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Hora de fechar o cerco?
Diante das adesões crescentes aos BDRs, mercado discute a preferência por um modelo mais liberal ou mais regulado

As 81 companhias listadas no Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) pareciam suficientes para confirmar a tese de que o segmento seria o único destino aceitável aos olhos do investidor para empresas que desejassem acessar o mercado. Exceções poderiam ser concedidas apenas àquelas que dispunham de impedimentos legais, como os bancos e as concessionárias de serviços públicos. Mas os IPOs de companhias brasileiras que criam empresas no exterior e emitem BDRs com direitos diferentes daqueles previstos pela Lei das S.As e a regulação do Novo Mercado mudaram esse cenário. E agora, o que fazer? Seria o caso de fechar o cerco a essas operações?

Propomos essa questão a diversos especialistas, advogados e outros agentes do mercado de capitais. Em muitos casos, tivemos dificuldades de obter retornos para as entrevistas solicitadas. Poucos se mostraram dispostos a se posicionar publicamente sobre o tema. Entre os que aceitaram falar, ainda que sob a condição do off, uma opinião foi predominante: para eles, garantir a autonomia de decisão não só de acionistas, mas também de emissores, é a melhor resposta, em qualquer situação. “A possibilidade de transferir o controle a outra jurisdição ou optar por ela para listar suas ações é lícita. Colocar barreiras a essas possibilidades vai na contramão do processo de internacionalização e prejudica o dinamismo dos mercados”, diz Marcelo Barbosa, sócio do Vieira Rezende Barbosa e Guerreiro Advogados. “O que importa é o caminho que a companhia irá percorrer para chegar até lá.”

O advogado se refere especificamente à transparência das informações. As diferenças de direitos devem ser muito bem detalhadas pela companhia, assim como os riscos inerentes à estrutura. Em sua opinião, desde que os investidores disponham de informação adequada e meios para fazer valer seus direitos, em princípio, não deveria haver problema. “Mas é preciso sempre tomar cuidado para não contrariar expectativas legítimas de quem havia aderido a outras promessas.” Joaquim Muniz, sócio do escritório Trench Rossi e Watanabe Advogados, recorre a uma analogia curiosa para ilustrar essa quebra de expectativas, que, fatalmente, seria punida pelo investidor. “Não se pode vender passagens para um ônibus circular e, no meio do caminho, pular para uma linha expressa sozinho, sem levar aqueles que o acompanharam desde o princípio.”

A mudança nas regras do jogo citada por Muniz é o que mais preocupa os investidores. “É muito importante separar o caso da Cosan do de outras empresas que emitiram BDRs”, afirma Eduardo Roche, chefe de análise da corretora do banco Modal. Segundo ele, o primeiro é muito mais grave, uma vez que os investidores da empresa listada no Brasil esperavam pelas regras do Novo Mercado. Já aqueles que aceitam comprar os BDRs de companhias que fazem sua oferta inicial a partir de Bermudas estão cientes do risco desde o primeiro momento.

Na opinião de André Segadilha, gerente de análise da Prosper Corretora, a palavra-chave para as empresas que optam pelos BDRs é transparência. “Ela mitiga muito os riscos do mercado”, afirma. Sobre o eventual desconto no preço atribuído aos papéis em razão do baixo nível de governança, ele prefere não ser taxativo. Avalia que essa penalidade pode ser neutralizada por fatores como o diferencial de gestão dos administradores e o tipo de risco a que o investidor pretende se expor. A eficiência fiscal obtida pela companhia também pode ser, na avaliação de Roche, uma razão bem-aceita pelos investidores para justificar a subordinação a uma legislação diferente. E, para os casos de abuso por parte dos emissores de BDRs, tanto Roche como Segadilha acreditam que os investidores dispõem de uma arma poderosa: sim, ele mesmo, o preço das ações. “No mercado, existe preço para tudo”, diz Roche.

Para Muniz, do Trench Rossi, essas questões demandam sintonia fina e só podem ser resolvidas caso a caso. “É a única maneira de evitar que, por um lado, uma determinada operação seja convertida em receita de bolo para aqueles que queiram fazer uma chicana e, por outro, que um instituto jurídico legítimo seja contaminado pelas particularidades de um episódio isolado.” O Google, companhia admirada no mundo todo, adotou em seu IPO uma estrutura de ações idêntica à inicialmente proposta pela Cosan Limited. Ações com direito de voto dez vezes maior são de propriedade exclusiva do controlador e se convertem automaticamente em ações da outra classe se ele se desfizer delas. A diferença, aqui, é que o Google já estreou no mercado dessa maneira e moldou as expectativas da comunidade de investidores utilizando esse ponto de partida.

