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Sob suspeita
 Investidores contestam os procedimentos adotados pelos bancos e põem em dúvida a independência dos laudos de avaliação

Se há um centro nervoso nas disputas entre acionistas controladores e minoritários, pode-se dizer que nele está o valor das ações. Principalmente nas ofertas públicas de aquisição de ações (OPA), palcos tradicionais de embates entre acionistas, o preço é sempre reflexo do conflito de interesses inerente a esses processos. Por trás dele, estão os laudos de avaliação que, em princípio, caracterizam-se como estudos elaborados com plena isenção e rigor técnico para a apuração do valor justo de determinado ativo. De uns tempos para cá, porém, esses documentos tornaram-se alvo de críticas de investidores insatisfeitos com os preços oferecidos nas ofertas públicas.E não só dos investidores.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), através de uma comissão de inquérito, constatou irregularidade de R$ 1,2 bilhão no laudo que avaliou a operadora de celular Oi na ocasião de sua transferência da holding para a operadora Telemar, em 2003. A conclusão foi de que o laudo elaborado pela Ernst & Young superavaliou o patrimônio líquido da Oi, fazendo com que a Telemar pagasse mais do que a empresa valia. O mesmo erro teria sido cometido pelo JP Morgan, banco contratado para assessorar a operação. Atualmente, diretores e membros do conselho de administração das companhias envolvidas são objeto de um processo administrativo sancionador aberto pela CVM. O prazo para apresentação de defesa terminou no fim de maio e agora cabe à autarquia agendar o julgamento.

Outro caso de grande repercussão que será levado a julgamento é a incorporação da Trikem pela Braskem, aprovada em 2004. Há também a compra da Trafo pela Weg, realizada em março, em que investidores discordaram do valor atribuído às preferenciais dos minoritários da Trafo na OPA, definido a partir de laudo elaborado pela Ernst &Young na operação coordenada pelo UBS Pactual. Outro episódio que acirrou a desconfiança dos investidores em relação aos laudos envolveu a Acesita, por ocasião da venda da participação de 25% detida por Petros e Previ na siderúrgica para a Arcelor. O Morgan Stanley, contratado pelos franceses para avaliar o preço, concluiu que cada ação valia entre R$ 25 e R$ 30. Já o Credit Suisse, que trabalhou para os fundos de pensão, chegou a um valor próximo de R$ 60. Vale observar que os dois laudos utilizaram os mesmos balanços financeiros, mas o Morgan teria levado em conta premissas mais conservadoras.

Nem mesmo a bilionária aquisição do grupo Ipiranga pelo consórcio formado por Petrobras, Grupo Ultra e Braskem, oficializada em março por US$ 4 bilhões, escapou da polêmica dos laudos. Primeiro, os holofotes se voltaram para as suspeitas de negociação com base em informações privilegiadas e na inédita atuação da CVM em parceria com o Ministério Público federal. Depois, surgiram as reclamações dos minoritários sobre a relação de troca estabelecida a partir de laudo elaborado pelo Deutsche Bank. A avaliação, afirmam, privilegiou os controladores, cujas ações tiveram forte alta após o anúncio da operação, enquanto os papéis sem direito a voto caíram.

FONTES APROPRIADAS? — A polêmica em torno dos laudos de avaliação começa no modo de confecção desses trabalhos. Embora preparados para serem expostos a um verdadeiro fogo cruzado, eles conservam pelo menos dois pontos que tornam vulnerável a sua credibilidade. O primeiro é a fonte das informações. Não apenas os dados financeiros — usualmente extraídas dos balanços e, no caso de companhias abertas, sempre auditados —, mas também as projeções de resultados são fornecidas pelas companhias-alvo do laudo. Não há, por parte do banco, responsabilidade sobre essas informações — e isso fica bastante claro em notas de rodapé. A possibilidade é aberta expressamente pela regulamentação, que autoriza os avaliadores a utilizar informações gerenciais em seus cálculos, desde que elas sejam consistentes.

O segundo é o fato de o laudo ser sempre encomendado por uma das partes interessadas na operação. A regulamentação exige a independência do avaliador. Ou seja, quem elabora o laudo não pode ter interesse econômico ou vínculo com a negociação. No entanto, é fato que a simples contratação cria um vínculo entre as partes. Ambos os aspectos não são exclusividade brasileira. No mercado internacional, também é comum o avaliador utilizar as projeções fornecidas pela companhia em seus cálculos e ser contratado da parte interessada.

