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O planeta é o limite
Companhias brasileiras vão às compras no exterior, vendem suas ações para estrangeiros e adoram quando são chamadas de multinacionais

, O planeta é o limite, Capital AbertoNos últimos anos, surgiu uma figura nova no mundo corporativo: a multinacional brasileira. Mais ágil, moderna, produtiva e extremamente competitiva, ela surpreendeu os brasileiros que, pela primeira vez, ouviam a notícia de empresas nacionais indo às compras lá fora. Foi assim com a exportadora de suco de laranja Cutrale e a metalúrgica Gerdau, que adquiriram fábricas nos Estados Unidos no fim dos anos 90. Depois vieram outras. Em outubro de 2006, o mundo assistiu à compra da canadense Inco pela Vale do Rio Doce, por quase US$ 18 bilhões.

Mas o universo das multinacionais brasileiras é maior do que parece à primeira vista. Embora não haja números oficiais, estima-se que existam perto de mil múltis brasileiras que trabalham intensamente no exterior por meio da compra de ativos, da abertura de escritórios de representação ou de parcerias estratégicas. Segundo o último relatório do Banco Central, o Brasil já investiu em 143 países.

“A boa notícia é que a internacionalização não está restrita aos grandes conglomerados. Ao contrário, a quantidade de médias empresas é surpreendente”, diz o professor Luiz Carlos Ferreira Carvalho, do Núcleo de Estudos de Internacionalização da Fundação Dom Cabral. No caso das médias — entre elas prestadoras de serviços, como consultorias, escolas de idiomas e escritórios de advocacia —, o volume de capital envolvido é menor, o que facilita a montagem de uma operação fora do País.

, O planeta é o limite, Capital AbertoAs empresas brasileiras passaram a ser respeitadas e temidas em diversos setores. Em 1999, apenas duas exportavam mais de US$ 1 bilhão. Hoje são 16. E o número de companhias que vendem para o exterior mais de US$ 100 milhões praticamente dobrou nos últimos quatro anos.

A economia foi fortemente impulsionada por esse fenômeno chamado globalização, que abriu as portas para o capital nacional e está mais ativo do que nunca. O mercado de capitais — seja local ou, mais recentemente, internacional — tem sido, na maioria dos casos, a grande plataforma de lançamento dessas empresas além-mar.

Em 2002, as empresas brasileiras investiram no exterior perto de US$ 2,5 bilhões. Em 2006, esse número subiu para US$ 28,2 bilhões

Ofensiva internacional

No processo de integração das companhias brasileiras ao cenário global, a movimentação de capitais é o melhor termômetro. Em 2002, as empresas verde-amarelas investiram no exterior perto de US$ 2,5 bilhões. Em 2006, esse número subiu para US$ 28,2 bilhões, com destaque para a operação de compra da Inco pela Vale. Os dados são do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), instituição da ONU dedicada à integração dos países em desenvolvimento à economia mundial.

Neste ano, outras operações de vulto foram anunciadas: a Gerdau comunicou sua entrada no México com a compra da siderúrgica Tultitlán, por US$ 259 milhões. A Votorantim pagou US$ 491 milhões pela usina de aço Acerías Paz Del Rio, na Colômbia. A Vale desembolsou US$ 90 milhões por 51% de um projeto de carvão em mina subterrânea na Austrália.

As grandes operações no mundo dos negócios, que antes eram protagonizadas exclusivamente por firmas européias, americanas ou japonesas, tornaram-se mais democráticas graças à grande oferta de capital que circula pelo mundo. Dessa forma, companhias brasileiras passaram a disputar de igual para igual com grupos estrangeiros de países desenvolvidos.

A Construtora Norberto Odebrecht é um exemplo. Já disputou licitações com firmas européias e americanas. É claro que perdeu algumas. Mas ganhou outras, como a construção e a reforma do aeroporto de Miami, nos Estados Unidos. “Partimos para a internacionalização no fim dos anos 70 em busca de crescimento. Foi uma decisão acertada”, diz Fernando Reis, diretor de investimentos e financiamentos internacionais da empresa, que atua em 16 países e tem uma carteira de contratos de R$ 15,2 bilhões.

