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Passando a régua
Cresce o interesse dos investidores por medidas mais precisas e comparáveis sobre questões relacionadas a sustentabilidade

Em meados de setembro, um grupo formado pelos maiores fundos de pensão e de investimentos dos Estados Unidos e da Europa enviou uma petição à Securities and Exchange Commission (SEC). Nela, eles requeriam uma medida para tornar obrigatória a todas as companhias abertas listadas nas bolsas norte-americanas a divulgação de um relatório de riscos financeiros originados pelas mudanças climáticas. “Os resultados das empresas dependem cada vez mais da habilidade de evitar os riscos ambientais e de explorar novas oportunidades de negócios em resposta às alterações no ambiente físico e regulatório que serão provocadas pelas mudanças climáticas”, diziam os autores da proposta.

Classificando os atuais relatórios de sustentabilidade de insuficientes e evasivos, o documento reconhecia que não existe um formato único para atender a todas as empresas e que as exigências de divulgação deveriam levar em conta o setor e o tipo de operação de cada uma. Os investidores sentem falta, principalmente, de informações sobre os riscos físicos que possam alterar a condição financeira da companhia, os procedimentos legais que devem ser adotados pela indústria em relação às mudanças climáticas e os riscos e as oportunidades embutidos nesse processo.

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A iniciativa norte-americana é apenas a mais recente de uma série de ações para ampliar o disclosure das informações relacionadas à sustentabilidade das companhias. Ainda no plano internacional, caminha-se rumo ao desenvolvimento de um padrão único de disclosure — numa iniciativa semelhante à vivenciada por contadores e auditores com a criação do International Accounting Standards Board (Iasb). Um grupo de sete organizações ambientais e de negócios, secretariado pelo Carbon Disclosure Project (CDP), estabeleceu o Climate Disclosure Standards Board (CDSB). O objetivo é desenvolver um conjunto geral de indicadores de sustentabilidade e um padrão de divulgação que passe a ser adotado por companhias abertas de todo o mundo para reportar de maneira coordenada os seus inventários de emissões, as estratégias de redução do impacto ambiental de suas operações, os riscos e as oportunidades relacionados às mudanças climáticas e o impacto de tudo isso sobre o resultado que geram para seus acionistas.

A primeira reunião do conselho e do comitê consultivo do CDSB ocorreu durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, em janeiro deste ano. As discussões em torno do melhor modelo também buscam incorporar as diretrizes que foram traçadas pela Federação Internacional dos Contadores, a Ifac (International Federation of Accountants), em 2005. Os aspectos regulatórios e seus impactos também serão contemplados no desenvolvimento do novo padrão de disclosure, considerando, principalmente, as perspectivas de novas regulamentações que estabeleçam metas de redução de emissões em países que não aderiram ao Protocolo de Kyoto e à própria revisão deste, prevista para 2012.

No Brasil, as agências reguladoras tomaram a frente no processo e cobram informações mais detalhadas e precisas. O Ibracon já discute sua posição a respeito e o número de investidores institucionais brasileiros que participam de iniciativas como o Carbon Disclosure Project não pára de crescer.

O próximo passo, na opinião de Renzo Mori Júnior, gerente de sustentabilidade e meio ambiente da Deloitte, é a preocupação com a integridade das informações. As firmas de auditoria já têm sido contratadas para auditar os balanços sociais e até mesmo para auferir a exatidão de dados relacionados a um projeto. Os bancos Itaú e ABN Amro, o Serasa e a Natura são exemplos de companhias que já fazem auditoria dos dados relativos à sustentabilidade no Brasil. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tornará obrigatória a auditoria dos indicadores de sustentabilidade para as geradoras e distribuidoras de energia a partir de 2009.

MAPA DAS EMISSÕES — A principal ferramenta de acesso a informações sobre sustentabilidade no Brasil e no mundo são os questionários elaborados no âmbito do CDP, um projeto capitaneado há sete anos por investidores de diversos países com o objetivo de mapear os riscos e as oportunidades trazidos pelo processo de mudanças climáticas, bem como a sua capacidade de geração de valor no longo prazo. Este ano, em sua quinta versão, o questionário foi enviado a 2,4 mil companhias abertas de 30 países, o que faz com que o CDP tenha, hoje, a maior base de dados sobre projetos de controle de emissões corporativas.

