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Debênture com destino certo
Títulos de dívida de projeto se revelam uma opção de financiamento promissora para os investimentos em infraestrutura

, Debênture com destino certo, Capital AbertoElas são bastante usadas em países como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Reino Unido. No Brasil, a despeito do crescimento do mercado de capitais nos últimos anos, as debêntures de sociedades de propósito específico (SPEs) — ou “project bonds”, como são conhecidas em inglês — capitalizam pouquíssimos empreendimentos. Na última década, apenas duas emissões brasileiras desse tipo de título se destacaram: a da Companhia Petrolífera Marlim, SPE administrada pela Petrobras, com volume de R$ 1 bilhão; e a da Concessionária Rota das Bandeiras, de R$ 1,1 bilhão. Mas esse cenário pode mudar. No fim do ano passado, o então presidente Lula anunciou um pacote de medidas para incentivar o mercado de capitais a fornecer crédito de longo prazo para empreendimentos de infraestrututura. Com a proximidade da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, o Brasil precisa urgentemente tirar da gaveta projetos vitais para o desenvolvimento do País.

Por oferecer dinheiro barato, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é a primeira fonte de crédito procurada pelos empreendedores. No entanto, o banco estatal deixou claro que não tem caixa suficiente para financiar todas as grandes obras que o Brasil terá de construir, e é aí que o mercado de capitais pode ganhar terreno. Não por acaso, o governo está se mexendo. Em seu pacote, reduziu a zero a alíquota do imposto de renda sobre os rendimentos de debêntures de SPEs adquiridas por investidores pessoas físicas e estrangeiros. No caso das pessoas jurídicas, a alíquota caiu de 34% para 15%. Até o momento, não foram lançados títulos de dívida de projetos desenhados para receber esse benefício fiscal. “Mas temos recebido muitas consultas sobre o assunto”, garante Alexandre Barreto, sócio do Souza Cescon.

Não é qualquer tipo de debênture de SPE que poderá receber os incentivos fiscais. Primeiro, o projeto tem de ser considerado prioritário pelo Poder Executivo Federal. Depois, a emissão deve ser estruturada de acordo com as características descritas na Medida Provisória 517/10. De acordo com a MP, as debêntures precisam, dentre outras coisas, ter prazo médio superior a quatro anos e pagar taxa de juros prefixada vinculada a um índice de preço. Para oferecer liquidez aos papéis, o governo se comprometeu a estimular a formação de um mercado secundário. A proposta é que até três pontos percentuais do recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo das instituições financeiras sejam destinados a criação de um fundo de liquidez para esses títulos.

A Rota das Bandeiras fez sua emissão no ano passado, meses antes de o governo anunciar o pacote

A Concessionária Rota das Bandeiras fez sua emissão no ano passado, meses antes de o governo anunciar o pacote de incentivos. Criada pela Odebrecht TransPort para explorar a concessão do Corredor D. Pedro I, conjunto de cinco rodovias que liga Jacareí à região metropolitana de Campinas, em São Paulo, a SPE conseguiu vender R$ 1,1 bilhão em debêntures pagando uma remuneração equivalente à variação da inflação medida pelo IPCA mais 9,57% ao ano até 2022. Apesar de um prazo de vencimento longo para os padrões de ofertas brasileiras, o preço da debênture saiu no teto da faixa prevista, surpreendendo até mesmo os bancos coordenadores, que estimavam um piso de R$ 600 milhões para a oferta.

O dinheiro permitiu à concessionária quitar integralmente um empréstimo-ponte com vencimento de 18 meses feito em maio de 2009, com um conjunto de cinco bancos. Os recursos obtidos serviram para custear a outorga fixa da concessão, cujo valor não pode ser financiado pelo BNDES. “Com o que captamos, conseguimos antecipar o pagamento dessa dívida para outubro de 2010”, conta Lucas Cive Barbosa, diretor financeiro da Rota das Bandeiras. Isso representou uma boa economia para a concessionária. Na época da operação, o empréstimo-ponte custava 15,92% ao ano, enquanto as debêntures saíram a 14,87%.

