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A volta de uma lenda
Blue chip nos anos 80, Paranapanema prepara nova oferta de ações para saldar dívidas e aumentar a capacidade produtiva

Uma ilustre veterana prepara seu relançamento na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Com o pedido de registro para uma oferta primária de ações ordinárias (sob análise na Comissão de Valores Mobiliários, CVM, até o fechamento desta edição) e o selo Nível 1 de governança da Bovespa, obtido no início deste mês, a Paranapanema S.A. quer iniciar uma nova fase em pregão. Se bem-sucedida, a operação ressuscitará uma verdadeira lenda do mercado de ações brasileiro. “Era a maior ação da bolsa nos anos 80”, lembra Luiz Masagão Ribeiro, sócio-diretor do banco Indusval, cuja corretora foi a principal operadora dos papéis da Paranapanema nos tempos de glória.

, A volta de uma lenda, Capital AbertoO melhor jeito de explicar o que foi esse fenômeno é resgatando a sua história. Tudo começou em 1961, quando o engenheiro Octávio Cavalcante Lacombe, o comerciante José Carlos de Araújo e o fundador do banco Itaú, Aloysio Ramalho Foz, formaram uma sociedade que levou o nome de Paranapanema, município do interior paulista onde Araújo e o banqueiro tinham propriedades rurais. Inicialmente, havia outros sócios, que deixaram o negócio ainda na década de 60, como o próprio Foz, em 1965. Foi nesse ano que a Paranapanema entrou no setor de mineração. Antes disso, sua atuação se restringia à construção civil pesada.

As origens desse empreendimento, e sua trajetória até a década de 90, são descritas na monografia Negócio do Diabo, do jornalista Alcides Ferreira, submetida à Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). De acordo com a pesquisa do jornalista, Lacombe acreditava que o negócio da mineração “era mais estável, de longo prazo e com maior continuidade do que o ramo de construção, sempre sujeito a contratos de curto prazo”. Araújo ficava à frente dos projetos de construção. Já Lacombe comandava a atividade de mineração, que se tornaria mais tarde a mola propulsora da companhia.

Em 17 de novembro de 1971, a Paranapanema entrou no leilão da Bovespa fazendo barulho. Logo na estréia, os papéis PMA figuraram entre as cinco maiores blue chips, como Belgo-Mineira, Banco do Brasil, Petrobras e Companhia Vale do Rio Doce. O valor de mercado da companhia ficou em torno de US$ 30,8 milhões. Nada mau para uma empresa que nascera com aportes de US$ 600 mil. Mas anos tenebrosos estavam por vir. Em meados da década de 70, Lacombe e Araújo fecharam um acordo com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) para a troca de quatro hospitais no Paraná e em São Paulo por um terreno de 237 mil metros quadrados ao lado da Marginal do Rio Pinheiros, próximo à Ponte Cidade Jardim, na capital paulista. O objetivo dos empresários era construir um “grande empreendimento imobiliário no local”, mas eles não contavam com o descumprimento do trato pelo INPS. A Caixa Econômica Federal, que havia liberado os empréstimos para a obra, acabou recebendo o terreno como garantia. Sem saída, a Paranapanema pediu concordata em março de 1976 e foi colocada para fora da bolsa, aonde só voltaria em 1980.

Nessa segunda fase, a companhia atingiu o seu auge. A razão do sucesso estava no estanho, minério extraído da cassiterita. O elemento químico é aplicado na fabricação de chapas de aço, soldas e ligas metálicas, entre outros. A Paranapanema já vinha investindo na mineração do estanho desde a década de 70. “As minas eram boas, mas demoraram a apresentar resultados”, diz Ribeiro, do Indusval. O “pulo-do-gato” ocorreu com a descoberta do depósito de cassiterita na região do Rio Pitinga, a cerca de 250 quilômetros ao norte de Manaus (AM). A jazida passou a ser explorada comercialmente a partir de 1982.

