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Fim do monopólio?

Círculo de debates - patrocínio
Promulgada em 2009, a Lei do Gás, de número 11.909, criou regras para o fomento da concorrência no setor. Uma delas prevê a construção de novos gasodutos por meio do regime de concessão. Apesar disso, não houve sequer uma licitação nesses sete anos. As atividades permaneceram concentradas na Petrobras — a estatal participa de todas as etapas, da exploração à distribuição e à comercialização do gás natural.

A crise econômica e a Operação Lava Jato, contudo, forçam a quebra desse monopólio. Sufocada pelo alto endividamento, a Petrobras agora está disposta a vender gasodutos e terminais de regaseificação para gerar caixa. A iniciativa tem potencial para atrair novos investidores privados ao Brasil. Neste Círculo de Debates, cinco especialistas (veja fotos) discutem os desafios da desverticalização e do desenvolvimento do setor de gás natural. Confira os melhores trechos a seguir.

Círculo de debates

CAPITAL ABERTO: O setor de gás natural passa por um momento de mudança, diante dos planos da Petrobras de se desfazer de ativos de gás. Na opinião de vocês, finalmente teremos uma desverticalização do setor?

Percival Amaral: É possível que tenhamos novos entrantes. O problema é que a situação atual de investimento no País é de insegurança, e isso pode prejudicar esse processo. De nada adianta termos uma abertura do mercado de gás se não aparecerem players com capital suficiente para desenvolver novos campos, terminais para produção de gás natural liquefeito [GNL] e acessos até os gasodutos. Sem isso, o setor pouco vai crescer. O momento é de muitas oportunidades, mas também de muitas ameaças e incertezas.

Lucien Belmonte: A desverticalização é fundamental. Mas para que ela ocorra precisamos debater o contexto em que está inserida — e ele não está claro. Essa desverticalização não é uma política de Estado, é uma necessidade de caixa da Petrobras. E, diante disso, quem investir vai exigir uma taxa de retorno maior. Hoje, a falta de credibilidade do governo para conduzir políticas públicas de forma clara e objetiva é um problema não só no mercado de gás, mas em diversos outros segmentos no Brasil. Do jeito como o mercado de gás vem sendo desenhado e com a suposta desverticalização do segmento, eu me atrevo a fazer uma brincadeira: o resultado será um mercado livre escravocrata. Ou seja, será um mercado, mas não muito, já que a concorrência, se existir, será limitada, e a demanda será restrita. A situação atual é o sonho apenas dos banqueiros de investimento, que estão felizes da vida ganhando comissão pela venda de ativos.

Rodrigo Machado: O ingresso de novos players no setor será importante para termos, de fato, um mercado de gás natural no Brasil. Hoje nós não temos isso. Como não há regulação tarifária para o setor, é grande o incentivo para a Petrobras adotar um comportamento oportunista, monopolista. Outro problema é que as legislações estaduais não se mostram suficientes para criar um mercado de comercialização de gás para os consumidores livres [o consumidor livre foi definido na Lei do Gás como o “consumidor que, nos termos da legislação estadual aplicável, tem a opção de adquirir o gás natural de qualquer agente produtor, importador ou comercializador”. O enquadramento dessa figura, contudo, depende de legislação estadual — não há parâmetros preestabelecidos]. Tanto que, até hoje, não temos nenhum contrato livre de gás que permita que o consumidor escolha seu fornecedor no mercado, como ocorre desde 1998 no caso da energia elétrica. O setor de gás natural precisa de uma política setorial coesa, e um entrave para que esse objetivo seja alcançado é a questão da dupla competência. O governo federal é responsável por regular a produção e o transporte do gás natural, e o estadual, a distribuição — e o problema é que os dois não conversam.

Ricardo Pinto: Na minha opinião, hoje o setor de gás natural tem diante de si diversas oportunidades. Uma delas é o gasoduto Bolívia-Brasil [Gasbol]. A Petrobras já disse que não tem interesse em renegociar o ativo após o término do contrato, que expira em 2019. A renovação é uma oportunidade para outros agentes do setor negociarem esse contrato e buscarem melhores condições. É hora de sair do comodismo.

CAPITAL ABERTO: O Lucien comentou que a desverticalização ocorrerá por causa da necessidade de capital da Petrobras e não por uma política clara de Estado. Como você vê essa crítica, Tolmasquim?

