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Perdemos o bonde?
Se as assembléias repletas de acionistas nunca foram realidade no Brasil, agora é provável que seja tarde demais. O futuro, a contar pelas inovações tecnológicas, é virtual

O critério mais adotado para avaliar o sucesso de uma assembléia de acionistas é o número de investidores que comparece a cada edição. Prova disso foi o comentário de Maurício Botelho, presidente do conselho da Embraer, que, declarando-se satisfeito e orgulhoso pelo fato de ver 73,57% do capital social representado na assembléia ordinária de 2007, admitiu que ainda sonhava com o dia em que veria no Brasil uma reunião dessas com 3 mil, 4 mil participantes, como a que visitara certa vez em Portugal. Mas, pelo que indicam as tendências dos principais mercados mundiais, esse bonde já passou, e os eventos capazes de atrair centenas e até milhares de acionistas no Brasil deverão ficar mesmo na esfera dos sonhos.

São pelo menos duas as razões para acreditar que o futuro das assembléias é virtual, tanto aqui quanto lá fora. A primeira é a globalização dos mercados, que torna cada vez maior a presença de investidores internacionais no capital das companhias. A segunda são as facilidades oferecidas pela internet, que viabilizam, entre outras maravilhas, a participação dos investidores que ficam distantes das sedes das companhias, principalmente os estrangeiros.

A ificuldade prática de esses acionistas comparecerem pessoalmente às assembléias de suas investidas levou reguladores e prestadores de serviços a pensar em estruturas que facilitem a participação a distância. Nesse cenário, o critério de sucesso deixa de ser o da casa cheia, para se transformar no da representação bem-sucedida, agora medida pela parcela do capital que envia suas instruções de voto por meio de procuração ou de plataformas eletrônicas já disponíveis em países como a Inglaterra e o Japão.

No Brasil, há um histórico de democracia societária limitada pela existência de ações sem direito a voto compondo até dois terços do capital social. Mas essa realidade começa a mudar com o número cada vez maior de companhias que têm apenas ações ordinárias e, mais do que isso, não contam com a figura de um acionista controlador definido. Nesses casos, quóruns mais representativos nas assembléias tornam-se essenciais e a internet passa a ser um instrumento que vem a calhar.

O uso pleno da rede mundial ainda é limitado por dispositivos da Lei das S.As, como o artigo 127, que determina a obrigatoriedade de assinatura do livro de acionistas para configurar a validade dos votos apresentados. Mas já é possível dar alguns passos. O portal de comércio eletrônico Submarino, por exemplo, quando da aprovação da fusão com as Lojas Americanas, disponibilizou uma procuração de voto na internet para que o acionista apenas imprimisse e enviasse cópia assinada por fax. Informações sobre os temas submetidos à deliberação também podem ser apresentadas com muito mais detalhe na rede, de modo que os acionistas sintam-se seguros para dar o seu voto sem comparecer à reunião.

Saber o quanto a presença física em assembléia ainda é importante depois de todas as vantagens trazidas pelos meios on-line é justamente o que se discute lá fora. Em teoria, o meio físico ainda seria a melhor forma de aproximar investidores e administradores e um providencial ponto de encontro para os primeiros apresentarem suas reivindicações ou propostas. Mas até isso já se pensa em mudar. Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC) discute neste momento se as assembléias são mesmo o fórum mais adequado para essa interação entre acionistas e administradores. Num país onde as assembléias foram eleitas como principal instrumento para dar início a discussões sobre práticas de governança corporativa, há uma constante preocupação com a perda de foco dessas reuniões. A solução sugerida pelo regulador norte-americano para concentrar a agenda das assembléias em questões como aprovação de orçamentos, eleição de conselheiros e alterações estatutárias, sem ferir o direito dos acionistas ao diálogo sobre temas mais abrangentes, também é, quem diria, virtual.

