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Índice errado?

O Ibovespa é o mais importante indicador de desempenho do mercado acionário brasileiro. Sua metodologia permanece intacta desde 2 de janeiro de 1968, quando foi criado. Alguns participantes do mercado, contudo, defendem que está mais do que na hora de o índice mudar. Calculado com base no volume financeiro e na quantidade de negócios das ações, o Ibovespa tem atraído papéis controversos, como os da OGX, que valiam, em 22 de julho, R$ 0,53. A BM&FBovespa conduz um grupo de trabalho que analisa o Ibovespa em conjunto com participantes do mercado. Seu presidente, Edemir Pinto, contudo, declarou à imprensa recentemente que uma mudança de metodologia é pouco provável. Entre as principais críticas ao Ibovespa, está o fato de ele não representar a economia. Mas será esse o papel de um índice de ações? Questões como essa foram discutidas no Círculo de Debates promovido pela capital aberto em 17 de julho, com o tema “O Ibovespa ainda é o melhor índice para representar o mercado acionário?”. Confira a seguir os melhores trechos do debate, que reuniu dois profissionais de relações com investidores de companhias prestes a ingressar no índice, dois analistas de investimentos e dois gestores de recursos (veja a legenda das fotos). A BM&FBovespa foi convidada a participar, mas declinou em razão de os trabalhos do grupo de estudos ainda não terem sido concluídos.

, Índice errado?, Capital AbertoCapital Aberto — Sandra, a Votorantim fez, recentemente, um estudo sobre a representatividade do Ibovespa. Você poderia compartilhar os resultados conosco?

Sandra Petrovsky — Claro. A primeira parte do estudo consistiu em uma análise do mercado acionário brasileiro, para entendermos sua evolução nos últimos dez anos. Com base nessas mudanças, buscamos compreender se o Ibovespa reflete fidedignamente a economia brasileira. O caminho mais fácil que encontramos para fazer isso foi ponderar o peso dos setores dentro do PIB e comparar com a participação que eles têm no índice. Ocorre que, hoje, o setor de consumo tem um grande peso no PIB, que não está espelhado no Ibovespa. Ele é bem aparente no índice de small caps, por exemplo. O Ibovespa está se tornando um índice muito mais de commodities do que qualquer outra coisa. Então, a tendência é que os investidores interessados em acompanhar o crescimento da economia brasileira se afastem cada vez mais do indicador mais famoso. É isso que o investidor institucional tem feito nos último três ou quatro anos: trocar o Ibovespa por outros índices, como o IBrX, ou mesmo migrado para outros tipos de fundo de renda variável, como os de small caps ou os setoriais.

Capital Aberto — Paulo, a Gradual criou, no início deste ano, o IGB30, um índice alternativo para medir o desempenho do mercado acionário brasileiro. Por que a corretora sentiu essa necessidade?

Paulo Esteves — Nós com frequência atendemos jornalistas na corretora, e é comum eles ligarem pedindo uma explicação sobre algum movimento do Ibovespa. Uma das dificuldades é explicar uma alta (ou baixa) expressiva do índice baseando-se nos movimentos da economia brasileira. A partir daí, iniciamos uma discussão que culminou na criação do IGB30. Como as principais críticas ao Ibovespa são o fato de ele ser ponderado por liquidez e ter um peso muito grande de commodities, no IGB nós expurgamos as commodities e os setores cíclicos e fizemos uma ponderação por valor de mercado. Depois, fizemos um back test desde 2007, com uma série de estudos econométricos de correlação com variáveis macroeconômicas, e os resultados foram muito bons. Nesses testes, o IGB bateu consistentemente o Ibovespa em todos os anos, com exceção de 2010, quando houve o rali pós-crise.

Pedro Cerize — Mas, se o teste fosse feito de 2002 a 2007, o resultado seria diferente, já que o setor de consumo iria perder de longe para o de commodities.

Paulo Esteves — Sim. O Brasil está passando por uma mudança estrutural. As medidas tomadas pelo governo nos últimos anos trouxeram o adensamento da classe média, o ganho de poder aquisitivo e a expansão da renda. O consumo aumentou e isso, de certa forma, está desbancando as commodities.