Mauricio Tolmasquim: Primeiro, é importante destacar que existe um marco regulatório em vigor desde 2009 que fomenta a concorrência. Segundo, vocês acham que a Petrobras anunciou a venda de todos esses ativos de gás, favorecendo uma desverticalização do setor, sem o governo concordar? Que maior sinal político é preciso? Dito isso, precisamos encarar o fato de que, hoje, o setor de gás passa por um momento de transição — de uma situação em que havia o monopólio de um agente, no caso a Petrobras, para outra em que teremos muitos outros players no mercado. E essa transição ocorre para o bem e para o mal, uma vez que a Petrobras sempre teve o papel dúbio de ora ser um agente de política pública e ora agir seguindo a lógica de empresa e, portanto, buscando a maximização dos lucros. A desverticalização já vinha acontecendo aos poucos, mas não há dúvidas de que se acelerou enormemente por causa da crise da estatal.

CAPITAL ABERTO: Por que a Lei do Gás não foi bem-sucedida na atração de novos players?

Mauricio Tolmasquim: Um dos motivos foi a falta de gás natural suficiente em terra para outras empresas, além da Petrobras, traçarem gasodutos. Nos últimos anos, não houve oferta de gás abundante no Brasil, por isso tivemos de importar GNL para atender ao consumo do setor elétrico. Essa escassez fez com que as licitações de novos gasodutos, previstas na Lei do Gás, pelo regime de concessões, ficassem atrasadas.

Rodrigo Machado: A lei não pegou porque falta uma política clara para o setor. Foi um equívoco a legislação estabelecer um modelo que prevê a livre contratação de gás, o regime de concessões de gasodutos e o transporte de gás por um agente diferente do carregador do insumo, e o Estado permitir que essas medidas não fossem implementadas para não coibir a atuação da Petrobras em todos os elos da cadeia. Foi essa situação que permitiu à estatal manter seu domínio. Agora, pergunto: por que tivemos que esperar a estatal virtualmente quebrar para o setor começar a se desverticalizar? Por que não pensamos em uma solução nesses sete anos?

CAPITAL ABERTO: A falta de uma legislação setorial coesa pode frustrar a venda dos ativos de gás?

Rodrigo Machado: Acredito que sim. Sinceramente, não sei nem quem tem interesse em comprar esses ativos. Quem adquirir os gasodutos, por exemplo, vai vender gás para quem? Para a própria Petrobras? Para as térmicas da Petrobras? Para uma nova empresa que substitua a Petrobras? Para existir mercado, é preciso mais de um consumidor. Além disso, nesse processo de venda, não podemos desconsiderar a possibilidade de a Petrobras ser substituída por um agente “XPTO” que adquira a maioria dos vários ativos e mantenha uma posição relevante no setor.

CAPITAL ABERTO: Existe, então, o risco de a concentração de atividades continuar?

Mauricio Tolmasquim: Claro que existe. Nós temos que torcer para que agentes diferentes adquiram os vários ativos à venda. Mas a questão é: vale a pena para alguém que está entrando no segmento adquirir a regaseificação e não o transporte? Esses são fatores que precisam ser ponderados.

Percival Amaral: Cabe a nós, a sociedade, através das associações do setor, vigiar para que novos monopólios não sejam criados.

CAPITAL ABERTO: Com a crise política e econômica, falta crédito para investimento?

Mauricio Tolmasquim: As empresas estão com bastante dificuldade para obter financiamento. Projetos não faltam. O problema é que ninguém tem recursos para injetar e se os sócios precisam colocar uma quantidade de capital próprio muito grande acabam desistindo. O BNDES retraiu muito a oferta de crédito e está caríssimo captar recursos no mercado privado.

Ricardo Pinto: Essa questão do financiamento dos projetos é complicada, porque o cenário é o seguinte: o investidor tem receita em real, mas o custo operacional dos ativos do setor é em dólar. Que banco vai financiar isso?

Mauricio Tolmasquim: Não há o que fazer em relação a isso. Dolarizar a tarifa seria suicídio, porque esse custo da oscilação cambial teria de ser repassado às contas, por exemplo, do setor elétrico, e isso aumentaria ainda mais os custos. Precisamos buscar alternativas e o mercado de capitais oferece oportunidades. O banco estatal tem estimulado a oferta de debêntures de infraestrutura. É complicado encontrar comprador para esses títulos, por causa da falta de liquidez, mas, por outro lado, para quem aceitar essa condição, os retornos podem ser interessantes.


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