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Chute polêmico
Companhias que receberam empréstimos do coordenador antes do IPO oferecem retorno menor para o acionista

, Chute polêmico, Capital Aberto

 

Os indícios começam a aparecer. O relacionamento estreito entre os emissores de ações e os bancos coordenadores, alvo constante de discussão, pode ser nocivo para o mercado. Dentre as 104 companhias que abriram o capital entre 2004 e 2008, o grupo das que receberam um empurrão por meio do chamado equity kicker — empréstimo concedido pela instituição coordenadora às vésperas do IPO — registrou um retorno menor, no período de um ano após a estreia, do que aquelas sem dívidas com os intermediários. Essa é a conclusão do estudo intitulado Underwriters fuelling going public companies? Evidence of conflict of interest in the Brazilian 2004-2007 IPO wave, realizado pelos professores Rafael Santos, Lucas de Barros e Alexandre Di Miceli, da Universidade de São Paulo.

No período analisado, 28 empresas contaram com o equity kicker, em empréstimos que totalizaram aproximadamente US$ 4,6 bilhões. Com base nas informações públicas dessas companhias, os pesquisadores calcularam a média do retorno total para o acionista (variação na cotação dos papéis mais os proventos — TSR, na sigla em inglês) das empresas com equity kicker durante os 12 meses após o IPO. O resultado ficou 42% abaixo do obtido por outras companhias. As conclusões sugerem que, quando há um equity kicker, a ponta prejudicada pela relação dos bancos de investimento com a empresa emissora é o investidor.

A avaliação de desempenho após o IPO é fundamental para observar o conflito de interesse existente nesse tipo de financiamento. A priori, pode-se intuir que o empréstimo potencializa um conflito inerente à relação entre o banco e o investidor. Como o banco é remunerado com um percentual do recurso levantado, ele está, em princípio, incentivado a buscar preços maiores na oferta, contrariando o interesse do investidor. Se, além de prestar o serviço, a instituição encontra meios de “dourar” o ativo a ser ofertado, engordando a companhia com empréstimos, abre-se mais um espaço para que os interesses do banco e do investidor sejam dissonantes. Toda essa suspeita, contudo, só ganha substância quando confirmado o malefício concreto dessa prática — justamente o que fez o estudo.

Os maiores riscos do equity kicker estão em seu potencial para criar incentivos errados. Ao turbinar o caixa de uma companhia com empréstimos, o banco amplifica o valor do IPO sem qualquer compromisso com o que virá depois da injeção de capital. Por isso, faz-se frequentemente a alusão à ideia de “embelezar a noiva”. O empréstimo pode não passar de uma maquiagem com efeitos de curtíssimo prazo, incapaz de sustentar a beleza aparente por um tempo maior. Tal situação, afirmam os pesquisadores da USP, diminui o espaço de ganho do acionista no período pós-IPO.

, Chute polêmico, Capital AbertoO exemplo do BIC Banco ilustra bem como funciona o equity kicker. Em outubro de 2007, a instituição lançou R$ 822 milhões em ações, sendo R$ 492 milhões relativos à oferta primária. O montante quase dobrou o patrimônio líquido da instituição em relação a 2006, quando a mesma linha do balanço estava em R$ 552 milhões. Cinco meses antes do IPO, o BIC havia recebido um empréstimo de R$ 400 milhões do banco suíço UBS, equivalente a 70% de seu patrimônio. Se o risco pareceu ser grande, a remuneração não deixou por menos. O UBS, além de credor do BIC, foi também o coordenador líder da oferta. Pelo contrato, o BIC era obrigado a pagar um prêmio de R$ 69,5 milhões ao UBS caso a cotação do papel no IPO fosse de R$ 11,5 — e o preço de estreia foi exatamente esse. Havia também a comissão de R$ 17,8 milhões aos intermediários.

A operação é conveniente para o banco de investimento, o emissor e o acionista controlador. No caso do BIC, o primeiro concedeu um empréstimo de R$ 400 milhões, com baixo risco, para recebimento em 36 meses. O emissor ganhou a chance de se capitalizar com investidores — o que, sem o empréstimo, não teria sido possível. E o acionista controlador teve a possibilidade de vender uma parte das suas ações na crista da onda, a um preço formidável. A inteligência por trás do equity kicker está no fato de que a companhia não conseguiria o empréstimo se não abrisse o capital, e tampouco poderia realizar o IPO sem a injeção de recursos. “Algumas empresas não tinham o tamanho necessário para o IPO e preferiram enxertar o equity kicker em seus balanços. Tudo para não perder a janela de oportunidade que não se via há muito tempo”, resume Di Miceli.

O volume foi tão grande que, de empréstimo em empréstimo, os bancos de investimento ficaram com cerca de 30% de todos os recursos levantados em IPOs entre 2004 e 2007. “A quantidade de empresas utilizando esse recurso chamou a atenção”, lembra Pablo Renteria, assessor econômico para assuntos regulatórios da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Foi esse o ponto que motivou a autarquia a estudar a experiência internacional sobre o assunto. “Não há nada de ilegal no equity kicker, mas é uma prática que merece ser acompanhada de perto”, ressalta. Em outros países, a participação do banco coordenador é limitada pelas regras da autorregulação. Diante da referência internacional, a autarquia solicitou que a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) estudasse uma medida. Em entrevista publicada pela CAPITAL ABERTO em fevereiro deste ano, o presidente da Anbid, Marcelo Giufrida, disse que a decisão sobre os limites de participação do banco coordenador líder numa oferta deveriam ser decididos em breve — o que, até o fechamento desta edição, não tinha acontecido.