Em 1989, as ações PN da Paranapanema giravam 23,08% do volume da Bovespa, um recorde. Mas o advento da Telebrás seria o sinalizador de sua derrocada

Pitinga se revelou um tesouro fenomenal. Além de guardar uma das mais ricas reservas de estanho da crosta terrestre, a jazida também é o maior depósito de tântalo (aplicado na indústria eletrônica) do planeta, o segundo de nióbio e o maior de zircônio no Brasil — estes dois últimos são usados na siderurgia. Pitinga também é o único reservatório conhecido no globo onde se pode encontrar a creolita, mineral utilizado como fundente na indústria do alumínio. “O tamanho das reservas minerais e a diversidade dos materiais explicavam a rentabilidade da companhia”, disse Paulo Lacombe, filho de Octávio Lacombe, em entrevista à CAPITAL ABERTO.

Havia mais uma vantagem crucial. Enquanto na maioria das jazidas no resto do mundo a cassiterita está incrustada em terrenos de difícil garimpagem, no Brasil ela repousa em aluviões como o de Pitinga, como resultado de um processo de sedimentação. Isso propiciou economias formidáveis para a Paranapanema na obtenção do estanho. Com um negócio desses, a companhia assistiu a uma corrida a seus papéis como nunca antes vista. “O preço elevado no mercado internacional ao longo dos anos iniciais de alta da produção de Pitinga, 1983 e 1984, somado ao baixo custo para a extração da cassiterita da mina, transformaram a Paranapanema em uma casa da moeda”, descreve o texto de Alcides Ferreira. Em 1984, a empresa alcançou US$ 1,173 bilhão em valor de mercado, o equivalente a 4,05% da capitalização de US$ 28,994 bilhões da bolsa.

O barco começou a virar em 1985, com a quebra do cartel do estanho. A fim de regular o preço da commodity, o Comitê Internacional do Estanho (ITC, sigla em inglês para International Tin Committee), que reunia os grandes produtores mundiais, comprava o excesso da oferta do minério para segurar a sua cotação. Faziam parte do grupo países asiáticos como Malásia, Tailândia e Indonésia. Porém, a chegada de importantes players, como o Brasil e a China, sem aderir ao ITC, aumentou a produção e fez o cartel perder o controle sobre os preços. “Meu pai nunca acreditou nesse mecanismo. Ele o achava artificial, sem solidez no longo prazo”, diz Paulo Lacombe.

Quando o mundo passou a consumir menos estanho do que produzia, os bancos pararam de oferecer linhas de crédito para financiar o estoque do ITC. Em 24 de outubro de 1985, segundo a pesquisa de Ferreira, o cartel anunciou que não poderia quitar um compromisso de US$ 1 bilhão, referente a 80 mil toneladas de estanho. Com a notícia, a London Metal Exchange (LME, a bolsa mais relevante para a negociação da mercadoria) paralisou as operações com o minério até 1989. Nos Estados Unidos, a cotação havia recuado 40% um ano depois do dia do crash. Os resultados da Paranapanema foram atingidos em cheio. Para cuidar da saúde financeira do braço de mineração e metalurgia, Octávio Lacombe convocou o engenheiro Samuel Hanan, então na British Petroleum, para encabeçar a área. De acordo com Ferreira, os primeiros meses na nova casa foram de surpresa para Hanan. “A empresa não produzia, por exemplo, relatórios gerenciais para acompanhar seu desempenho. Na Paranapanema, nunca tinha existido uma reunião formal, com agenda ou papel passado. A informalidade era total.”

Hanan provocou um choque de gestão na companhia, que melhorou os resultados, mas estes continuavam influenciados pelo desempenho do estanho no mercado internacional. Em 1989, as ações preferenciais da Paranapanema giraram 23,08% do volume financeiro à vista da Bovespa, um recorde para a empresa. Mesmo assim, os papéis acumularam perda de 28,2% naquele ano. Um sinalizador da derrocada da companhia na bolsa foi o advento da futura blue chip Telebrás, em março de 1989. “Na última carteira do Ibovespa de 1990, válida para o período de setembro a dezembro, Paranapanema ainda mostrava peso de 19,18% no índice, refletindo sua elevada liquidez nos 12 meses anteriores. Telebrás ocupava 7,39%. Mas, um ano depois, na carteira de setembro a dezembro de 1991, Telebrás PN subiu para 18,71%, enquanto Paranapanema caiu para 15,96%”, relata o jornalista. Era o fim de uma era.

