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Novos modelos de negócio desafiam reguladores, investidores e nosso entendimento
Briga entre desenvolvedora do jogo Fortnite e Google, e polêmica no comando da OpenAI. Em comum, ambos os problemas mostram a dificuldade de entendimento e regulação de novas formas de negócios
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Tecnologia sempre foi terreno fértil para experimentação de novos modelos de negócio. O movimento open source tem raízes na década de 80 e mesmo hoje, em 2023, é frequentemente mal compreendido e desafia preceitos de negócio básicos. Afinal, como incorporar a ideia de uma empresa construída sobre propriedade intelectual em domínio público no conceito de diferencial competitivo? É no mínimo interessante debater implicações de modelo criativos como SaaS (software como serviço), Freemium (serviços gratuitos com opção paga), Free2Play (jogos gratuitos), Capped-profit organizations (em que lucros que superem determinado limite vão para ações sem fins lucrativos), App Stores, Cloud, Redes sociais e negócios baseados em propaganda, Marketplaces, Blockchain, etc.

Tentando evitar juízos de valor e vieses pessoais, gostaria de comentar dois modelos pela cronologia de notícias recentes. Começamos pelo resultado do julgamento da disputa entre Epic (desenvolvedora do jogo Fortnite) e Google por práticas competitivas na loja de aplicativos (Play Store), que ocorreu no último dia 11. O modelo de loja de aplicativos populariza com o smartphone em 2008 e difere materialmente do modelo no computador pessoal porque o usuário procura pelo app numa vitrine curada pelo dono do ecossistema, que também é o processador exclusivo de compras dentro do app, cobrando uma comissão de 30%, aproximadamente.

A alegação da desenvolvedora de jogos é que as lojas de aplicativo abusam da sua relevância no segmento (mercado dominado por Apple, Google e Valve, dona da plataforma de jogos Steam) para dificultar o surgimento de outras lojas de aplicativo, entre outras práticas. 

A decisão do tribunal foi contrária à Epic na disputa contra a Apple, mas favorável na disputa contra o Google. Em ambos os casos, há possibilidade de se recorrer a uma corte superior.

Para além dessa descrição sumária dos fatos, o ponto interessante nessa disputa de anos é que as leis de livre concorrência buscam, fundamentalmente, maximizar o bem social, resguardando o consumidor das práticas abusivas de monopólios e incentivando o surgimento de novas empresas concorrentes ou substitutas que provoquem a busca por eficiência e inovação (veja cartilha do Governo Federal sobre o tema). 

Mas essas características são quase ausentes no caso citado. Do lado do consumidor, temos a popularização crescente dos jogos mobile, em todas faixas etárias. Hoje eles são mais acessíveis via micro-pagamentos que no modelo tradicional de compra de jogos no computador ou consoles, em que a Epic tem raízes. O próprio jogo em questão (Fortnite) vem no modelo Free2Play, gratuito para jogar. 

Dilemas

Do lado da concorrência, a dinâmica Davi vs. Golias, do gigante oprimindo o pequeno, é colocada em dúvida em uma análise mais profunda: Epic tem receita US$1.5mn por funcionário e é investida por um dos maiores grupos de jogos do mundo (Tencent). É também importante considerar que empresas de jogos costumam ter mais de 30% de margem operacional.

Como juízes e reguladores vão conciliar tantas informações conflitantes? E buscar coerência entre juízos diferentes? E monitorar os indicadores devidos em setores não-regulados e sem fronteiras? Poderíamos transportar questionamentos parecidos para a aquisição, pela Microsoft, da maior empresa de jogos americana (Activision Blizzard).

OpenAi

Comentando sobre outro modelo, um evento dominou o noticiário em novembro: a demissão e quase imediata recondução do CEO da OpenAI, Sam Altman. Mais relevante que a especulação sobre o que motivou a demissão está um contexto curioso: OpenAI possui uma estrutura de governança excêntrica batizada de Capped Profit, em que uma organização sem fins lucrativos, controlada por um conselho com mandato perpétuo e sem subordinação a nenhum grupo de acionistas ou mantenedores, controla uma companhia capitalista (veja o organograma aqui).  

Estima-se que o braço capitalista da empresa já recebeu US$ bilhões de investimento da Microsoft, possivelmente avaliando a empresa em US$ 29 bilhões e confirmando a relevância da companhia na estratégia de um dos maiores conglomerados de tecnologia americanos.

A OpenAI nasceu em 2015 como uma organização sem fins lucrativos com a missão de perseguir o desenvolvimento de Artificial General Intelligence (AGI) — um sistema autônomo capaz de superar a inteligência humana no desempenho de trabalhos economicamente relevantes. Estamos distantes dessa meta, mas é louvável a preocupação de que tamanha ambição seja orientada em prol da sociedade (por isso, a origem sem fins lucrativos e a condição pétrea no estatuto de que todo capital intelectual desenvolvido pela empresa entrará em domínio público quando o conselho declarar o atingimento dessa meta). 

Apesar das boas intenções, o desenvolvimento de modelos de machine learning é custoso e a mão de obra, muito especializada. A organização não arrecadou doações suficientes para suportar suas ambições e, em 2019, criou a estrutura de Capped Profits. Com a mudança, no mesmo ano, a empresa conseguiu o primeiro investimento da Microsoft. Pelo modelo, os lucros aos acionistas são limitados numa razão pré-definida, com o  excesso distribuído à organização sem fins lucrativos para investimentos no bem da humanidade (veja aqui a descrição feita pela companhia)

Desde então, outros investidores compraram participação na empresa. Entre eles, estão alguns dos maiores fundos de venture capital americanos:  Khosla Ventures, Tiger Global, Thrive Capital, Sequoia e a16z.

Altruísmo x Retorno financeiro

Como conciliar propósitos tão ambiciosos e aparentemente altruístas com tanto capital externo buscando retorno para seus acionistas? A troca de um CEO está entre as responsabilidades de qualquer conselho, mas a oferta de trazer Altman e toda equipe para dentro da Microsoft, com posterior recondução ao cargo de CEO, mostra como o conselho pode ter seu poder esvaziado e indica que a imposição desses mecanismos de governança excêntricos impactam a operação da organização.

 E esse problema não é restrito ao caso da OpenAI, pois outras empresas do ecossistema dividem as mesmas raízes e adotam mecanismos semelhantes. É o caso, por exemplo, da Anthropic e Vicarious, investidas por Google, Amazon, Mark Zuckerberg e outros. Se inteligência artificial se confirmar como tema relevante no crescimento da indústria de software, investidores terão que lidar com esse tipo de estrutura mais frequentemente. Como encaixar tudo isso nos conceitos tradicionais de governança e avaliação de empresas? 

Infelizmente mais exemplos não cabem num único artigo e 2023 foi um ano rico em novidades. Mas  ficam algumas provocações: Como regular empresas nesses ecossistemas de forma coerente? Faz sentido desenvolver leis específicas para situações tão dinâmicas? Como avaliar e investir em modelos de governança que limitam o lucro ou excluem a propriedade sobre a produção intelectual? Qual a nossa voz, como consumidor ou mesmo como cidadão, nessa discussão?

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