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“Brasis” em série
Por que as holdings setoriais nascidas para consolidar conquistaram os corações de banqueiros, gestores de fundos e analistas

Os executivos dos bancos de investimento gostam de chamá–la — para não perder o costume de usar termos em inglês — de roll up. Mas poderiam dizer apenas “consolidação”. Trata–se de uma estratégia inteligente: identificar um segmento fragmentado, desprovido de um grande participante, e criar uma holding para fazer sucessivas aquisições de pequenas empresas, todas com forte potencial de geração de caixa. Seus antigos donos tornam–se sócios da companhia consolidadora. E a holding é, então, listada na Bolsa de Valores, após uma oferta pública inicial de suas ações (IPO, na sigla em inglês). A fórmula foi testada e bem aceita três vezes, conforme mostraram os IPOs de Brasil Brokers, Brasil Insurance e Brazil Pharma. A mais recente “Brasil” candidata a integrar a lista, contudo, não teve sucesso. Os investidores não se dispuseram a pagar o preço estabelecido no bookbuilding das ações da Brasil Travel, que tentou abrir o capital em fevereiro. Estaria o roll up esgotando seu poder de sedução? Não, ao menos não é isso o que parece.

A ideia de consolidar mercados pulverizados é antiga. Foi amplamente praticada nas décadas de 1990 e 2000 por gestores de private equity como o Patrimônio (atual Pátria Investimentos), que fez isso, por exemplo, no setor de laboratórios, por meio da Dasa. A diferença da temporada atual de roll up é que a holding chega à Bolsa recém–constituída, e os ganhos de escala e sinergia são capturados ao longo do tempo, após a listagem. As consolidadoras são frequentemente patrocinadas por fundos de private equity, que investem nelas antes da abertura de capital. Brasil Brokers e Brasil Insurance receberam recursos da Gulf Capital; a Brazil Pharma, do BTG Pactual. O fundo FIP Dalty, administrado pelo Banco Modal e gerido pela Plural Capital, atuou na Brasil Travel.

Uma das vantagens do modelo roll up é que ele permite a arbitragem de múltiplos: a consolidadora paga preços baixos pelas empresas adquiridas, já que elas são pequenas, mas consegue lançar ações na Bolsa por valores polpudos devido ao seu porte e à estrutura de transparência e governança desenvolvida para o IPO. Outro atrativo advém da sinergia e do ganho de escala. É possível montar uma única estrutura administrativa, financeira, de controle e de sistemas para atender às várias empresas que fazem parte da holding e, com isso, diluir custos fixos. A companhia constituída de participações em outras menores também ganha acesso a capital mais barato e cria uma marca forte. Como realiza suas compras preponderantemente por meio da troca de ações, que estão cotadas na Bolsa, não se endivida fortemente e mantém a alavancagem sob controle.

SINCRONIA PERFEITA — O principal risco desse tipo de estrutura é não superar o desafio principal: fazer o todo ser mais valioso que a soma das partes existentes antes da consolidação. “O segredo não é a compra das empresas, mas a integração delas”, afirma Carlos Asciutti, sócio da Ernst & Young Terco. É necessário colocar os sistemas e processos em uma plataforma comum e ter a mesma qualidade de atendimento ao cliente em todas as empresas adquiridas. Os ganhos de sinergia não se materializarem é uma possibilidade, assim como os antigos sócios perderem o interesse pelo negócio após se tornarem acionistas de uma grande empresa — ou, pior, viverem em constante discórdia.

“O ponto crítico é escolher empresas com complementaridade e compromisso na hora de fazer as aquisições; e, mais importante ainda, unir as pessoas que até então não eram sócias para buscar um objetivo comum”, diz Evaldo Fontes, sócio fundador da butique de investimentos Araújo Fontes. Para ele, é fundamental que a empresa recém–criada, uma holding que ainda não tem “alma”, conte com uma figura centralizadora para conduzi–la — o fundo de private equity que investe nela, por exemplo. Caso contrário, as empresas adquiridas podem vir a atuar separadamente e, dessa forma, desperdiçar os cobiçados ganhos com a sinergia.

Das três companhias listadas, a Brasil Insurance é a que vem conquistando maior atenção dos investidores. A alta de 45% das ações desde o IPO, em novembro de 2010, até o último dia 23, deixou bem para trás o Ibovespa, que caiu 7% no mesmo período. Em apenas um ano e meio, desde que ingressou na Bolsa, a companhia adquiriu 14 corretoras de seguros, aumentando a sua malha para 41 corretoras. Segundo Paulo Ribeiro, analista de investimentos do HSBC, a companhia vem gerenciando suas controladas de forma eficiente: “Nesse modelo, ter um sistema de controle robusto é algo crítico para o sucesso”, ressalta.