O Brasil passou a olhar para fora com outros olhos. E os estrangeiros começaram a nos ver de outra forma também. Os investimentos diretos estrangeiros aqui, que haviam somado US$ 16 bilhões em 2006, devem passar a marca de US$ 25 bilhões neste ano. Nos 12 meses encerrados em junho, o fluxo foi de US$ 32,2 bilhões. Para se ter uma idéia, esse volume só não foi maior que o apurado na época das privatizações, quando, ao longo do ano 2000, atingiu US$ 32,8 bilhões.

A razão de os estrangeiros correrem para cá está na grande oferta de crédito internacional, no reposicionamento estratégico de muitas empresas e setores e na expectativa de que o Brasil receba o selo de “grau de investimento” das agências de classificação de risco nos próximos dois anos. “Muita gente está vindo antes mesmo da obtenção do ‘investment grade’ porque quer selecionar as melhores oportunidades antes dos outros”, diz Nuno Almeida, economista-chefe do Standard Bank.

Fusões e aquisições, um recorde

O ano de 2007 está caminhando para mais um recorde quando o assunto são fusões e aquisições, na opinião de Claudio Ramos, sócio de corporate finance da KPMG. De janeiro a junho deste ano, a consultoria apurou 294 transações, 28% a mais que no ano passado. “O segundo semestre é tradicionalmente mais aquecido do que o primeiro, o que indica que este ano será melhor que 2006, já recordista”, afirma Ramos. Desse total, 32 operações são de empresas brasileiras que compraram no exterior, volume 78% maior que o apurado no primeiro semestre de 2006.

O Brasil não é o único a construir uma presença global. Outros países em desenvolvimento estão passando pela mesma situação. Segundo o Banco Mundial, as multinacionais de países emergentes que compraram além de suas fronteiras transacionaram US$ 100 bilhões em 2006, contra US$ 400 milhões em 1987.

Para financiar esses negócios, as empresas estão diversificando suas fontes de recursos. No Brasil, o crédito bancário vem perdendo importância com a chamada desintermediação do mercado financeiro, que, traduzida do “financês”, significa o acesso cada vez maior das companhias a recursos para o seu crescimento sem a intermediação dos bancos.

Estudo da consultoria Risk Office mostra que o mercado de capitais hoje responde por 61% na matriz de financiamentos do Brasil, enquanto os bancos ficam com 32%. “O mercado de capitais amadureceu. Um exemplo disso é o fato de os contratos para emissão de títulos terem se padronizado e se transformado em commodities, o que baixou seus custos, tornando-os mais acessíveis para a maioria das empresas”, afirma o consultor Antonio Carlos Rocca, da Risk Office.

As empresas brasileiras, que antes só tinham acesso ao crédito de longo prazo por meio do BNDES, passaram a obter recursos no mercado de capitais. Prova disso é que, desde o fim do ano passado, o estoque de debêntures superou a carteira de empréstimos do banco estatal. Até junho, os títulos de dívida corporativa em circulação somavam R$ 166,6 bilhões, segundo a Andima, e a carteira de financiamentos do BNDES tinha R$ 138,1 bilhões.

“O capital transformou muitas empresas de presas em predadoras”, ressalta Ramos, da KPMG. O capital, mais do que nunca, veio na forma de emissões de debêntures, novos lançamentos de ações e aberturas de capital — initial public offerings (IPOs). Juntas, essas três modalidades levantaram R$ 69,3 bilhões nos primeiros sete meses deste ano, volume 10,2% maior que os R$ 62,9 bilhões apurados em igual período do ano passado.

Capital em mãos alheias

Muitas vezes, eles nunca estiveram na América do Sul, muito menos no Brasil. Alguns hesitam quando questionados sobre o nome da capital brasileira — “não seria Buenos Aires?” — ou imaginam que aqui se fala espanhol. No entanto, eles estão por dentro de temas como o retorno sobre o ativo das Lojas Renner, o lucro líquido da Embraer e a variação da ação ordinária da Cosan no primeiro semestre. São investidores que vêm de longe, mas, nos últimos anos, têm marcado presença significativa na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).

