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Sem definição da CVM, a controvérsia sobre a responsabilidade dos cotistas que participam dos comitês de investimento promete esquentar durante a crise

, Quem apertou o botão?, Capital Aberto

Uma das maiores virtudes das regras que hoje orientam o funcionamento dos fundos de private equity (PE) no Brasil é a sua flexibilidade. A Instrução 391 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de 2003, criou a figura dos Fundos de Investimento em Participação (FIPs), que se tornaram o principal veículo para aplicações de recursos de private equity. A norma dá liberdade a cada fundo de definir em regulamento próprio se o gestor concentra o poder de decisão sobre os investimentos ou se este é compartilhado com os principais cotistas, organizados num comitê de investimentos. Pois, ao conceder essa liberdade, que poderia ser interpretada apenas como uma virtude da norma, a CVM também abre brecha para confusão: a decisão compartilhada gera controvérsias que envolvem desde interpretações opostas de advogados a opiniões inflamadas de gestores.

Como resultado da permissão para o comitê, a indústria criou dois tipos de fundos: um focado na captação de poupança interna — sobretudo dos fundos de pensão — que são os mais numerosos; e outro voltado a investidores estrangeiros. O primeiro permite a presença do cotista no comitê de investimentos, enquanto o segundo segue um modelo mais familiar aos estrangeiros, principalmente os norte-americanos, e prevê a concentração das decisões no gestor. Passados quatro anos de vigência da Instrução 391, uma dúvida recai sobre os FIPs: no caso dos fundos em que a decisão de investimento é compartilhada, os cotistas também podem ser responsabilizados por eventuais perdas?

“Este é um assunto que não está bem definido”, observa Antônio Felix Cintra, sócio responsável pela área de mercado de capitais do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados. “A legislação permite que seja criado um comitê, mas não define suas responsabilidades”, completa. “Ainda existem muitas dúvidas sobre o funcionamento dos fundos PEs, apesar de a indústria ter crescido fortemente nos últimos dez anos”, completa Marcelo Barbosa, sócio do Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados.

O advogado Luiz Leonardo Cantidiano era presidente da CVM à época em que a Instrução 391 entrou em vigência. Para ele, o cotista que faz parte de comitê de investimentos pode, sim, responder pelas decisões. “Quanto maior for o poder do cotista nas decisões de investimento, mais ele será solidário a essas responsabilidades”, afirma Cantidiano, hoje sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados. O grau de poder que um cotista tem no comitê pode variar conforme o regulamento de cada fundo. “A meu ver, a responsabilidade com relação aos investimentos é prioritariamente do gestor”, diz Cintra. Ele acredita, no entanto, que existe espaço para responsabilização do comitê, conforme o caso. “Existem comitês que têm participação ativa, sobretudo nos fundos que contam com poucos cotistas e que foram constituídos para atender a esses dois ou três investidores. Nesse caso, existe mais poder e, potencialmente, mais responsabilidade do comitê”, acrescenta. Francisco da Costa e Silva, sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, entende que, a princípio, os participantes do comitê têm responsabilidade perante os outros cotistas. “Mas é preciso graduar essa responsabilidade, e certamente a maior parcela é a do gestor”, afirma.

“Quanto maior for o poder do cotista nas decisões de investimento, mais ele será solidário a essas responsabilidades”

A CRISE SERÁ UM TESTE? — O ex-presidente da CVM, Luiz Cantidiano, cita uma situação hipotética que, segundo ele, ilumina bem o espaço em que a questão da responsabilidade do cotista pode gerar controvérsia. A Instrução CVM 391 determina que fundos de PE não podem operar com derivativo, salvo para proteger a carteira da variação cambial. “Se um comitê de investimentos decide investir num derivativo que não tem apenas o objetivo de hedge, e o fundo tem prejuízo, o cotista que participa do comitê pode ser responsabilizado?”, pergunta o advogado. Uma das fontes procuradas pela reportagem disse que não poderia responder à questão, justamente porque recebeu uma consulta de um cliente a respeito. Thiago Giantomassi, sócio do Demarest, afirma que, no exemplo citado, “a CVM deverá responsabilizar primeiro o gestor”. “Mas não acho um absurdo se o cotista também for envolvido”, prossegue. “Se eu sou advogado de um cotista minoritário, faço uma reclamação à CVM apontando essa responsabilidade.”

Guilherme Lacerda, presidente da Funcef — fundo de pensão que participa de comitê de investimentos de vários fundos de PE —, esclarece que hedge para proteção de carteira é normal. “Agora, se um fundo infringe o regulamento e faz uma operação especulativa, todo mundo tem de responder, inclusive o cotista”, explica. “Existe uma série de controles para que uma operação especulativa como esta não aconteça, o que seria um crime, um ponto totalmente fora da prática usual dos fundos de PE”, acrescenta Álvaro Gonçalves, coordenador do comitê executivo de regulação da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCAP) e sócio do Grupo Stratus, gestor de fundos de PE.