A minuta posta em audiência pública pela associação sugeriu que o banco detentor de 10% ou mais do capital social do emissor e/ou beneficiário de montante superior a 20% da oferta não possa ser o líder. Nesse caso, seria necessária a contratação de outro intermediário. A regra proposta, segundo o escritório Shearman & Sterling, segue a prática norte-americana. Lá a entidade de autorregulação Financial Industry Regulatory Authority (Finra) determina às instituições filiadas que contratem outro banco para liderar a coordenação da emissão de uma empresa na qual tenham mais de 10% da dívida e/ou do capital social. Mas caso fiquem com mais de 10% do valor levantado pela oferta, não há necessidade de contratar um concorrente. “A Finra sugere apenas que essa relação do coordenador com a companhia esteja clara no prospecto”, explica Claudio Oksenberg, do Shearman & Sterling.

Na Alemanha, país conhecido pela pouca proteção aos acionistas minoritários, não há nada específico sobre o assunto. No maior mercado da Europa, a Inglaterra, a reguladora Financial Service Authority (FSA) tem uma regra geral sobre partes relacionadas onde pode se encaixar o banco de investimento financiador do equity kicker. Um dos entendimentos determina apenas a divulgação de contratos com partes que detenham mais de 10% do capital votante, sem a necessidade de contratação de outro intermediário.

O advogado José Eduardo Queiroz, do escritório Mattos Filho, acredita que a transparência na divulgação das condições do equity kicker é suficiente para resolver o impasse. O investidor pode tomar a decisão de participar ou não da oferta, sabendo das condições. “Se alguém disser que o investidor não conseguirá entender um empréstimo, entraremos num campo perigoso. Num prospecto, há partes muito mais complicadas, como os fatores de risco.” Desde o segundo semestre de 2007, o documento da oferta traz informações detalhadas sobre a relação da instituição líder com a emissora, de acordo com uma recomendação da Anbid lançada após um pedido da CVM.

José Diaz, do escritório Demarest e Almeida, acredita que os limites não irão representar tantos transtornos. Dentre as ofertas de ações que acompanhou, Diaz só se lembra de uma em que seria obrigatória a contratação de um novo líder devido aos limites propostos pela Anbid. Desse modo, fica a impressão de que o sarrafo de 10% do capital social e/ou 20% do montante da oferta é alto, o que deixa espaço confortável para a atuação dos bancos. Além disso, a regra só vale para o líder da operação. Ou seja, a instituição estará apta a conceder o empréstimo além dos parâmetros definidos se for apenas uma das coordenadoras. “As ofertas ruins que analisamos continuariam a existir mesmo que a regra estivesse em vigor. A proposta é boa para os afiliados da Anbid”, alfineta Di Miceli.

O professor propõe que a CVM institua uma regulamentação sobre o assunto. Mas, por melhor que ela seja, uma coisa é certa: a discussão sobre o comportamento dos bancos de investimento, como se vê, está longe do fim. Tendo ou não equity kicker, com ou sem limites para a participação na oferta, essas instituições continuarão a ter interesses conflitantes com a pretensão dos investidores. Essa pode até ser uma questão nova no Brasil, cujo mercado de capitais refloresceu há pouco tempo, mas é velha conhecida de outros países. Lá, os bancos já descobriram que equilibrar essa dualidade é uma das suas funções, principalmente porque os investidores representam grande fonte de receita em seus resultados. É uma solução difícil, mas necessária. A experiência e o estudo mostram que a conta sempre vem com o tempo.

Se o banco é acionista, o resultado é outro


Nem todos os resultados do estudo condenam o relacionamento do coordenador líder com a companhia emissora. Nos casos em que um banco era acionista relevante da empresa, o desempenho no primeiro dia de negociação das ações após o IPO foi melhor que o do grupo de companhias sem essa característica. As ações das 14 empresas que se encaixavam nesse perfil subiram, em média, 12% no primeiro dia. As outras que abriram o capital no período entre 2004 e 2007 tiveram alta de 4%.

Segundo o professor Alexandre di Miceli, uma das hipóteses é que, nessas situações, diferentemente do que
ocorre quando o banco faz um empréstimo para o lançamento das ações, o IPO sai a um preço bom para o investidor, com espaço para a valorização do papel nos dias seguintes. “É um sinal de que o banco acredita no que vende”, afirma o acadêmico.

O estudo mostra ainda que o volume do empréstimo também influencia o desempenho pós-IPO. Quanto maior a cifra do equity kicker, mais o retorno total do acionista (TSR) recua. O dado, segundo os autores, corrobora a tese de que o financiamento embeleza a empresa, tornando elevado o seu valor de mercado no IPO, mas prejudica o retorno do investidor, que tem menos potencial de valorização.


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