A SEC contratou a empresa de tecnologia BroadRidge Financial Solutions para desenvolver um sistema seguro de fóruns eletrônicos. De uso restrito aos acionistas e administradores cadastrados, esses ambientes on-line seriam organizados por tópicos, disponibilizando aos investidores um canal direto de contato ao longo do ano todo e não só na assembléia anual. Em mesa-redonda realizada no dia 7 de maio, advogados, professores e diretores de RI se mostraram céticos quanto à efetividade da alternativa, exatamente por ela não substituir totalmente os benefícios obtidos com a interação presencial.

Se os meios eletrônicos tornarem-se aliados na captura de votos, é provável que as deliberações ganhem muito mais representatividade

OPORTUNIDADE ÚNICA— No Brasil, a presença física de investidores nas assembléias, mesmo os institucionais, é bastante reduzida. Mas alguns gestores de recursos prezam muito a possibilidade de participar dessas reuniões, inclusive por meio de representantes próprios, e não só de advogados. Pedro Rudge, sócio da gestora de recursos independente Investidor Profissional, é um desses profissionais. Em sua opinião, o voto por procuração não é suficiente para o pleno exercício da democracia societária. “As assembléias oferecem uma oportunidade única de interação entre os acionistas e a diretoria da companhia, onde é possível trocar idéias e discutir aspectos estratégicos que podem contribuir para um desempenho melhor.” A opinião é compartilhada pelo sócio de outra gestora de recursos independente, Pedro

Damasceno, da Dynamo. “Quem participa por procuração perde a capacidade de avaliar aspectos subjetivos que podem influenciar os resultados de uma empresa, como, por exemplo, o comportamento dos administradores.” Damasceno diz que o contato pessoal com os executivos, ano a ano, também permite entender como se comportam nos diferentes momentos da vida da companhia e num ambiente diverso daquele das reuniões de apresentação de resultado ou com analistas (as “reuniões Apimec”), em que o discurso já vem preparado para a ocasião. Os dois gestores afirmam ter uma política de participar pessoalmente de todas as assembléias, mesmo que a pauta não contemple situações especiais — como a aprovação de uma reestruturação, por exemplo. Mas é importante destacar que Investidor Profissional e Dynamo são raros exemplos. No geral, os investidores institucionais não comparecem nem enviam procuradores às assembléias das companhias nas quais têm ações. Outra exceção são os fundos de pensão, que não só comparecem às reuniões, como também indicam candidatos aos conselhos de administração e fiscal. Por determinação do Conselho Monetário Nacional, as fundações passaram a divulgar publicamente o teor de seus votos em cada uma das reuniões que participam, permitindo aos beneficiários de seus planos acompanhar o histórico de atuação dos gestores. A lógica por trás desse tipo de divulgação, também obrigatória para os fundos de pensão e previdência nos Estados Unidos e na Inglaterra, é a de que o exercício consciente do voto em assembléia faz parte do dever fiduciário do gestor de zelar pelo desempenho dos recursos investidos.

Essa visão, porém, está restrita aos fundos de pensão. Maria Christina Cescon Avedissian, sócia do Souza, Cescon Avedissian, Barrieu & Flesch Advogados, explica que a nossa lei não especifica o voto em assembléia como parte do dever fiduciário do gestor de recursos em geral. “As disposições são mais abrangentes e abrem espaço para que a autoregulação possa tratar disso.” A Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) estuda, desde o início de 2006, a possibilidade de incluir em seu código de auto-regulação dispositivos para disciplinar a participação dos gestores de fundos em assembléia. Procurada para detalhar o andamento dos trabalhos, a Anbid não pôde atender ao pedido de entrevista.

Em alguns bancos de varejo, a política dos fundos de investimento é votar apenas nas assembléias dedicadas a apreciar propostas de fusão, cisão, incorporação ou ofertas públicas de aquisição de ações — visto que esses eventos podem ter impacto direto sobre o preço do papel. Nessas ocasiões, os cotistas recebem um comunicado do administrador do fundo, com o teor e a justificativa do voto exercido. Foi o que aconteceu, no ano passado, com os fundos do Banco Itaú que detinham ações do Submarino e das Lojas Americanas, quando os acionistas tiveram de apreciar em assembléia uma proposta de fusão entre as duas companhias. Como o entendimento dos cotistas sobre o significado dessa participação ainda é limitado, muitas instituições até chegam a votar, mas não vêem razão para informá-los a respeito.

