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Caminhos alternativos
Companhias apontam as práticas recomendadas que, em sua visão, não fazem sentido — e explicam por que preferem não adotá-las

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Praticar ou explicar? Eis a questão imposta anualmente às companhias listadas nas bolsas de valores do Reino Unido, terra natal do dramaturgo William Shakespeare. No sistema de regulação britânica denominado “comply or explain”, as empresas podem descumprir o UK Corporate Governance Code — o conjunto nacional de recomendações de boa governança que substitui o Combined Code a partir de julho —, desde que justifiquem cada falta cometida. A filosofia por trás dessa permissão vem de um ensinamento popular: nem sempre o que serve para um serve para outro. Por melhor que seja um manual de governança, ele jamais poderá ser seguido à risca, com a mesma eficácia, por todas as companhias.

É legítimo, portanto, tomar posições contrárias a princípios consagrados quando existem boas razões. Algumas companhias brasileiras fazem isso com convicção — e só não apresentam suas explicações às autoridades porque aqui, diferentemente do Reino Unido, não há um sistema oficial de “comply or explain”.

A fabricante catarinense de motores elétricos WEG é um exemplo. Ela não gosta dos comitês de apoio ao conselho de administração, apesar de eles serem amplamente defendidos por especialistas em governança corporativa. E se sente confortável em não implementá-los. Em sua opinião, já manifestada na seção Pratique ou Explique da CAPITAL ABERTO, o conselho de administração, devido a sua relevância na estrutura de governança, deve promover as discussões que embasarão decisões com todos os integrantes a postos, e não em subgrupos.

Para a Natura, seu comitê de auditoria agrega mais valor da forma como está, sem os independentes exigidos pela SOX

Para apoiar as decisões do conselho, a WEG mantém uma série de grupos de trabalho. São 66, formados por quatro a seis funcionários cada, pertencentes a diversas áreas. Eles se encontram em bases semanais, quinzenais ou mensais, e o resultado de suas avaliações dá suporte ao trabalho da diretoria e do conselho. Esse modelo, implementado há mais de 40 anos, proporciona, na visão da companhia, muito mais segurança ao processo decisório do conselho do que a criação de comitês. “Esse sistema de trabalho é bastante sedimentado e sólido. Dá mais rapidez e segurança. Não temos planos de mudá-lo”, afirma Laurence Beltrão Gomes, diretor financeiro e de relações com investidores (RI) da empresa.

O Itaú Unibanco, por sua vez, não vê sentido na adesão a uma câmara de arbitragem, outro princípio convencionado como boa prática. Segundo Geraldo Soares, superintendente de RI, não há conflitos entre os acionistas que motivem a adesão à câmara. Ele avalia que o banco já é visto como praticante da boa governança: “Todo o trabalho de transparência e prestação de contas que exercemos é mais importante do que a adesão à câmara de arbitragem ou a emissão exclusiva de ações ordinárias”, afirma.

Se aderisse à câmara de arbitragem, o Itaú poderia pular para o Nível 2 de governança corporativa da BM&FBovespa, que exige a escolha desse fórum para solução de conflitos com os acionistas minoritários. Se tivesse só ações ordinárias, estaria apto a conquistar uma vaga no Novo Mercado, o mais elevado segmento de governança da Bolsa. Por enquanto, as ações do banco são negociadas no Nível 1, já considerado ultrapassado. “Só iremos para o Nível 2 quando essa mudança gerar valor para os acionistas”, assegura Soares. “A governança lida com uma área cinza. Em princípio, algumas coisas são melhores que as outras, mas nada é absoluto”, endossa Ricardo Pereira Câmara Leal, professor do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