A participação média dos estrangeiros nas ofertas públicas de ações este ano é de 73,4% até 2 de agosto, o último dado disponível. Seus investimentos somaram R$ 25,7 bilhões no período. No total do volume transacionado em bolsa todos os dias, os estrangeiros têm hoje participação média de 34,6%, contra 25,9% há dez anos (ver quadro na página 27).

A presença maciça desses investidores criou, inclusive, algumas situações curiosas. Vejamos o caso das Lojas Renner. Praticamente 100% de seu controle foi pulverizado em bolsa, após a venda da participação da JC Penney, sua antiga dona. Hoje, portanto, a companhia não tem um grupo controlador definido e seu capital está disperso na bolsa brasileira. Mas isso não significa que ela seja uma autêntica varejista verde-amarela. Cerca de 80% de suas ações estão nas mãos de estrangeiros, informa José Carlos Hruby, diretor de Relações com Investidores. “Este modelo de controle pulverizado é familiar aos estrangeiros e, sem dúvida, um atrativo para eles”, acredita. Pouco comum por aqui, o capital pulverizado é uma realidade nos Estados Unidos, onde a maioria das empresas apresenta essa configuração societária. Um exemplo é o da Microsoft, de Bill Gates, que detém apenas 9,55% de seu capital.

No caso das Lojas Renner, o maior acionista individual é um estrangeiro, que tem 5% das ações da empresa. “Acho que esse modelo é mais transparente e democrático para o acionista”, diz o executivo, que vê com bons olhos a presença de não-brasileiros no capital da Renner. “Dá mais visibilidade ao nosso papel e às atividades da empresa”, avalia. Metade desses estrangeiros é formada por americanos e a outra parte pertence a europeus de países como Inglaterra, Escócia e Holanda.

Outro exemplo é o da fabricante de telhas e caixas d’água Eternit, que pulverizou seu capital entre o fim de 2003 e o início de 2004. Cerca de 95% das ações estão no mercado, sendo 15% em mãos de estrangeiros. “É uma prova de que eles não só acreditam no Brasil, mas também no nosso negócio”, diz Camila Anker, assessora de Relações com Investidores da empresa.

Tempos memoráveis

Nos anos 90, o México era uma economia cambaleante, semifalida e apagada que atraía, em média, US$ 9,3 bilhões de investimentos diretos por ano. Em 2000, veio a grande virada. A agência de classificação de risco Moody’s Investors Services concedeu ao país o tão cobiçado investment grade à sua dívida soberana. É como se a Moody’s dissesse ao mercado que o México era um lugar seguro para investir. Em 2002, os investimentos diretos inundaram o país, atingindo US$ 18 bilhões. Incapaz de emitir papéis com vencimento superior a um ano até então, o México emitiu seu primeiro bond de 20 anos em 2003.

Assim, com poucos exemplos, é possível entender o que está por trás dos sonhos que povoam a mente das autoridades e do empresariado brasileiro. Desde que a Fitch Ratings e a Standard & Poor’s colocaram o Brasil a um passo do grau de investimento, o mercado de capitais vive momentos memoráveis.

No primeiro semestre, 34 empresas estrearam na Bovespa. “Imagine que, no início do ano, o mais otimista dos analistas falava em 40 aberturas de capital para o ano todo”, lembra Nuno Almeida, economista-chefe do Standard Bank. As projeções foram revistas e já se fala em 60 operações. “Muitas estão se preparando para o investment grade e às oportunidades associadas a ele”, afirma.

Para o economista, a melhor notícia é que o selo deve sair mesmo sem reformas importantes, como a tributária. “Os fundamentos da economia, como inflação, câmbio e balança de pagamentos, são sólidos”, diz. Segundo ele, as reservas internacionais, de US$ 147,1 bilhões, são mais do que suficientes para cobrir as dívidas de curto prazo, de US$ 50 bilhões. “Nossa capacidade de pagamento está em grande forma”, afirma. As apostas do mercado dão conta de que a nota deverá ser atribuída entre o início de 2008 e o fim de 2009. Estima-se que, quando esse momento chegar, o Brasil passará a disputar uma fatia dos US$ 10 trilhões de recursos existentes no mundo que são aplicados exclusivamente em títulos de “países investment grade”.

