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Biodiversidade entra na agenda da padronização de reportes
Além de monitorar seus impactos sobre a natureza, companhias devem gerir seu capital natural
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Imagem: Freepik

Mesmo considerando os importantes avanços recentes da agenda de sustentabilidade, a pauta ainda está bastante concentrada nas questões relacionadas à emergência climática. Nas manchetes, os destaques vão para emissão de gases de efeito estufa, precificação e compensação de carbono e ações para redução da exploração de combustíveis fósseis. Acontece que a ligação das empresas — e de governos, sociedades e investidores — com a natureza vai muito além disso. E é por essa razão que hoje organizações do mundo todo já estão debruçadas sobre a identificação de maneiras de incorporar o conceito de biodiversidade a essa dinâmica. O caminho para que isso aconteça de forma consistente, entretanto, é longo e exigirá que as empresas saiam da zona de conforto.

Entram no escopo da biodiversidade desmatamento, preservação de florestas e extração de benefícios econômicos com um manejo sustentável, manutenção de fauna e flora e abordagem adequada do uso de recursos hídricos. A partir dos debates de empresas e entidades sobre o assunto deve nascer, em 2023, um framework global elaborado pela Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), com sugestões de harmonização e métricas para questões de biodiversidade no ambiente corporativo — e que também vão orientar os investidores na escolha das melhores opções de ativos em termos ambientais, sociais e de governança (ESG) e os bancos na seleção de projetos e empresas que vão financiar.

A tarefa segue a amplitude da própria ideia de biodiversidade, o que sugere às empresas que não é bom negócio ficar de braços cruzados até que a TNFD torne públicas as suas conclusões e orientações. E, de fato, grandes companhias mundo afora já têm se dedicado ao mapeamento dos pontos de contato de suas operações com as questões de biodiversidade. Essa realidade fica evidente principalmente em setores nos quais a dependência dos recursos naturais é mais visível, como os produtores de commodities — essas empresas, inclusive, contribuem para a disseminação da pauta por meio do engajamento de suas cadeias de fornecimento, que não raramente são compostas por negócios de pequeno e médio portes. O mesmo se pode dizer das instituições financeiras, que a cada dia mais incorporam pontos específicos de sustentabilidade às suas análises de risco de crédito.

Lacunas no Brasil

Pesquisa recente do CDP Latin America, braço regional da plataforma que congrega discussões sobre padronização de indicadores de sustentabilidade, feita no Brasil mostra que de fato é relevante a inserção da biodiversidade na ordem do dia, à medida que muitas empresas locais ainda não se deram conta da dimensão de um problema que, em última análise, pode até se transformar em oportunidade de novos negócios. Apesar do aumento de 35% na quantidade de empresas e organizações que responderam aos questionários do CDP entre 2020 e 2021, restam lacunas em tópicos importantes como florestas e água. Os questionários estão calcados em quatro pilares: governança, estratégia, gestão de riscos, métricas e metas.

Segundo o levantamento, a supervisão de questões florestais por parte dos conselhos de administração é realidade em 95% das empresas da amostra, mas questões hídricas têm percentual menor de monitoramento, de 76%. Quando se fala em políticas específicas para florestas, 78% das companhias possuem uma; no recorte da segurança hídrica o número recua para apenas 23%. Outro dado interessante é que 66% das empresas integram elementos florestais com o planejamento financeiro, mas apenas 27% fazem o mesmo com as questões hídricas.

“O trabalho mostra que a segurança hídrica está menos avançada para os pilares da TNFD por falta de mais monitoramento e de metas. Nesse contexto, o papel dos investidores e das instituições financeiras é de fomento aos aprimoramentos nessas áreas e às melhores práticas”, comenta Fernanda Coletti, gerente de engajamento do CDP Latin America.

Capital natural

O tema também suscita debates em torno de uma questão de natureza econômica: as empresas precisam estar atentas não só aos impactos ambientais de suas operações, mas também precificar o valor da biodiversidade para os negócios. É o que já tem sido designado capital natural. De acordo com dados do Fórum Econômico Global, cerca de 50% da produção global (o equivalente à monumental quantia de 44 trilhões de dólares) é ou moderada ou fortemente dependente da natureza.

E desse capital natural, se bem estudado e manejado, podem surgir oportunidades — ou receitas, para dizer de outra forma. Esse é um dos pontos ressaltados por David Canassa, diretor da Reservas Votorantim. Ele explica que, no Brasil, toda grande empresa com negócios relacionados ao meio rural (como agricultura, mineração e geração de energia elétrica, por exemplo) precisa comprar terras quando vai construir unidades, e esses espaços normalmente são maiores do que ela utiliza, ultrapassando inclusive a reserva legal de 20% exigida pelo Código Florestal. “E o que fazer com essa área extra? É preciso lembrar que a floresta tem valor em si. Será que não é possível fazer um pouco mais? Dá para partir do princípio de que a mata em pé pode gerar ganhos, o que configura uma competição saudável com o desmatamento”, observa Canassa.

A Reservas Votorantim trabalha com a ideia de múltiplo uso da terra, com várias atividades. O projeto “Legado das águas” na Mata Atlântica do Vale do Ribeira, em São Paulo, envolve ecoturismo, produção de floresta (centros de biodiversidade que reproduzem árvores, arbustos, capim e plantas para paisagismo nas grandes cidades), compensações ambientais e pesquisa aplicada (um exemplo é o desenvolvimento de um perfume com base na vegetação da Mata Atlântica). “Assim transformamos o que poderia ser risco — possibilidade de incêndios, invasões e outras ameaças — em negócios que geram valor ao mesmo tempo em que mantêm a floresta”, completa Canassa, destacando que a Reservas Votorantim também oferece consultoria para outras empresas montarem estratégias para identificação de oportunidades.

Outro pilar fundamental é formado pelos bancos. No Brasil, o BTG Pactual, além de desenvolver um framework próprio para mapeamento e análise de aspectos de sustentabilidade em concessão de crédito, é a única instituição financeira nacional a integrar o grupo de trabalho TNFD. Segundo Rafaella Dortas, diretora de ESG do BTG Pactual, o banco decidiu se alinhar a esses esforços por perceber a demanda de investidores estrangeiros por esclarecimentos dessas questões — perguntas que, sublinha, virão também de investidores brasileiros nos próximos anos. “Estamos engajados nesse debate e criando produtos financeiros específicos, como um fundo de reflorestamento que lançamos recentemente. A ideia é também identificar oportunidades, para além da mitigação de risco”, afirma. Para levar a tarefa adiante, o BTG usa, além de seu framework, ferramentas como a think hazard, do Banco Mundial, que permite ao analista saber se em uma área específica há risco de incêndios ou de escassez de água.

Na visão de Rebeca Lima, diretora executiva do CDP Latin America, a antecipação de ações e métricas de biodiversidade pelas companhias, a exemplo do que fez o BTG, irá tornar o resultado da TNFD mais eficiente. “A força-tarefa avança, mas ainda faltam muitas definições, estabelecimento de terminologia, de conceitos, métricas e indicadores. Até lá, quanto mais as organizações estiverem com a lição de casa feita, melhor. É importante errar um pouco, aprender e depois se adaptar ao framework internacional”, ressalta. Em resumo: é saudável — para o planeta e os negócios — que os agentes envolvidos não fiquem de braços cruzados aguardando um conjunto de orientações padronizadas que surgirá lá adiante. A natureza, afinal, não espera.



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