos” não têm vez com o Timothy. Curiosamente, empresas militares não são rejeitadas. Até junho de 2007, o fundo contava com 31,5 mil ações da Rockwell Collins, uma das maiores companhias de defesa aeroespacial nos EUA. “Até Jesus Cristo era favorável à autodefesa”, justifica Ally.

Depois de passar pela exigente seleção, a empresa começa a ter seus movimentos constantemente monitorados para não “sair da linha”. Em 2002, foram retiradas do portfólio do Timothy mais de 9 mil ações do Wal-Mart, sob a alegação de vínculo da marca do gigante do varejo com a pornografia. Motivo: suas lojas estavam vendendo exemplares da revista feminina Cosmopolitan, considerada “imoral” por alguns setores evangélicos norte-americanos. Outro peso-pesado local que não ganha o selo de aprovação do fundo evangélico é a Ford, por veicular campanhas publicitárias direcionadas ao público homossexual. Não satisfeito, Ally foi um dos líderes de uma campanha de boicote à montadora. “Conseguimos mais de 700 mil assinaturas. Se cada um desses investidores resolver se desfazer de suas ações da Ford, a empresa perceberá que sua política pró-gay tem um certo custo”, conta Ally.

DIVERSIDADE SEXUAL — Fator de exclusão para uns, a valorização da causa GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) é um diferencial importante para outros. Este é o caso do fundo Calvert — um dos maiores SRIs dos Estados Unidos, com mais de US$ 15 bilhões sob gestão. Dentre seus critérios de responsabilidade social, é dado destaque especial às políticas voltadas ao público GLBT. “Por mais qualificadas que sejam, pessoas perdem oportunidades de emprego por causa de sua orientação sexual. O Calvert acredita que as empresas com políticas e programas de inclusão têm vantagem competitiva sobre as outras”, informam os gestores, por meio de sua assessoria de imprensa.

Até o início da década, havia um fundo voltado exclusivamente a empresas gay-friendly, chamado Meyers Pride Value Fund. Shelly Meyers, hoje vice-presidente executiva de investimentos institucionais da Pacific Global, criou o veículo em 1996 e o administrou até a sua venda ao Citizens Fund, em 2001. Em seus cinco anos de existência, o retorno médio anual do fundo foi de 19%. “A despeito dos ótimos rendimentos, o Meyers Pride tinha um número de investidores muito baixo”, conta Shelly. Mesmo contando com um público bastante fiel, a causa GLBT parece não ter sido suficiente para fazer o fundo decolar. Em maio de 2001, o patrimônio do Meyers Pride era de apenas US$ 14 milhões. Depois de ser adquirido pelo Citizens Fund, o fundo de Shelly acabou incorporando outros parâmetros socialmente responsáveis para poder sobreviver.

Uma empresa responsável em múltiplas questões não deve ser rejeitada por um único aspecto, senão pode-se perder um bom investimento

O caso do extinto fundo GLBT comprova que apenas uma boa causa e um bom desempenho não são suficientes para o sucesso de investimentos de “afinidade”. O mundo financeiro reage à demanda de seus clientes. “Se houver a percepção de que há massa crítica para se gerar uma afinidade com uma classe de investidores, e que vale a pena montar esse produto, não há dúvida de que a instituição financeira vai lançá-lo. Mas é essencial que a demanda seja consistente”, explica Luiz Maia, da Anbid. Por isso mesmo, ele não acredita na chegada de fundos de afinidade no Brasil, pelo menos no curto e no médio prazos. “Nos Estados Unidos, há uma base de investidores muito maior que no Brasil. Só agora estamos começando a criar uma massa de poupança para almejar uma segmentação”, explica. Nas classes A e B, conta Maia, já existe uma pequena segmentação com os fundos multimercado, mas ainda há muito para crescer. Pedro Villani, gestor do fundo Ethical, do ABN Amro, não vislumbra essa possibilidade nem no longo prazo: “Faz mais sentido a existência de uma única classe de fundos, mais abrangente, que englobe todos esses segmentos”.

