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Compliance para negociar
A criação de procedimentos internos contribui para evitar investigações e responsabilização em casos administrativos ou penais
Vinicius Marques de Carvalho*

Vinicius Marques de Carvalho*

Em 17 de maio de 2017, pouco antes do fechamento do mercado de câmbio, a imprensa noticiou uma grande movimentação de compra pela J&F, estimada em 1 bilhão de dólares. No mesmo dia veio à tona a delação de Joesley Batista, diretor da companhia. Logo em seguida, alegou-se que a multa devida por Batista e seu irmão em decorrência da delação negociada com a Procuradoria Geral da República seria inteiramente paga pela compra dos dólares, que teriam rendido milhões à J&F por conta da instabilidade política gerada pelas revelações e a consequente valorização da moeda americana — que disparou 8% no dia 18. O episódio gerou a abertura de cerca de uma dezena de processos administrativos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). São apurações referentes a uso de informação privilegiada, atuação de empresa no mercado de dólar futuro, supostas irregularidades na divulgação de fatos relevantes, venda de ações da companhia, entre outras possíveis práticas ilícitas.

Muitos temas já foram discutidos em torno da polêmica delação e seus desdobramentos, mas há um aspecto que merece destaque e que ainda não foi suficientemente debatido: a capacidade das empresas para evitar esse tipo de exposição por meio de programas de compliance. Essa dimensão provavelmente não se apresentou porque o estereótipo que se tem de programas de integridade é de que eles são voltados a criar uma cultura corporativa capaz de evitar que condutas sabidamente danosas e ilícitas ocorram dentro de uma instituição. Como exemplo maior, temos os debates sobre programas de integridade nos âmbitos da Lei Anticorrupção (12.846/13) e do decreto que a regulamenta (Decreto 8.420/15). Situação semelhante ocorre com a Lei de Defesa da Concorrência (12.529/11) e com ilícitos anticompetitivos em geral — na maioria das vezes, o foco das empresas é a prevenção de cartéis e outras condutas coordenadas.

A circunstância é diferente para casos envolvendo condutas cuja ilicitude não é evidente, especialmente quando se discute se a prática configura irregularidade. Nesses casos, não há ênfase em programas de integridade como uma solução. Em grande medida, foi o que ocorreu nas operações da J&F, uma vez que não se sabe se todas envolveram valores mobiliários e há um debate genuíno sobre a aplicabilidade de punições pela CVM. Ainda assim, é inegável que o episódio foi extremamente negativo para a reputação da empresa, fato que pode anular os supostos benefícios financeiros auferidos com a operação.

 

 

O compliance tem um importante papel a desempenhar em situações como essa. A criação de procedimentos internos para a tomada de decisão, que evidenciem riscos ainda que se trate de cenários sem ilicitudes patentes, não só auxilia na criação da desejada cultura corporativa, como também contribui para evitar investigações e responsabilização em procedimentos administrativos ou penais.

À complexidade da análise das condutas, que é significativa por si só, somam-se o crescimento do novelo normativo e a multiplicação de competências, que devem ser contemplados em um programa de integridade. A recente edição da Medida Provisória 784/17, que deu ao Banco Central e à CVM o poder de celebrar acordos de leniência, se insere nesse contexto. As duas instituições passam a integrar o rol cada vez mais amplo de órgãos legitimados para negociação desse tipo de acordo. Vale ressaltar que a MP, na sua redação atual, fala em extinção das ações de natureza administrativa por meio da leniência, mas não na extinção da punibilidade criminal. Portanto, o modelo implicará necessidade de coordenação com o Ministério Público para que as pessoas físicas que subscreverem os acordos não estejam expostas à responsabilização penal — o que, no limite, pode acabar desencorajando empresas a utilizar o instrumento. Para além de tarefa do departamento jurídico, que deverá lidar com os desafios de negociar acordos em diversas esferas, o compliance é ferramenta essencial para detectar riscos, prevenir ilícitos e facilitar a negociação de acordos com o poder público.

Programas de compliance são aliados nas tarefas de prevenção de condutas, mas, na medida em que não têm a capacidade de eliminar completamente os riscos, auxiliam também na complexa estruturação de frentes de negociação com as autoridades públicas em casos em que os ilícitos venham a ocorrer — uma tendência que teve início com o estabelecimento dos acordos de leniência na defesa da concorrência, ganhou escala com a política de combate à corrupção e agora alcança também o sistema financeiro. O setor privado precisará se adequar para lidar com esse tipo de interação, antes restrita a um ramo bastante específico do direito econômico. A experiência adquirida no sistema brasileiro de defesa da concorrência tem muito a ensinar.


*Vinicius Marques de Carvalho ([email protected]) é professor do departamento de direito comercial da USP e ex-presidente do Cade


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