A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) iniciou a reforma das regras aplicáveis à indústria de securitização com a abertura da consulta pública a respeito de um normativo para os certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs). Trata-se da primeira norma específica para o produto. Apesar de o papel ter sido criado pela Lei 11.076/04, as ofertas públicas de CRAs são desde então reguladas, por analogia, pela Instrução 414, que trata dos certificados de recebíveis imobiliários (CRIs).
Com a audiência pública iniciada no dia 15 de maio (e disponível para comentários pelos dois meses seguintes), a CVM pretende acabar com uma das maiores dúvidas envolvendo o produto: a especificação dos créditos que podem lastrear um CRA. A lei estabelece que o certificado deve estar vinculado a direitos creditórios originários de negócios feitos entre produtores rurais, incluindo cooperativas e terceiros. Ainda assim, sempre houve incertezas em relação à extensão dessa cadeia produtiva. Na audiência pública, a CVM dá sua interpretação sobre o tema. Esclarece que os CRAs podem ser lastreados em direitos creditórios originários de relações entre produtores rurais e outros produtores ou entre produtores e terceiros, como “comerciantes, beneficiadores ou indústrias de produtos agropecuários, insumos, máquinas e implementos”. A norma também admite expressamente a possibilidade de emissão de dívidas corporativas para composição do lastro, desde que fique comprovada a destinação dos recursos captados ao produtor rural.
Essa leitura referenda o aval dado pelo regulador, no ano passado, à emissão de CRAs da BK Brasil Operação e Assessoria a Restaurantes, responsável pela rede Burger King no Brasil. A oferta, no valor de 150 milhões de reais, foi lastreada em debêntures emitidas pela rede de fast food para a compra de carne in natura. A decisão foi considerada um marco, já que pela primeira vez a autarquia aceitou uma operação em que o devedor dos créditos não era um produtor rural, mas um terceiro a ele relacionado.
O esclarecimento foi bem recebido por participantes do mercado de securitização. “A questão do lastro ficou muito mais clara”, observa Fernanda Mello, sócia-diretora da securitizadora Vert. Ela observa, entretanto, que a regra deixa de fora players importantes para a cadeia do agronegócio, como os fabricantes de insumos agrícolas que não vendem diretamente para produtores e cooperativas e integrantes da cadeia logística. Sócio do Demarest Advogados, Renato Buranello vê o mesmo problema. “A norma não incorpora o conceito de produção em cadeia”, avalia. A restrição, de fato, existe. “A relação entre dois terceiros [em relação ao produtor rural], ainda que sejam integrantes da cadeia do agronegócio, não é permitida pela lei na nossa interpretação”, afirma Pablo Renteria, diretor da CVM.
Na audiência pública, a CVM também propõe a alteração do regime de apresentação de informações das emissoras dos CRAs, para dar mais transparência às ofertas e permitir que os investidores que operam no mercado secundário tenham informações atualizadas sobre os CRAs. Uma novidade nesse sentido diz respeito à elaboração, pelas companhias securitizadoras, de demonstrações financeiras auditadas de cada patrimônio separado. “No quesito transparência, a norma se aproxima do que já praticamos na indústria de fundos”, observa Flavia Palacios, diretora da RB Capital. A executiva apoia a medida, apesar de reconhecer que ela pode adicionar custos à emissão.
A norma prevê, ainda, o detalhamento das características das ofertas que podem ser destinadas ao varejo. Elas devem contar com retenção de riscos pelo cedente e os direitos creditórios devem estar performados no momento da cessão à securitizadora.
No próximo ano, a CVM prosseguirá com a reforma, revendo a instrução que regula os CRIs. A autarquia também planeja criar uma norma específica para as companhias securitizadoras, hoje equiparadas às companhias abertas. A autarquia observa, entretanto, que, como constituem patrimônio separado para as suas emissões, as securitizadoras se assemelham muito mais ao administrador fiduciário de fundos de investimento e isso tende a ser refletido na nova regra.
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