Márcio Lutterbach, sócio da área de finanças corporativas da KPMG no Brasil, acredita que as debêntures podem servir, principalmente, para as SPEs suprirem a carência de crédito que têm na fase inicial do projeto, quando não costumam contar com o financiamento do BNDES. “Dependendo do caso, a liberação dos recursos pelo banco estatal pode demorar até dois anos”, afirma o executivo. No caso da Rota das Bandeiras, a ajuda do banco estatal veio em julho de 2010, praticamente um ano e meio depois de a empresa ter vencido o leilão para explorar a concessão.

A SPE é interessante quando o risco da patrocinadora não é bom, mas o do projeto é

As garantias dadas ao BNDES foram as mesmas oferecidas aos debenturistas. “Esse foi um dos grandes atrativos da operação”, enfatiza Barbosa. Assim, em caso de default, tanto o banco estatal quanto os investidores têm direitos iguais, sem preferência de um sobre o outro. Em uma eventual inadimplência, eles podem penhorar as ações da SPE e usufruir os direitos creditórios decorrentes da prestação dos serviços de exploração, operação, conservação e construção da malha rodoviária do Corredor Dom Pedro I. Além disso, podem se beneficiar dos direitos emergentes da concessão, inclusive os relativos a indenizações a serem pagas pelo poder concedente no fim do contrato.

RISCO ISOLADO — A captação da Rota das Bandeiras é um exemplo típico de financiamento “non-recourse”. Isso significa que as garantias oferecidas pela empresa patrocinadora — no caso da Rota, a Odebrecht TransPort — está limitada aos ativos e recebíveis da SPE. “O risco do projeto fica isolado na sociedade de propósito específico, que tem uma pessoa jurídica diversa das sócias que dela participam”, diz Eduardo Lima, responsável pela área de infraestrutura e financiamento de projetos do Lefosse Advogados. Isso faz com que a constituição de uma SPE seja interessante, por exemplo, em situações na qual o risco da empresa patrocinadora não é tão bom, mas o do projeto é.

E se o projeto falhar e as garantias oferecidas pela SPE não forem suficientes para quitar a dívida com os credores? “Nesses casos, o comum é haver o refinanciamento do projeto, com o alongamento do prazo para pagamento da dívida”, explica Barreto, sócio do Souza Cescon. “A última coisa que o financiador quer ver é o projeto morrer. Afinal, esse é o principal meio de ele conseguir se pagar”, analisa o advogado. Em projetos que envolvem serviços de utilidade pública, lembra Barreto, não há nem como vender os ativos. Entrar na seara da desconsideração da personalidade jurídica com o intuito de atacar o patrimônio dos sócios do projeto também não é um caminho provável. “Os credores só teriam esse direito se houvesse indício de operação fraudulenta”, esclarece Erik Oioli, sócio do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados.

Por isso é importante o investidor avaliar bem onde está pisando antes de se tornar credor de uma SPE. É preciso ficar atento a quem são os patrocinadores por trás do projeto e qual será a empresa responsável por fazer a construção das obras, porque atrasos podem complicar o fluxo de pagamentos. Além disso, projetos que ainda não foram erguidos (denominados, em inglês, de greenfield) costumam ser mais arriscados do que aqueles já executados. Na seção de fatores de risco do prospecto, é possível ter uma boa ideia dos problemas que os debenturistas podem enfrentar. A Rota das Bandeiras alerta os investidores, por exemplo, para o fato de as ações da SPE dadas em garantia não terem liquidez. Registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como companhia aberta de categoria B, as ações da concessionária não podem ser negociadas em mercados regulamentados de valores mobiliários. “É uma mudança de paradigma, na qual o investidor deixa de analisar companhias e começa a analisar projetos”, observa Diego Carneiro Barreto, professor de finanças na pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV).

GARANTIA ACESSÓRIA — Apesar de o financiamento do tipo “non-recourse” ser o mais habitual, nada impede que os patrocinadores do projeto emitam debêntures com uma garantia acessória, como uma fiança, com o objetivo de deixar os credores mais confortáveis. Foi o que fez a concessionária Ecopistas, sociedade de propósito específico montada pela Ecorodovias Concessões para administrar e operar o Sistema Ayrton Senna/Carvalho Pinto, ligação da região metropolitana de São Paulo com o Vale do Paraíba. Em sua emissão de debêntures realizada no mês passado, a Ecopistas captou R$ 350 milhões para refinanciar uma emissão de notas promissórias. Os títulos têm vencimento de cerca de 12 anos.