DE OLHO NA REDE— Como se vê, o desafio das companhias que queiram atrair acionistas para as suas assembléias passa, antes de mais nada, por uma mudança de cultura. “Se os investidores que aplicam recursos nos fundos se conscientizarem da importância, eles passarão a cobrar uma participação mais ativa de seus gestores”, afirma Rudge, da IP. A incumbência de mudar essa história, porém, não está nas mãos dos investidores.

Como toda mudança de cultura, é preciso haver um indutor liderando o processo, e o mais lógico é que as companhias, agora mais interessadas em ter o voto de seus investidores, assumam esse papel. Nesse sentido, a internet pode ser uma grande aliada. E o Brasil vem se preparando para retirar (ou driblar) as barreiras da lei que ainda impedem uma utilização mais ampla da rede para esse fim. O Instituto Nacional de Relações com Investidores (Ibri) iniciou um estudo de alternativas que viabilizem a participação a distância sem a necessidade de mexer na legislação.

Uma primeira reunião foi realizada para discutir o assunto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em outubro no ano passado, e os representantes do Ibri saíram dela com a missão de aprofundar as pesquisas. Geraldo Soares, presidente-executivo do instituto, diz que não pode adiantar detalhes do que vem sendo conversado com a autarquia, mas que a perspectiva é iniciar um processo de discussão pública ainda este ano.

Assembléias atraem indústria de serviços

Nos Estados Unidos e na Europa, as assembléias de acionistas criaram uma indústria de prestação de serviços que não pára de crescer. São dois os ramos de atividade mais importantes: o de aconselhamento para o voto (“proxy advisor”) e o de solicitação de votos (“proxy solicitor”).

O primeiro avalia as questões propostas por uma determinada companhia e sugere a seus clientes como votar, considerando sempre a opção mais adequada ao dever de zelar pela maximização da riqueza do acionista. As instituições mais conhecidas nessa área são a Institutional Shareholder Services (ISS) e a Glass Lewis. Esta última tem uma política de jamais se relacionar com as companhias abertas para evitar qualquer possibilidade de conflito. Sempre que uma delas desejar explicar uma determinada proposta, deve fazê-lo por escrito e publicamente.

Já o proxy solicitor é contratado pela companhia — ou por determinado investidor interessado em aglutinar votos — para fazer contato com o maior número possível de acionistas e obter suas procurações. Nos Estados Unidos, há várias empresas que se dedicam a essa atividade. Paul Schulman, diretor executivo do Altman Group, o maior no ramo, explica que seu trabalho inclui o preparo de apresentações que detalham as questões objeto de voto e o desenho de campanhas para angariar suporte à proposta apresentada por determinado acionista. Exemplo disso foi o desenvolvimento de um website para o fundo de pensão dos funcionários públicos do estado da Califórnia (Calpers) promover seu pedido de acesso à indicação de conselheiros na UnitedHealth.

Embora a participação em assembléias de acionistas seja incipiente no Brasil, essas empresas já começam a explorar oportunidades por aqui. A Glass Lewis e o ISS emitem relatórios de recomendação de voto — como no caso da assembléia de Telemar no ano passado. O Altman Group abriu um escritório no Rio de Janeiro e, de acordo com seu diretor Fernando Carneiro, já está trabalhando para clientes cuja identidade é protegida por um acordo de confidencialidade.

Para Valter Faria, presidente da Global Consulting, o potencial de crescimento desse tipo de serviço é grande no nosso mercado. “Cada vez mais, a capacidade de tomar decisões de voto bem informadas será entendida como parte da responsabilidade do bom gestor de recursos.”

Um bom filão a ser explorado pelos proxy advisors é o dos fundos de investimentos de grandes bancos de varejo. Eles podem encontrar uma situação de conflito de interesses nas votações de assembléias de companhias que sejam grandes clientes dos bancos de investimento pertencentes à mesma instituição. Para assegurar que o voto está alinhado aos interesses dos cotistas — e não aos propósitos comerciais do banco —, eles podem se proteger seguindo a orientação de voto dada por um proxy advisor reconhecido. (C.G.H.)