“O índice de ações tem que representar o resultado econômico das companhias”

Pedro Cerize — Eu não acredito que o Brasil esteja mudando. Os próximos cinco anos, na minha opinião, vão ser diferentes dos últimos cinco. Existem ondas. É preciso ter em mente que o que não pode continuar para sempre eventualmente tem de parar. Nos últimos anos, depois da política do governo Lula de incentivo ao crédito e ao consumo, se você comparar os três componentes do PIB — consumo, investimento e exportação —, o consumo sempre foi maior, estimulado por crédito, gastos do governo e ganho de massa salarial. Então, a cada ano que o PIB crescia, o consumo aumentava mais. Isso é sustentável? Não. Ele não pode crescer mais do que a economia para sempre, assim como o investimento na China não pode aumentar mais do que o PIB eternamente, porque isso gera um desequilíbrio que um dia precisa ser corrigido. Por essa razão, dependendo do momento que você olhar, o índice de ações pode refletir mais ou menos o que está acontecendo na economia, já que essa não é a função de um índice de ações. Se um setor não é listado, não tem como ele estar representado no Ibovespa. É o caso do segmento automobilístico, que tem um dos maiores pesos na economia brasileira, mas não tem representante na bolsa.

Paulo Esteves — A questão é que o mercado vê o índi—ce como termômetro da economia, apesar de todas as suas limitações. Para as pessoas, se a economia vai bem, o Ibovespa vai bem; se a economia vai mal, o Ibovespa vai mal.

Pedro Cerize — Os melhores anos da bolsa brasileira foram em 1999 e 2009. Quais foram as variações do PIB nesses anos? [0,3% e —0,3%, respectivamente, segundo dados do IBGE.]

Sandra Petrovsky — De fato, não há nenhuma correlação. O Ibovespa representa o mercado acionário.

Pedro Cerize — O Warren Buffett diz que a bolsa não tem que refletir o PIB, mas o produto nacional bruto, porque o que foi gerado fora do país também tem de estar representado. A bolsa suíça, por exemplo, está indo bem porque as empresas locais têm registrado bons resultados no resto do mundo. Ou seja, o índice da Suíça representa as empresas suíças, não a economia suíça.

Marcello Guidotti — Concordo. O índice de ações tem que representar o resultado econômico das companhias.

Capital Aberto — Carlos, a Kroton faz parte de um setor que está crescendo muito no Brasil. Qual é a sua visão?

Carlos Lazar — As chances de a Kroton entrar na próxima carteira do Ibovespa são muito grandes. Porém, acredito que o IBrX—100 acaba traduzindo com maior exatidão quais empresas estão sendo mais demandadas na bolsa e ocupando um lugar de destaque no mercado. Por ser mais amplo, o IBrX—100 incluiu empresas emergentes, como é caso da Kroton, que, quando ingressou na bolsa, em 2007, valia menos de R$ 500 milhões, hoje vale R$ 8 bilhões e, com a fusão com a Anhanguera, vai a R$ 14 bilhões. Então, seria interessante se o IBrX—100 tomasse um pouco mais a rédea da representação no mercado de capitais, até como termômetro da economia.

Capital Aberto — A Ecorodovias é outra candidata a ingressar na próxima carteira…

Marcello Guidotti — A Ecorodovias não tem como target o ingresso no Ibovespa. E eu, pessoalmente, não sinto que os investidores cobrem isso da companhia. Lógico que a participação no indicador pode trazer uma melhora na liquidez e na valorização das ações, mas o fato é que os fundamentos da empresa não mudam. Por isso, a entrada no índice não é uma meta que, depois de atingida, nos permita pensar: “Bom, agora estamos salvos”. A função de um índice de ações é medir os resultados das empresas e permitir que os investidores diversifiquem seus riscos. Mas o mercado não é bobo. Se o investidor achar que o Ibovespa não é um bom indicador, vai procurar outros.

Carlos Lazar — Para a Kroton, por exemplo, a entrada no MSCI Global Standard foi mais importante que o ingresso no IBrX—100, já que muitos fundos têm robôs programados para comprar as companhias do MSCI.

Rodolfo Amstalden — Não podemos esquecer que qualquer índice de ações é uma amostra. O problema, nesse caso, é que não sabemos nem qual é a população. Ela seria a economia brasileira? Eu acho que não, mas, de fato, como o Paulo disse, os jornalistas e as pessoas em geral pensam que sim, porque o William Bonner apresenta o fechamento do Ibovespa toda noite no Jornal Nacional.

Sandra Petrovsky — Uma das maiores deficiências do Ibovespa é permitir que empresas com desvalorização elevada, mas que registram grande quantidade de negócios, entrem na carteira. Porém, se pensarmos na finalidade com que foi criado, o Ibovespa cumpre o seu papel, que é refletir a negociabilidade das ações. Se uma ação está sendo mais negociada por um motivo ou outro, ela vai ganhar peso.