Diferentemente da emissão da Rota das Bandeiras, cujas garantias eram limitadas ao projeto, a oferta da Ecopistas prevê uma fiança temporária oferecida pela Ecorodovias Concessões, patrocinadora do empreendimento. A fiança deve ser liberada quando a Ecopistas tiver cumprido com cláusulas financeiras restritivas de alavancagem por um período de 24 meses consecutivos. Segundo projeções da Moody’s, agência de rating que classificou o risco da oferta, a Ecopistas não será capaz de cumprir essas obrigações antes de 2015, devido aos investimentos elevados que precisa fazer. Após esse período, o crescimento esperado nos volumes de tráfego deve fortalecer a geração de caixa da empresa e diminuir sua alavancagem.

Oferecer uma garantia acessória é uma maneira de aumentar o rating dessas emissões. A Moody’s, em seu relatório, destaca que as notas Ba1, na escala global, e Aa2.br, na nacional, atribuídas aos R$ 350 milhões em debêntures seniores emitidos pela Ecopistas estão um nível acima da avaliação da própria SPE para refletir a fiança solidária da Ecorodovias Concessões. A Moody’s afirma que o histórico limitado dessa concessão recém-adquirida, o elevado nível de endividamento e os altos investimentos nos próximos cinco anos limitam o rating da Ecopistas, assim como a forte competição com uma rota alternativa, a Rodovia Presidente Dutra, operada pela NovaDutra.

Considerando as melhorias que precisarão ser feitas nas rodovias existentes e a construção de novas pistas, a Moody’s estima que a Ecopistas terá um custo de cerca de R$ 600 milhões nos seis primeiros anos de concessão. O BNDES deverá financiar aproximadamente 60% das necessidades de investimento. No fim de 2010, o banco aprovou um empréstimo de longo prazo de R$ 355,4 milhões, que compartilhará as mesmas garantias das debêntures.

Oferecer uma garantia acessória é uma maneira de aumentar o rating das emissões

O diretor financeiro da Rota das Bandeiras lembra que conseguir um rating alto nessas emissões é fundamental quando os investidores-alvo da oferta são fundos de pensão. “As fundações não podem adquirir papéis com qualquer classificação de risco. Há um rating mínimo que precisa ser respeitado”, diz Barbosa. Os fundos de investimento, as entidades de previdência privada e as seguradoras foram os principais compradores da oferta da concessionária. Segundo o diretor, o pagamento de taxa de juros prefixada, vinculada a índice de preço, caiu como uma luva tanto para as fundações, que têm sua meta atuarial corrigida pelo IPCA, quanto para a Rota das Bandeiras, cujo contrato de concessão é reajustado por esse mesmo fator.

Sergio Bronstein, sócio do Veirano Advogados, firma que assessorou a Rota das Bandeiras na emissão de debêntures, revela que, atualmente, possui dois clientes interessados em montar debêntures similares à da concessionária. Para que esse mercado floresça, é preciso, antes de tudo, que oferta e demanda se encontrem. Uma política econômica capaz de reduzir as taxas de juros dos títulos públicos é vital para o mercado de dívida privado ganhar atratividade entre os investidores. O governo, contudo, já sinalizou que o combate à inflação deve exigir uma alta dos juros. Desde o início do ano, a Selic aumentou 1 ponto percentual.

Considerando o cronograma acelerado de projetos que terão de ser cumpridos nos próximos anos, é quase impensável o mercado de capitais não ajudar o BNDES na tarefa de financiar novas obras. A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib) calcula que, até o fim do governo Dilma, o Brasil precisará investir R$ 160 bilhões por ano em infraestrutura. “O BNDES sempre vai ter um papel relevante no financiamento de projetos dessa natureza. Mas o mercado de capitais tem capacidade de oferecer crédito em quantidade muito maior que o banco estatal. Estamos falando da poupança pública do País todo”, ressalta Barreto, do Souza Cescon.


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