ENTRE A CONSCIÊNCIA E O BOLSO — Apesar do alívio na consciência que o investimento em tais fundos possa trazer, seu desempenho no mercado financeiro nem sempre justifica a aposta. Na média, a performance dos fundos SRI não se diferencia muito dos tradicionais. O KL 400, um dos principais índices de sustentabilidade dos EUA, que engloba as 400 melhores empresas nesse quesito, obteve um retorno médio anual de 5,63%, contra 5,91% do índice Standard & Poor’s 500, no período que compreende dezembro de 1997 a dezembro de 2007. Manter rentabilidade satisfatória em um universo de opções mais restrito não é fácil. Em 2006, por exemplo, os fundos SRI norte-americanos amargaram uma perda de aproximadamente US$ 1 bilhão, o que levou o setor a algumas reflexões.

A despeito das explicações do mercado — grande parte dos fundos socialmente responsáveis exclui as companhias de petróleo, que apresentaram ótimo retorno naquele ano —, muitos investidores reviram seus critérios de exclusão. Os fundos da Pax World, por exemplo, decidiram afrouxar as exigências em seus parâmetros éticos, depois de se virem obrigados a desinvestir nas ações de uma das melhores empresas de seu portfólio, a Starbucks. A gigante do café autorizou, em 2005, o uso de sua marca em um licor, o que acabou indo de encontro às regras de tolerância zero ao álcool da Pax na época. Hoje, além do álcool, a Pax World também aceita companhias com relação indireta com o mundo do jogo, depois que o Yahoo! passou a exibir diretórios de sites de aposta on-line. Acusado de abrir mão de princípios em nome do dinheiro, o CEO do fundo, Joe Keefe, retrucou que a decisão foi baseada no bom senso.

Mesmo em situações não diretamente ligadas ao universo dos investimentos SRI, a dicotomia consciência versus bolso tira o sono de muitos investidores. Que o diga o bilionário Warren Buffett. Em outubro do ano passado, o megaexecutivo desfez-se de todas suas ações da PetroChina a muito contragosto. A qualidade dos papéis da petrolífera estatal chinesa não foi suficiente para resistir às pressões dos maiores fundos de pensão e de investimento dos Estados Unidos, insatisfeitos com a guerra civil de Darfur, no Sudão, que estaria sendo patrocinada pelo governo daquele país. Como boa parte dos recursos do governo sudanês vem da exploração de petróleo feita pela PetroChina, a imagem da empresa ficou comprometida.

Bom senso, segundo os especialistas, pode ser a chave para equilibrar a preferência por responsabilidade social com a necessidade de retorno financeiro. “Quando a empresa é responsável em múltiplas questões, não é por um único aspecto que ela deve ser excluída. É preciso ser flexível, senão se pode acabar perdendo uma boa empresa”, opina Villani, do Ethical. “Por trás dessa decisão eliminatória, pode estar uma empresa idônea, com boas práticas de governança corporativa. Por outro lado, pode haver uma companhia que fabrica produtos ‘do bem’, mas com uma gestão não-idônea”, ressalta Luiz Maia, da Anbid. Como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio.

O “vilão” dos fundos engajados

Contrariando a grande maioria dos fundos de perfil politicamente correto, o Vice Fund (fundo do vício) adora empresas relacionadas a fumo, álcool, jogos e armas. A justificativa para o investimento em “sin stocks” (ações do pecado) é que tais setores são menos sensíveis às volatilidades do mercado, principalmente em períodos de crise. “São produtos de alta demanda, independentemente das condições econômicas”, explica Charles Norton, gestor do fundo criado em 2002 e que possui um patrimônio de mais de US$ 157 milhões.

Realista para uns, socialmente irresponsável para outros, o Vice Fund foca apenas o lado business do mercado de capitais. E se a opção pelo fundo fizer doer a consciência do investidor, pelo menos o bolso não terá do que reclamar. Em 2007, mesmo com os abalos causados pelo subprime, o Vice Fund rendeu 17,76%, bem acima dos 5,49% do índice S&P 500. “Não escolhemos este ramo para defender uma posição política, nem fazer uma crítica social. Simplesmente queremos dar retorno aos nossos investidores”, justifica Norton. (S.M.)


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