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A questão é outra
O verdadeiro problema do artigo 118 da Lei das S.As
Isabella Saboya*

Isabella Saboya*

Desde que a reforma de 2001 introduziu no artigo 118 da Lei das S.As. os parágrafos 8º e 9º, é intenso o debate sobre o chamado “voto vinculado”, aquele ligado a uma reunião prévia do conselho de administração. A polêmica sempre girou em torno do temor de perda de independência e de responsabilidade individual dos conselheiros com a adoção dessa prática. Mas os conceitos de governança corporativa evoluíram no mercado brasileiro, e não acredito que essa suposta perda de independência e de responsabilidade deva continuar sendo o cerne da questão — especificamente no caso da responsabilização individual, é crescente a tendência de instauração de inquéritos, na esteira da multiplicação das ilicitudes corporativas.

A meu ver, o verdadeiro problema do artigo 118 é outro: o fato de a vinculação de voto ocorrer necessariamente por meio de reunião prévia do conselho de administração, o que desvirtua a razão de ser dessa instância num sistema eficiente de governança corporativa.

Por que códigos de governança corporativa — aqui e no mundo todo — recomendam um percentual mínimo de membros independentes nos conselhos? O objetivo é exatamente aumentar a eficácia e a legitimidade das decisões do conselho e, assim, alavancar a importância desse órgão de deliberação colegiada. Membros independentes desempenham papel crítico na administração de conflitos de interesses, garantem um grau de isenção imprescindível à qualidade das decisões — são frequentemente os agentes propulsores do pleno funcionamento dos conselhos, como bem invocam as melhores práticas de governança. Pela lógica, então, se os conselheiros independentes não participam de reuniões prévias do conselho, torna-se patente o esvaziamento da relevância desse grupo, o que compromete todo o sistema de governança das companhias que adotam a prática.

O conselho das companhias adeptas do voto vinculado deveria ser formado apenas por conselheiros indicados por signatários de acordos de acionistas, o que evita que se gaste tempo, dinheiro e energia na montagem de um grupo que tem pouca ou nenhuma chance de funcionar de fato.

A reunião prévia desvirtua a razão de ser do conselho de administração

A reunião prévia provoca situações absurdas, nas quais mesmo na hipótese de o conselheiro independente conseguir convencer os demais sobre seu ponto de vista simplesmente não é possível mudar uma decisão preestabelecida. Num caso como esse, o assunto acaba ficando para uma reunião futura do conselho — às vezes meses à frente, se a companhia continua a promover apenas as protocolares reuniões trimestrais.

As companhias com controle definido garantem a seus controladores a maioria do conselho e, por isso, eles sempre poderão dirigir os negócios. Se não há confiança entre os signatários de um acordo de acionistas, esse não é o tipo de problema que deve ser levado para o âmbito do conselho — é questão de acionistas, não de conselho. Certamente os advogados societários podem elaborar soluções para neutralização da falta de confiança dentro de um grupo de controle, de forma a não prejudicar tanto a eficácia do conselho e de todo o sistema de governança corporativa.

O código de melhores práticas de governança do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e o recém-lançado Código Brasileiro de Governança Corporativa para companhias abertas falam expressamente que acordos de acionistas não devem “conter limitação ou vinculação de competências e atribuições do conselho de administração”. Trata-se exatamente disso: a reunião prévia que tem origem no voto vinculado de conselheiro esvazia boa parte ou quase todas as competências e atribuições do conselho.

Os opositores dessa recomendação dos códigos argumentam que, na ausência de uma reunião prévia oficial disposta em acordo, haveria uma reunião prévia “informal” com os mesmos conselheiros indicados pelas partes de um acordo de acionistas. Nenhum problema nisso. Encontros e interações de conselheiros que não são reconhecidos como reunião de conselho na sua forma legal compõem apenas um alinhamento prévio entre indivíduos e não produzem um documento que se tornará pauta única obrigatória da futura reunião de conselho.

Assim, os conselheiros não indicados por signatários de acordo de acionistas podem propor itens de pauta e mantêm sua chance de expor seus pontos de vista, favorecendo o debate e aumentando a chance de uma decisão informada, refletida e desinteressada (os três pilares do pleno cumprimento do dever de diligência dos administradores). Para as companhias que desejam fazer parte da elite na adoção das melhores práticas de governança corporativa, não há mais espaço para essa arcaica reunião prévia de conselho estabelecida em acordo de acionistas.


*Isabella Saboya, vice-presidente do conselho de administração do IBGC


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