A Brasil Insurance não centralizou sua atuação porque, nesse ramo, é importante manter presença regional. As corretoras adquiridas mantiveram os nomes com os quais operavam antes de serem compradas. Os sócios também continuaram na empresa — afinal, a corretagem no Brasil funciona à base do relacionamento pessoal do corretor com seus clientes. No alvo da Brasil Insurance estão corretoras tocadas por jovens que querem ver a companhia crescer. É importante também que esses sócios estejam dispostos a manter uma postura ativa no negócio mesmo após receber uma pequena bolada com a oferta das ações na Bolsa.

Para evitar que os antigos donos viessem a se acomodar, a Brasil Insurance implementou incentivos de longo prazo. Foi criado um veículo de incentivo, a sub–holding Verona, que recebeu parte das ações dos 27 corretores que formavam a holding em 2010, ano do IPO. Cada corretor destinou 20% de suas ações ao Verona pelo prazo de dois anos. Passado esse prazo, as ações serão redistribuídas aos corretores de acordo com a performance individual de cada uma deles. O corretor que fizer crescer mais os prêmios de seguro, por exemplo, receberá mais ações de volta. Além disso, os donos das corretoras originais foram submetidos a cláusulas de lock up: estavam aptos a vender apenas 10% dos papéis no primeiro ano; 30% no fim do segundo ano; 55% no terceiro; e 80% no quarto. Apenas quando passados cinco anos do IPO eles poderão se desfazer da totalidade dos papéis.

Apesar de ter mantido vários escritórios, devido à necessidade de estar próxima dos clientes, a Brasil Insurance conseguiu reduzir despesas administrativas ao integrar as áreas de back office e de sistemas. Mas o grande ganho de escala veio com o aumento do poder de fogo nas negociações com as seguradoras. As corretoras que formam a holding levam, juntas, muitos negócios para cada seguradora e, por essa razão, obtêm comissões volumosas. Na época do IPO, elas recebiam 12% do prêmio do seguro; após o primeiro ano, a comissão já havia subido para 14,8%. “Foi uma história de sucesso”, diz Ribeiro, do HSBC. Outra possibilidade trazida pelo modelo roll up é a chamada venda cruzada — uma corretora de seguro de vida indica um cliente para outra que trabalha com seguro de automóveis, por exemplo. “O risco, agora, é as aquisições da empresa tornarem–se mais caras. O modelo de negócios não é difícil de ser copiado”, observa o analista. As compras da Brasil Insurance tampouco têm gerado preocupações quanto ao grau de alavancagem. Elas são pagas com dinheiro e com ações ao longo do tempo.

O IPO da Brasil Insurance foi capitaneado pela Gulf Capital. Mas a experiência da gestora de private equity com o modelo começou antes, na Brasil Brokers, que atua na área de corretagem de imóveis e foi a primeira holding resultante da união de corretoras concebida com o propósito de abrir o capital. O caminho percorrido com a Brokers pode ter contribuído para que a Insurance tivesse melhor desempenho na Bolsa. Ao contrário da congênere, a holding imobiliária acumula queda de 19% em suas ações desde o IPO — o desempenho também resultou das turbulências pelas quais o setor imobiliário passou a partir de 2008. A Brokers chegou ao pregão em 2007 e, em seu modelo, não havia a estrutura de incentivos de longo prazo criada na holding de corretoras de seguros. Existia apenas a vedação, pelos sócios, da venda de ações.

Uma das vantagens do roll up é a arbitragem de múltiplos: pagar pouco pelas adquiridas e fazer o IPO por valores polpudos

A Brasil Brokers foi formada por 16 imobiliárias. Hoje conta com 26, que só recentemente passaram a operar sob a mesma bandeira. No primeiro momento, elas mantiveram os nomes das empresas conhecidas em suas regiões. A holding se beneficiou das sinergias proporcionadas pela unificação de sistemas e, em especial, pela integração comercial. Unidas, as corretoras dispõem de uma rede maior para ofertar os imóveis. A companhia também obteve ganhos na negociação com os agentes financeiros. Com isso, conseguiu oferecer crédito mais vantajoso ao cliente e aumentar a velocidade de venda dos imóveis. “A Brasil Brokers vem mostrando que as aquisições são um bom jeito de crescer no setor. Elas superam a forma orgânica, pois permitem assimilar a expertise das empresas adquiridas”, explica o analista–chefe da Coinvalores, Marco Aurélio Barbosa.

