O outro lado do coronavírus para a economia chinesa
Por que a epidemia pode virar um fator de aglutinação social no país
O outro lado do coronavírus para a economia chinesa

Imagem: iXimus/Pixaby

Com o surto do novo coronavírus provocando incertezas e volatilidade nos mercados, várias instituições financeiras vêm reduzindo suas projeções de crescimento para a economia chinesa. A maioria aposta no recuo de pelo menos um ponto percentual para o primeiro trimestre e entre 0,2 e 0,7 ponto percentual em 2020 — a magnitude da queda vai depender da velocidade com que o governo da China conseguir controlar de fato a epidemia de covid-19. A consequência de uma contração desse tamanho para o mundo é clara. Contudo, é necessário discutir hipóteses que sugerem que a motivação do governo chinês para compensar o prejuízo vai além da recuperação do indicador econômico.

Desde 2012, quando Xi Jinping assumiu o posto de secretário-geral do Partido Comunista da China, o gigante asiático vem construindo um discurso de alinhamento de expectativas da população e dos agentes econômicos internacionais, do tipo “não vamos mais crescer às taxas de outrora”. De 1980 a 2012, a média anual do crescimento do PIB do país foi de 10% ao ano. As mudanças estruturais introduzidas por Deng Xiaoping no período de reforma e abertura, a partir de 1978, permitiram uma expansão da economia que tinha prazo de validade. Esse fenômeno de coordenação de um discurso oficial para um crescimento não tão acelerado ficou conhecido como o “Novo Normal”.

Um marco, não só narrativo, mas de políticas públicas — com projetos como o “Made in China 2025” e a “Iniciativa Cinturão e Rota” —, para a aceitação desse crescimento em torno de 6% ao ano foi o discurso de Jinping no 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, em 2017.

O “Novo Normal”, enquanto estágio de desenvolvimento, exige um posicionamento não só mais ativo sobre o crescimento, mas também mais crítico. Seu princípio norteador é o fato de que o crescimento econômico deve vir acompanhado de uma relação harmônica com a natureza, assim como de uma melhor distribuição geográfica de seus resultados na China. Tanto questões ambientais quanto disparidades regionais (principalmente diferenças entre as zonas rurais e urbanas) foram identificadas como potenciais desestabilizadores do processo de construção de uma “sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos”. Com o foco em um crescimento qualitativo e condicionado a tantas variáveis internas e externas, o governo foi alinhando as expectativas dos agentes econômicos.

Há um período para a construção da tal sociedade moderadamente próspera. Esse prazo, conhecido na China como “Duplo Centenário”, inclui duas fases. A primeira refere-se aos 100 anos da fundação do partido comunista, em 2021; a segunda é a comemoração, em 2049, do centenário da instauração da República Popular da China.

 

 

A análise indica que a desaceleração econômica é necessária, programada, e que o governo sempre busca elencar desafios para mostrar que, a cada dia, se torna mais difícil crescer. Todavia, se por um lado o governo vem sempre puxando as expectativas para baixo, há um esforço para manter a taxa de crescimento próxima da meta. Isso ocorre porque um potencial fator de instabilidade interna é o descontentamento generalizado com o governo. Assim, há uma preocupação muito grande com a geração de empregos urbanos, principalmente para absorver jovens com diplomas de graduação.

Um descontentamento popular em relação à condução do surto de coronavírus preocupa bastante as autoridades chinesas. Medidas em resposta às calamidades públicas, que tipicamente são conduzidas pelos governos (e que acabam por assegurar ou desestabilizar presidentes no poder, vide a guerra ao terror nos EUA), na China são executadas pelo Partido Comunista. Daí a substituição de alguns secretários do Partido, recentemente.

Nesse sentido, há um enorme sentimento coletivo de que o país precisa da população. Um movimento como esse já está em curso por causa do surto da covid-19. Um exemplo para ilustrar esse fato foi a solução encontrada para não parar o país: o home office.

Muitas grandes empresas, incluindo Tencent, JD.com, Suning e Huawei, incentivaram seus funcionários a trabalhar em casa pelas próximas semanas, para evitar a disseminação do vírus. Algumas cidades e províncias, incluindo Xangai, adotaram medidas semelhantes, determinando períodos obrigatórios de quarentena durante os quais as pessoas devem trabalhar remotamente. Essa reconfiguração incentiva o desenvolvimento mais acelerado de produtos e serviços baseados em nuvem, sem contar as melhorias nos servidores. No limite, esse aperfeiçoamento e essa inovação extrapolam o âmbito da calamidade e geram benefícios no longo prazo para a China.

Quando olhamos para a forma como o país está reagindo ao surto, verificamos que o Partido Comunista, ao mesmo tempo em que busca se proteger de críticas, mostra-se preocupado com os impactos sociais que uma desaceleração econômica pode causar. O governo, entretanto, tem um hedge narrativo de que o crescimento econômico está cada vez mais difícil, não somente por questões internas, mas principalmente pelo ambiente internacional. Dessa forma, não se pode descartar que o episódio do vírus pode servir como fator aglutinador nacional, uma vez que a calamidade pode ser convertida em ação conjunta do governo-partido-Estado com a população.

Por fim, a capacidade de adaptação às necessidades, como no caso do trabalho remoto, pode produzir externalidades que ajudem na recuperação econômica ao longo do ano. Nossa conclusão é que ainda é prematuro vaticinar que haverá uma dèbâcle econômica na China, muito menos qual será tamanho da perda no crescimento do país — e do mundo — em 2020.


*Alexandre Espirito Santo ([email protected]), economista da Órama, e Lorena Laudares ([email protected]), analista de pesquisa da Órama


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