Além das restrições colocadas pela lei, o Brasil precisa avançar num aspecto fundamental para embarcar de vez na onda das assembléias virtuais: o detalhamento adequado das informações que as companhias disponibilizam aos acionistas a respeito das questões que serão objeto de voto. Nos Estados Unidos, por exemplo, nem mesmo os investidores institucionais comparecem fisicamente às reuniões, já que o chamado “proxy material” traz um arrazoado completo das propostas e fundamenta o processo de tomada de decisões.

O proxy material é uma apostila elaborada pelos administradores da companhia e distribuída junto com o edital de convocação da assembléia para explicar os temas da agenda, deixar clara a recomendação de voto da administração para cada um deles e o seu impacto potencial sobre o desempenho futuro. Aqui, apenas Lojas Renner e Embraer adotam a prática. No ano passado, por ocasião da proposta de fusão com as Lojas Americanas, o portal de comércio eletrônico Submarino também preparou um material do gênero.

A Bovespa estuda tornar o material obrigatório para as empresas de Nível 2 e Novo Mercado numa próxima revisão dos regulamentos dos níveis diferenciados de governança, ainda sem previsão para acontecer. É sabido que o assunto também integra a lista da Comissão de Valores Mobiliários, mas nenhum detalhe foi fornecido a respeito. Se as evidências de que dispomos até o momento forem confirmadas, tudo indica que a assembléia sonhada por Botelho continue longe da realidade brasileira, embora isso não signifique um futuro menos promissor. Se os meios eletrônicos tornarem-se aliados das companhias na captura de votos nas assembléias, é provável que suas deliberações se tornem muito mais representativas do que pensa a totalidade dos acionistas. Vai faltar calor humano, mas não democracia.

Modelo norte-americano enfrenta crise

Quase sempre tido como o paraíso dos investidores ativistas, o mercado de capitais norte-americano enfrenta hoje uma série de problemas relacionados à representação nas assembléias. O mais importante deles é a inexistência de um mecanismo que garanta aos acionistas indicar candidatos para os conselhos de administração. Lá não existe, como no Brasil, um dispositivo na lei que determine um percentual mínimo de participação no capital social para essa eleição. E, na prática, esse tipo de indicação quase nunca chega a acontecer.

Pressionada por investidores institucionais, a Securities and Exchange Commission (SEC) se comprometeu, no fim de abril, a apresentar uma proposta de regra ainda este ano. Chamada de “proxy access”, a questão é o grande destaque da atual temporada de assembléias, em que os fundos de pensão e os investidores mais ativistas incluíram propostas de mecanismos que garantam o direito de indicação a acionistas que, em conjunto, detiverem participação de 3% do capital há pelo menos dois anos. O assunto enfrenta controvérsias dentro da própria SEC, que não consegue chegar a um consenso entre os diretores que defendem a existência  de uma norma federal a respeito e os que preferem um modelo em que cada companhia tem liberdade para estabelecer seus próprios critérios em estatuto.

Outra deficiência do sistema de representação norte-americano diz respeito à permissão concedida pela Bolsa de Nova York (Nyse) às corretoras para que votem em nome de seus clientes. Sempre que o detentor de  uma ação não devolver o formulário com instrução de voto até dez dias antes de uma assembléia, a corretora pode assumir que ele não irá se manifestar e votar por ele. Como essas instituições adotam a política de opinar sempre a favor do que propõe a administração, existe aí um problema de governança, uma vez que são grandes as chances de o resultado da votação não refletir o real interesse dos acionistas.

As falhas nos sistemas de controle das corretoras já levaram, inclusive, a situações de duplicidade de votos (“over-voting”). Quando parte dessas ações é disponibilizada para aluguel, a situação fica ainda mais grave. Tanto o proprietário original quanto o locatário podem receber os formulários de instrução de voto, levando à contabilização de dois votos para uma só ação. A SEC colocou em discussão uma proposta que deve impedir o voto das corretoras em determinados assuntos, como a eleição de conselheiros, por exemplo. (C.G.H.)


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