Já Alexandre Tadeu Navarro, sócio da Navarro Advogados, recorre a dispositivos do Código Civil para questionar a legitimidade da emissão de BDRs por companhias brasileiras. “Indiretamente, elas fogem de obrigações que são colocadas pelas leis e regulamentações brasileiras valendo-se, para isso, de uma outra lei, como a que permite a empresas nacionais constituir holdings em qualquer lugar do mundo.” Para o advogado, não seria preciso mexer na lei societária ou nas regulamentações do mercado de capitais para lidar com situações como essa. Nelas, afirma, há indícios claros de abuso de direito e de fraude à lei. Segundo Navarro, um determinado direito não pode ser exercido ilimitadamente, de maneira exacerbada, a ponto de provocar efeitos indiretos indesejáveis. “No caso dos BDRs, esse efeito seria a redução dos direitos do acionista minoritário.” Como se vê, a questão é delicada. Cabe ao mercado encontrar os caminhos de equilibrá-la.

CVM aponta quebra do dever de lealdade

A primeira fissura nas paredes desse novo cenário de governança surgiu quando, em junho deste ano, a sucroalcooleira Cosan, listada no Novo Mercado, anunciou um plano de reorganização. Dele fazia parte a criação de uma holding com sede nas Bermudas, com duas classes de ações — uma delas detida apenas pelo controlador — e direitos de voto reduzidos para os papéis dos minoritários. Listada na Bolsa de Nova York, a nova empresa, denominada Cosan Limited, é negociada também na Bovespa por meio de BDRs. Aos acionistas da Cosan brasileira será permitido migrar para a nova empresa, mas com direito apenas aos papéis de voto reduzido.Pressionada pela Bovespa, pelo regulador e por investidores, a companhia mudou a operação. Permitiu que outros acionistas, além do controlador, adquirissem as ações com direito a voto reforçado. Em contrapartida, exigiu que essas ações terão de respeitar períodos de lock-up, em que sua negociação ficará bloqueada. Mas o arranjo não foi suficiente para aplacar a sensação de que os investidores estão sendo constrangidos a aceitar uma estrutura societária diferente daquela combinada com o mercado quando da adesão ao Novo Mercado.

Pensando em cortar o mal pela raiz — e com receio de que outras companhias sigam o exemplo da Cosan —, alguns investidores e profissionais do mercado chegaram a defender que a bolsa expulsasse a companhia do Novo Mercado, obrigando-a a realizar uma oferta de fechamento de capital. A Bovespa acabou optando pelo diálogo, uma vez que a criação da holding, em si, não feria os regulamentos do segmento especial de governança.

A nova estrutura societária carrega, entretanto, o potencial de violação ao dever de lealdade, expresso na Lei das S.As. À medida que a Cosan Limited poderá tomar para si atividades comerciais que poderiam ser exploradas pela Cosan S.A, ela tira oportunidades que eram de direito da companhia brasileira e dos acionistas que investiram nela. Esse foi o entendimento oficial da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que se reuniu com a administração da companhia, em 15 de agosto. A autarquia determinou, inclusive, que a Cosan desse destaque para esse entendimento no prospecto da oferta de BDRs.

A empresa alegou em sua defesa que, como iria oferecer aos detentores de ações da Cosan S.A a oportunidade de migrar para os BDRs (numa operação de troca cujos termos ainda não foram anunciados), esse potencial de usurpação de oportunidades estaria mitigado. Mas o colegiado não concordou. Marcos Barbosa Pinto, diretor da CVM, explica que o argumento da oportunidade de permuta dos papéis não pode ser aceito como atenuante, uma vez que a troca não é equivalente. “Ao afirmar que as oportunidades comerciais internacionais seriam exploradas pela holding, o controlador estaria indiretamente compelindo o acionista da Cosan S.A a migrar para os BDRs, visto que este não gostaria de ficar de fora dos resultados que essas novas oportunidades devem gerar”, afirma Pinto. Para eliminar a infração ao dever de lealdade, a CVM sugeriu à Cosan que apresentasse uma proposta garantindo que as oportunidades de negócios nos mercados mundiais de etanol e açúcar sejam exploradas prioritariamente pela controlada sediada no País. (C.G.H)


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