Os resultados do trabalho, divulgados em Nova York em setembro, mostraram que o índice de participação das companhias chegou a 77%, com 1.310 questionários devolvidos. No Brasil, onde as oportunidades de negócios trazidas pelas mudanças climáticas são maiores do que nos países desenvolvidos, especialmente devido ao potencial de implementação de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), esse percentual foi ainda maior. Das 60 empresas brasileiras convidadas a participar, 54 retornaram o questionário — incluindo até mesmo as companhias que ainda não concluíram ou não realizaram seus inventários de emissões (para um comparativo entre os posicionamentos das companhias brasileiras e de outros países, veja quadro abaixo).

As razões alegadas pelas companhias ausentes ilustram bem as dificuldades para a divulgação de informações sobre sustentabilidade. Nesse grupo, estão importantes empresas nacionais, todas com grande expressão na bolsa de valores brasileira. No geral, elas preferiram não informar nada a dar um disclosure do real estágio em que se encontram nesse quesito.

Foi esse o caso da Renner, a primeira companhia de capital totalmente pulverizado no País. “Uma vez que os programas ainda se encontram em implantação, a Lojas Renner optou por não responder ao Carbon Disclosure Project em 2007, preparando-se para as demandas futuras”, afirmou a companhia, em resposta enviada por escrito ao pedido de entrevista da CAPITAL ABERTO. A empresa afirma que fechou, em 2007, uma parceria com o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) para auxiliar no direcionamento de suas práticas. A ALL apontou razão semelhante por não ter respondido ao questionário. Por meio de sua assessoria de imprensa, disse que declinou do convite porque “seu projeto de créditos de carbono ainda estava muito incipiente”. O diretor de comunicação da Braskem, Nelson Letaif, afirmou que, “quando a companhia recebeu a demanda do CDP, sua diretoria de sustentabilidade e meio ambiente vivia um momento de transição e não seria possível cumprir os prazos estabelecidos”. Também procuradas, Companhia Siderúrgica Nacional e Diagnósticos da América não retornaram às solicitações de entrevista.

Guilherme de Almeida Prado, gerente de Relações com Investidores da Cosan, conta que não teve tempo hábil para cumprir o prazo do CDP. Mas garante que vai participar da edição 2008. Até lá, pretende ter uma boa história para contar. “Nosso setor tem muito a contribuir, e reconhecemos a importância de comunicar isso claramente ao investidor”, afirma Prado. O exemplo da Cosan deixa claro que o fato de as empresas não falarem a respeito não quer dizer que elas não estejam se mexendo nessa seara. Os investimentos da sucroalcooleira em sustentabilidade, a propósito, estão a mil por hora. Seu foco de atuação tem duas frentes: a redução de emissões de gases geradores de efeito estufa e a geração de créditos de carbono a partir do desenvolvimento de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Na primeira, a companhia pretende ampliar a mecanização da colheita e, assim, reduzir as emissões de gases provocadas pelas queimadas — que fazem parte do processo de colheita manual. “A meta é chegar a 80% de mecanização nos próximos cinco anos”, diz Prado. Hoje, esse índice é de 30%. Os projetos de MDL, cinco ao todo, serão implementados ao longo de um período maior, e vão gerar energia elétrica a partir da queima do bagaço de cana, um subproduto que hoje é descartado como resíduo. Dois deles estão previstos para entrar em atividade a partir de 2009, quando a companhia espera estar capacitada a negociar créditos de carbono — uma experiência que já viveu há quatro anos, quando vendeu todos os créditos gerados diretamente a uma empresa de energia francesa, a EDF.