Tal modelo, contudo, fez com que os avaliadores passassem a assumir responsabilidades menores pelo documento, avalia Mauro Cunha, sócio da Mauá Investimentos. E isso, na opinião do investidor, tem efeitos diretos sobre a credibilidade. “O laudo deve expressar a opinião do avaliador. Se isso não acontece, concluo que o laudo não é independente”, afirma. Cunha reconhece que os bancos precisam se cercar de cuidados para reduzir os riscos jurídicos envolvidos. Mas avalia que as tais ressalvas, conhecidas como disclaimers, estariam sendo usadas de maneira equivocada, descaracterizando sua função essencial.

Os bancos de investimentos e as empresas de consultoria, também autoras de muitos laudos, respondem às críticas. José Olympio Pereira, diretor do Credit Suisse, um dos principais nomes no segmento, avalia que há, de fato, alguns casos muito polêmicos, mas não considera que eles denunciem ausência de qualidade nos laudos. Segundo o executivo, diversos controles são aplicados para prevenir o uso de dados manipulados ou de premissas incorretas. No Credit Suisse, por exemplo, são avaliadas somente empresas auditadas. Além disso, os planos de negócios (projeções feitas pela própria companhia) são analisados de maneira bastante crítica. “Fazemos uma série de reuniões com os executivos da empresa, e não precisamos aceitar todos os números que nos são passados se eles não forem compatíveis com as projeções da economia e do setor. É justamente aí que está a nossa independência: na análise crítica das informações.”

“O laudo deve expressar a opinião do avaliador. Se isso não acontece, concluo que o documento não é independente”

Outro argumento dos elaboradores dos laudos em favor do modelo utilizado refere-se à qualidade das projeções. Para eles, é importante que as premissas assumidas sejam coerentes com a estratégia traçada pela companhia e com seus planos para os anos seguintes. Portanto, nada melhor do que utilizar as projeções já realizadas pela própria companhia — desde que previamente conferidas com senso crítico.

As farpas dos minoritários, contudo, não param “Alguns apresentam erros grosseiros”, reclama Marcos Duarte, vice-presidente da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e sócio da Polo Capital. O laudo que avaliou o preço do grupo Ipiranga seria um deles. “Questiono, por exemplo, a forma como foram avaliadas as lojas de conveniência, localizadas nos postos de combustível. Foram comparadas ao grupo Pão de Açúcar (CBD), com múltiplos muito baixos, o que reduziu o seu valor.” Duarte aponta uma série de outros exemplos em que a conclusão do avaliador pode ser contestada, mas conclui que somente medidas mais amplas poderiam melhorar a situação.

POLÊMICA PERMANENTE — Para alguns, as brigas em torno dos laudos são inerentes ao contexto societário brasileiro. “Enquanto existir classes distintas de ações e, portanto, direitos diferenciados para os investidores, a polêmica em torno dos laudos continuará”, sentencia o economista Alexandre Póvoa, do Banco Modal. Fernando Albino, sócio sênior do escritório Albino Advogados, também acredita que as reclamações são fruto não da falta de qualidade, mas da defesa de pontos de vista distintos. Ainda assim, apesar dos questionamentos cada vez mais freqüentes, a importância do documento é indiscutível. “O laudo explicita as premissas utilizadas na avaliação, o que o torna um ponto de partida, inclusive, para contestações”, completa Povoa.

A edição, no ano passado, do Anexo III da Instrução 361, que trata das ofertas públicas de aquisição, mostrou a preocupação por parte do órgão regulador em oferecer orientações detalhadas sobre a confecção e a apresentação dos laudos. O normativo contempla, entre outros itens, a exigência de que o avaliador mencione a sua remuneração, se realizou outros trabalhos para o contratante do laudo nos 12 meses anteriores e se está sujeito a qualquer conflito de interesses que lhe reduza a independência na elaboração do documento.

A polêmica sobre os laudos de avaliação promete ser longa. A percepção é de que o mercado precisa de mais balizadores para a confecção do documento. Ao mesmo tempo, surgem discussões técnicas enriquecedoras ao debate, como as que envolvem os ativos intangíveis. Afinal, como e quando levar em consideração o valor de uma marca na avaliação de uma companhia? Como se vê, não falta assunto para quem pretende levar essa discussão adiante.


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