A parceria bem-sucedida entre Octávio Lacombe e José Carlos de Araújo, conhecido como Zé Milionário, teve ponto final em abril de 1992. Segundo Paulo Lacombe, não houve atritos entre os dois. Araújo queria se aposentar, vender sua parte na empresa e Lacombe estava disposto a comprá-la. “Juntaram a fome e a vontade de comer”, diz Lacombe, o filho. Para mostrar que a relação entre ambas as famílias era amigável, ele conta ter ingressado na companhia, em 1991, apoiado pelo próprio Zé.

Três meses após o término da sociedade, mais um acontecimento enterrou no passado a Paranapanema dos tempos áureos. Em 21 de junho de 1992, prestes a completar 66 anos de idade, Octávio Lacombe morreu ao capotar seu Alfa-Romeo na Rodovia Castelo Branco, tentando desviar, em alta velocidade, de um cachorro que atravessava a pista. A esposa, Stela, e três netas que o acompanhavam no veículo saíram com vida. Já no fim de 1993, a família Lacombe decidiu abrir mão do controle da companhia. Muito ligado à empresa, Paulo foi o único a defender sua manutenção. “Eu não teria vendido a companhia”, admite, saudoso até hoje. A venda foi oficializada em 22 de dezembro de 1995 para um consórcio liderado pelos fundos de pensão Previ (do Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Aerus (Varig), Sistel (Telebrás), FPS (Fundo de Participação Social do BNDES) e Telos (Embratel). Desde então, os PMA permaneceram esquecidos na bolsa.

O RECOMEÇO — Contudo, em 2004, a companhia sinalizou que viriam mudanças. Iniciou um processo de reestruturação operacional, administrativa e financeira. O objetivo era reduzir a dívida e ampliar a capacidade produtiva. Com essa perspectiva, foi firmado, em dezembro de 2006, um acordo com os credores Previ, Sistel, dois fundos de investimento do Banco do Brasil, Petros e BNDES. O tamanho da dívida era de cerca R$ 1,2 bilhão. Pelo acordo, a Paranapanema se comprometeu a realizar uma oferta pública de ações e adaptar sua estrutura às regras do Novo Mercado da Bovespa.

Embora a companhia tenha se preparado para o segmento mais elevado de governança corporativa, o acordo com os credores prevê, primeiro, a listagem no Nível 1. Só depois de 24 meses é que a companhia aderirá ao Novo Mercado. Em agosto, foi aprovado em assembléia o direito de todos os titulares de preferenciais converterem suas ações em ordinárias. O exercício dessa possibilidade fez a representatividade das ações preferenciais despencar para 1,38% do capital social da companhia. Meses antes, em setembro, as ações sem direito a voto respondiam por 42,26% do total.

Mas não é só na estrutura de controle e na composição do capital que a Paranapanema está diferente. O foco do seu negócio também mudou. O estanho, outrora a menina dos olhos, perdeu a posição de destaque para o cobre. A Caraíba Metais e a Eluma, subsidiárias da holding na indústria do cobre, são responsáveis por mais de 90% da receita líquida do grupo. A Taboca, por sua vez, produtora de estanho, responde por 5,1% (dados de julho de 2007). Por meio da Cibrafértil, a Paranapanema atua também no segmento de fertilizantes. Por enquanto, a divisão tem participação pouco relevante nos resultados do grupo — 1,3% da receita líquida.

Por ser tão dependente da performance da unidade de cobre, a Paranapanema mencionou a variação da cotação da commodity no mercado internacional como um dos fatores de risco apresentados no prospecto. É citado também o empréstimo de R$ 200 milhões contraído com os coordenadores da oferta, os bancos UBS Pactual e Santander. Processos judiciais e administrativos, além de ações civis públicas, nos quais a Paranapanema está envolvida, somavam cerca de R$ 1,8 bilhão em 30 de junho de 2007. Entre as vantagens competitivas, a empresa ressalta a liderança nacional no mercado de refino de cobre e de semi-elaborados de cobre e estanho. A base de clientes, considerada sólida, o baixo custo na produção de cobre e a eficiência logística são apontados como pontos positivos. E é assim, entre prós e contras, que a Paranapanema inicia o mais novo capítulo de sua excêntrica história na bolsa de valores.


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