O grau de investimento está mais próximo do que nunca. E parte da economia já sente seus efeitos porque muitos investidores, ávidos em selecionar as melhores oportunidades, se anteciparam aos fatos. Em 2005, o governo federal lançou, pela primeira vez, títulos denominados em reais (Global BRL). Neste ano, empresas como Cyrela, Cesp e RBS fizeram o mesmo. Entre os compradores estão investidores americanos e europeus, que afirmam sua confiança na moeda nacional.

Vitrine internacional

Um número cada vez maior de companhias brasileiras está negociando suas ações em bolsas estrangeiras. É uma forma de se projetar internacionalmente, induzir os estrangeiros a negociar seus papéis e garantir que as portas estejam abertas caso necessitem captar em bolsa no futuro. Segundo o Banco Mundial, em todo o mundo existem 1.328 empresas listadas além de suas fronteiras, 30% delas oriundas de países emergentes.

A MMX Mineração e Metálicos S.A. é um exemplo de quem aderiu recentemente à listagem no exterior. E não o fez na Bolsa de Nova York, como costumam preferir as empresas brasileiras. Desde o fim de junho, está listada na Bolsa de Toronto, no Canadá. Lançou Global Depositary Receipts (GDR) — que representam os papéis negociados no Brasil e, a cada 20, equivalem a uma ação.

“Escolhemos a Bolsa de Toronto porque é o melhor lugar para mineradoras listarem suas ações, inclusive quando estão na fase de projeto, como nós”, diz Elizabeth Cruz, gerente de Relações com Investidores. Na época, a MMX cogitou negociar em outros pregões, como o de Londres, mas optou por Canadá pela tradição que a bolsa do país tem em negociar ações de empresas em estágio embrionário. A MMX possui projetos de investimento de US$ 4 bilhões, dos quais US$ 500 milhões já foram captados.

“Nos primeiros road shows com investidores estrangeiros, muitos demonstraram interesse pela nossa empresa, mas disseram que, por motivos diversos, não tinham interesse em negociar no Brasil”, recorda Elizabeth. “Isso facilitou a decisão de ir para fora do País.”

As ações da Gerdau são listadas em quatro pregões: Bovespa, Bolsa de Nova York, Bolsa de Toronto e Bolsa de Madri — no segmento dedicado a latinoamericanas, o Latibex. Seus papéis movimentam perto de US$ 60 milhões nas quatro bolsas diariamente. No Latibex, das 34 companhias listadas, 15 são brasileiras.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, a Lei Sarbanes-Oxley parece continuar afugentando as empresas dispostas a ter suas ações negociadas na Bolsa de Nova York. A lei estabeleceu controles rigorosos para as companhias listadas no país, o que aumentou seus custos de manutenção naquele mercado. O resultado é que o número de estrangeiras listadas, que era de 943 no fim de 2000, caiu para 784 no fim do ano passado. Bolsas como a de Londres, Luxemburgo e até mesmo a Bovespa tornaram-se mais atraentes.

A Itacaré Capital Investments — fundo que investe em resorts e empreendimentos imobiliários de luxo no litoral do Brasil —, por exemplo, preferiu abrir seu capital na Bolsa de Londres, em maio deste ano. Captou US$ 87 milhões no mercado inglês voltado a companhias com alto potencial de crescimento, o Alternative Investment Market (AIM). E cinco companhias negociam Brazilian Depositary Receipts (BDRs) na Bovespa. Quatro delas abriram o capital na Bolsa de Luxemburgo: Dufry South America, que opera lojas duty-free no Brasil, a Tarpon Investment Group, firma administradora de recursos, o fundo de private equity GP Invest e a empresa de logística Wilson Sons. A quinta, o Banco Patagônia, é originalmente negociada na Bolsa de Buenos Aires, mas decidiu fazer uma dupla listagem na bolsa brasileira.


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