CONCEBIDA PARA SER LÍDER — A Brazil Pharma é a mais recente holding desse modelo listada na Bolsa — estreou em junho de 2011. Desde que foi fundada, em dezembro de 2009, adquiriu dez redes de farmácia, dentre elas Guararapes, Rosário, Farmais e Big Ben. A empresa concentra sua atuação nas Regiões Nordeste e Centro–Oeste. Ambas crescem mais rapidamente que a média nacional e têm margens elevadas porque suas farmácias atuam fortemente com genéricos e produtos de beleza e cuidados pessoais. A estratégia da Brazil Pharma contempla a aquisição de redes pequenas e médias, mas também o crescimento orgânico por meio de lojas próprias (são cerca de 500) e franquias (aproximadamente 370).

As aquisições estão dando musculatura à rede, que nasceu com o propósito de se tornar a maior do Brasil e, no momento, tem o quarto maior faturamento do País. O setor é bastante pulverizado. Estima–se que haja 65 mil farmácias no Brasil, mas 75% das vendas estariam concentradas em 20% delas. A expectativa é que as grandes redes consolidem ainda mais esse mercado à medida que adquiram maior poder de fogo com os fornecedores e ganhem condições para oferecer preços mais baixos aos clientes.

O analista André Parize, da Votorantim Corretora, acredita que a sinergia capturada pelas aquisições será o principal gerador de valor para os acionistas. Ele projeta uma expansão da margem Ebitda de 5,4% em 2011 para 7,3% em 2015. A empresa inaugurou em março um centro de serviços em Brasília para unificar processos, o back–office e a área de tecnologia da informação, que poderá trazer economia de R$ 12 milhões por ano, segundo cálculos do analista. Do IPO, em julho de 2011, ao dia 23 de março, as ações da companhia valorizaram 12,5%.

A Brazil Pharma é controlada pelo BTG Pharma, do BTG Pactual, que possui 19,7% de seu capital. São também acionistas da companhia os fundos de private equity FIP BTG II (15,1% de participação), Infinity FIP (4,5%) e Vincitoire FIP (4,5%), dentre outros. As aquisições são pagas em dinheiro e em ações, por meio da emissão de novos papéis, que têm um lock up de três anos. A ideia é aproveitar ao máximo a experiência dos antigos donos das farmácias. No caso da Big Ben, que representa 40% das receitas da holding, o ex–controlador terá de ficar no cargo por pelo menos três anos. Os donos das redes adquiridas detêm, juntos, 33% do capital da Brazil Pharma.

O infortúnio da Brasil Travel está relacionado a aspectos de sua emissão e não a um esgotamento do modelo

DESLIZES? — Como se vê, os predicados do modelo de roll up parecem ter cativado analistas e gestores de recursos, além dos banqueiros de investimento. Mesmo no caso da Brasil Brokers, cujas ações não vão bem, a visão é positiva para os negócios. Por essa razão, o mais provável é que o infortúnio da Brasil Travel esteja relacionado a aspectos específicos de sua emissão e não a um esgotamento do modelo.

Para começar, o momento de mercado não favoreceu a listagem dos papéis da holding de turismo. A última oferta inicial na Bolsa, da Abril Educação, ocorreu em julho do ano passado. Também podem ter contribuído para o fracasso da operação o fato de a oferta ter sido preponderantemente secundária (em torno de 70%) e um aspecto de governança que acabou sendo mal digerido pelos investidores: de acordo com o modelo desenhado, três diretores da companhia praticamente ganhariam ações da Brasil Travel.

Eles teriam 33 mil opções de compra com preço por ação de R$ 0,01 e outras 47 mil a um valor vinculado à cotação das ações da companhia. O intervalo de preço sinalizado no prospecto era de R$ 1.250,00 a R$ 1.650,00. A prática da doação de participação é condenada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Conforme as diretrizes da boa governança, os planos de opções devem estar atrelados ao alcance de metas de longo prazo.

A Brasil Travel foi constituída em maio de 2011 com o objetivo de se tornar a maior empresa de turismo do Brasil. Foram firmados protocolos de intenções com 35 agências de turismo. Para sair do papel, porém, o projeto depende da realização da oferta pública. No mercado, pairam dúvidas sobre o futuro. No prospecto, consta que o início das operações e sua continuidade “dependem da implementação e do sucesso dos objetivos e planos de nossa administração, que incluem a integração dos negócios das empresas, nossa estruturação administrativa e o sucesso da oferta”. A CAPITAL ABERTO tentou ouvir um executivo da empresa, mas a solicitação não foi atendida.


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