A hipótese de responsabilizar os cotistas nas decisões de investimento é rechaçada pela Previ. O fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil tem participação significativa no setor de PE e faz questão de ter assento nos comitês. Seu diretor de investimentos, Fábio Mozer, diz que a questão sequer o preocupa. “As decisões tomadas no comitê são feitas em cima do material gerado e sob orientação do gestor”, conclui. “Nós analisamos os dados que vêm do gestor e concordamos ou pedimos mais uma garantia, discordamos do preço, enfim, são discussões concentradas no campo estratégico”, completa. A responsabilidade é do gestor, reitera. “Desenhamos os regulamentos para que o cotista possa opinar, mas sem que nele recaia qualquer ônus”, esclarece o diretor-presidente da DGF, Sidney Chameh. Também, para ele, a responsabilidade sobre a decisão de investimento é do gestor. A DGF administra fundos de PE que têm comitê de investimentos.

Interpretações à parte, o fato é que a questão promete ganhar força no atual contexto de crise global. “À medida que os fundos começarem a ter perdas mais claras, veremos a eficiência da regulamentação ser testada”, declara Cintra, do Tozzini Freire. “Empresas que tenham recebido investimentos de fundos PE e entrarem em crise serão o centro desta questão”, afirma Giantomassi, do Demarest. Para ele, essa é uma possibilidade realista. A Capital Aberto procurou a CVM para conhecer a sua visão sobre o tema, à luz da Instrução 391, mas não obteve a resposta no prazo solicitado.

BNDES, O INÍCIO DE TUDO — A flexibilidade conferida à formação dos fundos de PE na Instrução 391, no que se refere à decisão sobre os investimentos, tem uma origem histórica, conta Cantidiano, ex-presidente da CVM. Antes dela, os fundos de PE tinham de se basear na legislação que rege os fundos de carteira livre. Na ocasião, essas operações contavam com a presença do BNDES como cotista, que exigia ter ingerência no comitê. Então, o fundo de carteira livre foi adaptado para servir à indústria de PE, que carregou essa flexibilidade. “Como o capital estrangeiro não gosta de comitê, fizemos uma instrução que abarca as duas opções”, completa. “O Brasil teve um caso recente em que um gestor, o Opportunity, prejudicou os cotistas”, lembra Mozer, da Previ, que teve acirradas brigas com a gestora de Daniel Dantas. “Por isso, os cotistas querem acompanhar a gestão de perto.”

“À medida que os fundos (com comitês) começarem a ter perdas mais claras, veremos a eficiência da regulamentação ser testada”

A ABVCAP tem um grupo de trabalho de regulamentação que estuda possibilidades de aperfeiçoar o funcionamento dos fundos de PE. O objetivo é padronizar os FIPs, uma vez que existe grande variedade de fundos sob esse guarda-chuva. “A padronização vai permitir a melhor qualificação do setor, tanto do ponto de vista de volume quanto de retorno”, diz Gonçalves. O grupo de trabalho está avaliando questões como controladoria, governança, transparência e responsabilidade. “Os estrangeiros não gostam deste modelo de ingerência dos cotistas, e por isso estamos analisando o quanto isso pode inibir a participação deles nos fundos”, adverte Cantidiano, que participa dos estudos da associação. “Precisamos habilitar o setor para receber o dinheiro de fora”, concorda Gonçalves.

Além do grupo de trabalho de regulamentação, a ABVCAP tem um projeto de auto-regulação junto com a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Esta, há dez anos, tem um código para o seu setor. “Queremos formatar alguns procedimentos para o funcionamento dos fundos”, explica. “O investidor recebe hoje relatórios em formatos e prazos diferentes”, acrescenta. Sua expectativa é que o trabalho gere resultados já em 2009. A assessoria de imprensa da CVM informou que não participa de estudos que visem a aperfeiçoar as normas aplicáveis aos fundos de PE. Mas disse que tem conhecimento de que “entidades do setor apresentarão proposta de novas regras a respeito da matéria”.

Para Gonçalves, esse processo se insere na curva de aprendizado da indústria de PE. “Não é preciso determinar que os fundos tenham ou não comitê de investimentos. A nossa regulamentação é um sucesso que serve de modelo para vários países”, afirma. “Desejo que os cotistas deixem de fazer parte do núcleo das decisões de investimento de forma voluntária, daqui a alguns anos, quando houver uma série histórica positiva e confiança suficiente”, diz o gestor. O fundo de pensão que mais exige o comitê, no fundo, concorda com essa visão: “Gostaríamos de eliminar os custos que a participação nos comitês implica”, reconhece Mozer, da Previ. Mas isso ainda depende de tempo e amadurecimento. Ao contrário da norte-americana, a nossa indústria de private equity está apenas começando.


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