Outras sete companhias — Gol, Localiza, Porto Seguro, Sadia, Tam, Usiminas e Weg — responderam ao questionário, mas não liberaram o acesso ao documento no site do CDP. “Nos preocupamos em zelar pela robustez e pela qualidade das informações divulgadas e, por precaução, optamos por manter o questionário fechado”, diz a coordenadora de sustentabilidade da Sadia, Meire Ferreira. Ela afirma, no entanto, que qualquer acionista que desejar acessar as informações poderá solicitar o questionário por meio dos canais de comunicação com a companhia.

Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a Tam, que também restringiu o acesso ao arquivo enviado ao CDP, explicou: “Este foi o primeiro ano que completamos o questionário e preferimos não disponibilizar o acesso para preservarmos a discrição das respostas enquanto trabalhamos melhor o tópico internamente”. Consultada a respeito da possibilidade de permitir que os acionistas da companhia conhecessem o conteúdo do questionário, afirmou que não considerava a hipótese de torná-lo público no momento. A nota ressaltava que informações sobre sustentabilidade já são divulgadas no site da empresa, no balanço social e nas reuniões públicas com analistas.

Movimento começou em 1997, com GRI

Embora boa parte do mercado norte-americano não acredite que a SEC vá tornar esse tipo de divulgação obrigatória, pelo menos no curto prazo, a cobrança dos fundos signatários da petição reflete a evolução de um movimento que vem se desenhando desde 1997, quando foi criado o Global Reporting Initiative (GRI) — um conjunto de indicadores e princípios para orientar o trabalho de mensuração e divulgação da performance econômica, social e ambiental de uma empresa, chamado “triple bottom line”. Depois dele vieram os índices de sustentabilidade, como o Dow Jones, o FTSE4Good e o ISE, da bolsa brasileira.No entanto, com o aprofundamento das pesquisas sobre o aquecimento global e a instituição de medidas para reduzir as emissões de gases geradores do efeito estufa, esses indicadores começaram a se revelar insuficientes. Foi aí que surgiu uma série de metodologias para quantificar as emissões desses gases, como o Greenhouse Gas Protocol (GHG Protocol), desenvolvido pelo World Business Council for Sustainable Development no fim da década de 90. A partir de 2000, as diretrizes estabelecidas pelo GHG seriam tomadas como base para um outro projeto capitaneado por investidores, o Carbon Disclosure Project (CDP).

O CDP foi lançado em Londres, com apoio do então primeiro-ministro Tony Blair. No primeiro ano, apenas 35 investidores institucionais estavam envolvidos no empreendimento, que buscava estimular uma virada no conteúdo e na forma dos relatórios de sustentabilidade. Eles tinham sob sua gestão cerca de US$ 4,5 trilhões e sentiam falta de conexão maior entre as iniciativas de sustentabilidade e a estratégia geral da empresa. Os três primeiros anos foram dedicados à criação do escopo de um novo relatório que adicionasse relevância à divulgação. O público investidor desejava que elas endereçassem o mais honestamente possível os riscos e as oportunidades que o processo de mudanças climáticas iria trazer para seus negócios e para a sua capacidade de geração de valor no longo prazo.

Assim, em 2003, foi lançado o primeiro questionário, enviado a 500 empresas e respondido por 47% delas (235). No ano seguinte, 95 investidores já faziam parte do comitê do CDP. Este ano, 315 investidores institucionais, que administram mais de US$ 41 trilhões, estão à frente do projeto.

Os efeitos regulatórios sobre o grau de adesão às iniciativas voluntárias de divulgação e sobre a profundidade e abrangência dos relatórios produzidos pelas empresas são inegáveis. Nos países onde a redução de emissões de gases geradores de efeito estufa já é regulamentada pelo Protocolo de Kyoto, o grau de adesão a iniciativas como o Carbon Disclosure Project é muito maior do que naqueles onde os governantes ainda resistem à idéia. Enquanto 77% das 500 companhias com maior capitalização de mercado listadas na Bolsa de Londres (que compõem o índice FTSE 500) responderam ao questionário do CDP este ano, apenas 56% de suas pares listadas nas bolsas norte-americanas (que compõem o índice S&P 500) decidiram participar. (C.G.H)


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