, Caminhos alternativos, Capital AbertoOutro exemplo é o da Natura, que, no momento, não vê sentido em ter a maioria do comitê de auditoria formada por independentes. Em preparação para listar suas ações na
Bolsa de Nova York, a companhia precisaria ter o comitê composto, em sua maioria, de membros independentes para atender à Lei Sarbanes-Oxley. A fabricante de cosméticos, no entanto, entende que agrega muito mais valor aos acionistas mantendo a atual composição do comitê, que não obedece ao pré-requisito da lei. “Não faria sentido remontar o comitê com outras pessoas, pois ele foi muito bem constituído e é bem secretariado”, reconhece
Moacir Salzstein, diretor de governança corporativa da empresa. Para ele, a independência dos membros do comitê não traria, necessariamente, uma melhora na governança para uma companhia como a Natura, que não é controlada por apenas uma família. A alternativa em estudo é a criação de um conselho fiscal “turbinado”, que cumpra os requisitos da SOX, mas cujas atribuições não entrem em conflito com as do comitê. Essa solução é aceita pela Securities and Exchange Commission.

GOVERNANÇA DE QUALIDADE — Se existisse oficialmente no Brasil, o sistema “pratique ou explique” exigiria que as empresas viessem a público prestar contas de suas escolhas em governança. Mas, em contrapartida, os investidores, ao avaliar essas explicações, poderiam entender as companhias com maior profundidade e melhorar a qualidade de suas análises.
“Isso incentivaria o comportamento responsável das empresas”, sugere Sandra Guerra, sócia da consultoria Better Governance. Contudo, o grande desafio do modelo, e com o qual os ingleses vêm se deparando, é fazer com que as explicações sejam realmente relevantes, diz Sandra.

A CAPITAL ABERTO vivencia essa dificuldade todos os meses. Na coluna Pratique ou Explique, as companhias que não seguem determinada prática recomendada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) são procuradas para se explicarem. Muitas o fazem com respostas vagas ou sucintas demais, outras simplesmente ignoram a demanda. Seria um sinal de que o País não está pronto para esse nível de transparência, diferentemente de jurisdições da Europa e da América Latina que abraçaram a ideia?

, Caminhos alternativos, Capital AbertoAs razões para a não adoção do “comply or explain” no Brasil podem estar na falta de amadurecimento do nosso mercado, mas, também, na ausência de alguma instituição que se disponha a implementar esse regime. Em 2002, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou uma cartilha de governança corporativa e sugeriu que as empresas que não adotassem as práticas previstas no documento explicassem as razões para tal. No entanto, esse requisito não era obrigatório e não havia no antigo IAN (relatório anual que as companhias entregavam à autarquia) nenhum campo específico para isso. A iniciativa foi solenemente ignorada pela maior parte das empresas.

Em fevereiro passado, o colegiado da CVM discutiu se a cartilha deveria ser atualizada, mas chegou à conclusão de que a revisão não valeria a pena. “O próprio mercado é mais ágil em adaptar seus códigos às mudanças”, diz Maria Helena Santana, presidente da autarquia.
Embora alguns especialistas vejam a implantação de um “pratique ou explique” obrigatório, nos moldes ingleses, como um papel da CVM, Maria Helena sustenta que a autarquia não está convencida de que deveria levar essa tarefa a cabo, ao menos por enquanto. “Com o Formulário de Referência, já criamos muitas obrigações novas de prestação de informações que não eram organizadas pelas companhias”, explica.

O IBGC também considerou a adoção de um “comply or explain” para as empresas associadas à entidade. O tema veio à tona recentemente, durante a revisão do código que entrou em vigor em novembro de 2009, mas os opositores da ideia acabaram vencendo. O argumento mais forte foi o de que o instituto sempre trabalhou com práticas voluntárias e por isso conquistou a adesão maciça das companhias. “Pessoalmente, sou favorável ao ‘pratique ou explique’. O mercado está amadurecendo em termos de governança, e talvez chegue o dia em que isso possa acontecer”, prevê Heloísa Bedicks, superintendente do IBGC.

Alguns consideram que estaria ao alcance da BM&FBovespa, na reforma dos níveis diferenciados de governança corporativa — Níveis 1 e 2 e Novo Mercado — implantar o “pratique ou explique”. O sistema, no entanto, não consta da proposta de reforma em andamento.


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