“A volatilidade deveria ser um indicador a ser mensurado na formação do índice”

Carlos Lazar — Mas não faz nenhum sentido, por exemplo, a OGX recuperar o espaço que perdeu no Ibovespa no próximo rebalanceamento. A volatilidade deveria ser um indicador a ser mensurado na formação do índice.

Paulo Esteves — Esse caráter não meritocrático do Ibovespa é um dos pontos que mais incomodam os investidores. O cálculo por valor de mercado levaria mais em conta esse aspecto. Se a empresa gera resultado, sua capitalização avança e, consequentemente, ela ganha espaço no índice. Não é à toa que, se no Ibovespa a OGX aumentou sua participação por uma história triste, no IGB30 a Ambev conseguiu o mesmo com uma história bonita. A liquidez tem esse lado maquiavélico.

Sandra Petrovsky — Agora, um ponto positivo do Ibovespa é o fato de ele manter a mesma metodologia desde que foi criado. Essa é uma qualidade.

Pedro Cerize — Eu não entendo a visão de que é bom a Bolsa nunca ter ajustado a metodologia.

Paulo Esteves — Isso gera credibilidade. O Dow Jones é um índice criticado na sua metodologia por ser muito simplista, mas ninguém pensa em mudá—lo.

Pedro Cerize — Quantos fundos americanos usam o Dow Jones como benchmark? Nenhum. Isso ocorre porque não existe mercado futuro de Dow Jones.

Capital Aberto — Mas, então, o índice de referência deve ser feito pensando no mercado futuro?

Pedro Cerize — Não. O índice principal do mercado de ações deve ser feito para refletir o resultado de todos os participantes do mercado.

Rodolfo Amstalden — O placar do jogo.

Pedro Cerize — Exatamente. O S&P 500 e o WilShire 5000 são o placar do jogo americano. Mas por que a Bolsa de Chicago negocia mercado futuro de S&P 500 e não de WilShire 5000? Já pensou ser um hedger e ter que comprar 5 mil empresas para proteger sua carteira? Seria muito difícil. Então, a Bolsa deve ter feito um estudo e visto que 500 empresas representam 98% da capitalização de mercado. Os 2% restantes são o track—ing error que o investidor não pode proteger. Ou seja, o americano, quando concebeu o mercado futuro, criou um instrumento de hedge sistêmico. Se a Bolsa acabar com o Ibovespa futuro, eu tenho certeza de que 40% do volume das ações negociadas do índice desaparecerá no dia seguinte. Elas simplesmente são negociadas porque estão no índice futuro. Por isso, uma vez que uma ação entra no Ibovespa, é muito difícil sair.

Sandra Petrovsky — Sem dúvida, é um sistema que se retroalimenta.

Rodolfo Amstalden— A lógica dos futuros, assim como a de outros ativos financeiros, é a do “winner—takes—all”. Isso é o que acontece com o Ibovespa, que se retroalimenta do mercado futuro e acaba conquistando tudo.

Capital Aberto — Qualquer índice que tenha mercado futuro vai acabar se retroalimentando.

Pedro Cerize — Não há problema, desde que o mercado futuro que alimenta a liquidez das ações represente a liquidez do mercado. A questão é que o Ibovespa tem hoje 410 mil contratos em aberto de Ibovespa Futuro. Desse total, 5% na próxima renovação vão virar ações da OGX. Isso representa 1 bilhão em ações de OGX adquiridas, e nem existe 1 bilhão desses papéis no mercado. Se o Ibovespa futuro, que é uma fração do S&P futuro, negociasse 800 mil contratos, um dia teríamos um índice inexequível.

Capital Aberto — Se o Ibovespa é tão inadequado, por que tantos gestores ainda o utilizam como referência de rentabilidade?

Sandra Petrovsky — O investidor doméstico já está percebendo essa inadequação, mas o internacional, não. Ele ainda olha o Brasil como um país de commodities.

Marcello Guidotti — O investidor quer saber se o gestor bateu o seu benchmark.

Pedro Cerize — A Skopos não tem nenhum fundo referenciado em Ibovespa, mas nossos investidores são qualificados. O regulador também estimula o uso do Ibovespa ao aceitar, nas incorporações, que ele é um índice que representa o valor justo das ações. [De acordo com o artigo 137 da Lei das S.As., o titular de ação que tenha liquidez não possui direito de recesso nos processos de fusão ou incorporação. Para averiguar a liquidez, a CVM utiliza o Ibovespa.]

“A Bolsa poderia manter o Ibovespa como está e matar o Ibovespa futuro ou trocar sua metodologia pela do IBrX—100”

Sandra Petrovsky — O mercado é todo amarrado.
Capital Aberto — Haver mais de um índice com mercado futuro não seria uma solução?

Rodolfo Amstalden — Não, por causa do efeito “winner—takes—all” [o mercado prefere apostar no índice que tem maior market share].

Capital Aberto — E qual é a alternativa, então?

Pedro Cerize — Na minha opinião, a Bolsa tem duas opções: mudar a metodologia do Ibovespa para a do IBrX—100 e passar a chamá—lo de Ibovespa; ou mantê—lo como está e matar o Ibovespa futuro — nesse caso, a partir de determinada data, ele deixaria de ser negociado e daria lugar ao índice futuro de IBrX—100. Nesse cenário, o Ibovespa antigo continuaria a ser calculado, mas acabaria perdendo a relevância e virando o Dow Jones: apareceria no Jornal Nacional, mas não causaria nenhum impacto para o investidor.

Capital Aberto — E vocês acham que a BM&FBovespa faria mudanças como essa?

Sandra Petrovsky — Se a Bolsa matar o Ibovespa futuro, corre o risco de sofrer uma quebra de credibilidade, porque o investidor estrangeiro tem lotes de índice futuro travando posições.

Pedro Cerize — Não podemos esquecer também que a Bolsa é uma instituição que visa o lucro. Logo, não é interessante para ela ter índices com menor rebalanceamento. No IBrX—100, o rebalanceamento é sempre mínimo. Ele ocorre quando uma empresa faz uma recompra de ações, uma fusão, aumenta o free float. São ajustes marginais. O custo para um fundo se ajustar ao IBrX—100 é muito menor do que ao Ibovespa, que a cada quatro meses passa por mudanças. Quanto mais a Bolsa ajusta o índice, mais corretagem ela ganha.

Paulo Esteves — A informação que nós temos [Fernan—da de Lima, CEO da Gradual, faz parte do grupo de trabalho da BM&FBovespa] é que a Bolsa está bastante refratária a qualquer alteração de metodologia do Ibovespa. Mas talvez exista algum espaço para a exclusão das penny stocks. Se o papel cair abaixo de R$ 1, automaticamente ele estaria fora do índice. Essa é a alteração que o Edemir [Pinto, presidente da BM&FBovespa] viu com certa simpatia.

Pedro Cerize — Isso não resolve o problema. Nesse método, se uma ação atinge R$ 0,99, ela é excluída do Ibovespa. Aí, no semestre seguinte, ela sobe para R$ 1 e volta para o índice. Isso também pode ocorrer se a empresa tinha uma ação valendo centavos e faz um grupamento. Essa sugestão não atinge a questão fundamental: é preciso de um índice que tenha um mercado futuro e que represente o risco sistêmico.

Paulo Esteves — Na minha visão, em vez de a Bolsa mudar a metodologia do Ibovespa, ela deveria dar espaço para índices alternativos. Quantos indicadores existem nos Estados Unidos?

Pedro Cerize — Não importa quantos índices existam. A questão é o mercado futuro. O Ibovespa futuro negocia todo dia financeiramente mais do que o Ibovespa à vista. Eu não concordo com esse argumento de que “estamos mexendo num índice de 45 anos e isso vai tirar a credibilidade”. Alguém em sã consciência acredita que uma nova metodologia vai tirar a credibilidade do Ibovespa ou do índice futuro? Eu não vejo esse risco.

Sandra Petrovsky — Talvez a ideia de criar outro índice, com mais dinamismo, para substituir o Ibovespa, e deixar o índice atual minguar, seja mesmo uma boa proposta. O fundamental é que esse trabalho seja resultado de uma discussão bastante intensa, liderada pela Bolsa, para que a gente não chegue daqui a três ou cinco anos e diga: “Está tudo errado, vamos mudar tudo de novo”.

Carlos Lazar — E não é uma decisão fácil para a Bolsa. É uma decisão, talvez, mais política do que técnica.

Marcelo Guidotti — Mas me parece que, de uma forma, o mercado vai começar a pressionar por essas mudanças cada vez mais. Alguma coisa terá de acontecer.

Rodolfo Amstalden — A discussão pegou fogo por causa da OGX, mas, na verdade, ela é maior do que isso.


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