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Juventude antenada
Jovens e adolescentes correm para a bolsa de valores e já superam a parcela de investidores com idade entre 41 e 50 anos

ed46_p58-62_2Gabriel Casadei tem 15 anos. Mas já sabe que, quanto mais cedo uma pessoa começa a investir, maiores as chances de ela se tornar milionária. Não foram seus pais quem o ensinaram essa máxima. A bem da verdade, a lição veio de um desses livros de auto-ajuda que instruem como ficar rico economizando daqui, aplicando acolá. Na vez do garoto, o investimento escolhido para destinar sua mesada foi uma ação Acesita PN. De novo, sua família não teve nada a ver com isso. Para definir a escolha, ele próprio entrou no site do banco em que o pai mantinha uma caderneta de poupança no seu nome e procurou o ranking dos papéis com as cinco maiores altas do Ibovespa em 2006. Quando comparou a valorização de 99,34% da siderúrgica com o rendimento de 8,33% da poupança, não teve dúvidas: “Pedi para meu pai abrir uma conta para mim na corretora do banco e passei a comprar ações”.

ed46_p58-62_3Ao carimbar seu passaporte para o mercado de capitais, em fevereiro deste ano, Gabriel aumentava ainda mais as estatísticas de investidores com idade entre 11 e 20 anos com contas cadastradas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Só nessa faixa etária, a bolsa somava, em abril, 47.148 CPFs — número 53% maior que o registrado por esse público no mesmo mês de 2006 e bem mais do que o dobro em comparação com 2005. Essa garotada forma o grupo que mais vem crescendo nos últimos dois anos entre todos os perfis de pessoas físicas, segundo apurou a Capital Aberto a partir do banco de dados da Bovespa. Se continuar assim, 2007 vai ser o primeiro ano, desde que o levantamento começou a ser realizado, em que o número de acionistas com menos de 20 anos supera a parcela entre 41 e 50 anos. Por muito pouco, crianças e adolescentes quase desbancam o segundo lugar entre as faixas etárias com mais CPFs na Bolsa de São Paulo — a dos 31 a 40 anos —, que abriga 50.790 pessoas. Atualmente, a liderança no ranking de quem mais aplica em ações pertence aos jovens de 21 a 31 anos (veja quadro na próxima página).

Diante de números tão surpreendentes, a reportagem saiu à procura de pistas que retratassem o comportamento desses aprendizes de Warren Buffett, o bilionário norte-americano que fez fortuna no mercado financeiro. Sobre esse perfil de investidor, nossa primeira constatação diz respeito à origem do dinheiro que aplicam. No caso de Gabriel, os R$ 2.000 usados na compra da ação da Acesita eram fruto de parte da mesada dos últimos anos, somada à quantia recebida como presente de aniversário do avô. De 21 de fevereiro deste ano até 10 de maio, a verba familiar gerida pelo garoto havia valorizado 10%. “Consegui R$ 200, sem precisar fazer nada”, comemora. O ganho já tem um destino. “Ia comprar um IPod, mas aprendi que é preciso reinvestir o lucro”, ensina.

Para quem estranha o fato de Gabriel ter concentrado todo o seu capital numa só ação, saiba que essa parece ser uma característica comum entre os investidores nessa idade. Como tudo acontece rápido em suas vidas, querem que o dinheiro venha na mesma velocidade. De que adiantaria diluir o investimento em vários papéis do mercado se são maiores as chances de arrematar uma bolada de uma única vez? — raciocina Gabriel. Você pode até dizer a eles que o risco de perda aumenta para os que optam por concentrar os investimentos. Mas quem, antes dos 20 anos, vai temer os perigos do mercado?

“Muitos agem como se acabassem de tirar a carta de motorista”, compara Carlos Alberto Souza Barros, presidente da Ação Jovem — associação sem fins lucrativos que promove a inclusão do jovem brasileiro no mercado financeiro. Segundo ele, nessa idade, é normal buscarem comportamentos que representem desafios e testem limites. “Do mesmo modo agressivo que dirigem um carro novo, tendem a tratar seus investimentos”, diz. Por isso, uma das missões da associação que preside é ensiná-los a adotar uma postura mais responsável nas aplicações. Em sua experiência como diretor da corretora Souza Barros, conta que não é raro encontrar por lá pessoas na faixa dos 20 anos perguntando em qual papel conseguiriam ganhar 10% de rentabilidade em apenas um mês. “Eles vêem os derivativos subindo 20% num dia e ficam maravilhados.”

De fato, para quem tem casa, comida e roupa lavada, a aposta no “tudo ou nada”, sem considerar as chances de prejuízo, fica fácil. Sobretudo porque esses investidores iniciantes operam com um dinheiro que, na maioria das vezes, não está sendo considerado no planejamento das despesas da família. Ou seja: ao perder, podem esperar tranqüilamente até a próxima alta da bolsa. Ainda assim, se o cenário demorar a se reverter ou a empresa não se recuperar, o máximo que pode acontecer é ele tirar uma lição desse prejuízo. Até uma possível bronca dos pais é uma possibilidade remota, já que, em tese, os adultos teriam conhecimento dos riscos da operação. Pela lei, o menor de 18 anos precisa da autorização de um responsável cada vez que quiser vender ou comprar ações.

PALPITE QUENTE — A pré-disposição ao alto risco e o desejo de ficar milionário num prazo recorde são os argumentos do estudante Celso Avancini, 20 anos, ao explicar por que se deu ao luxo de aplicar R$ 4.000 numa ação, no início do ano passado, depois de ter ouvido a dica de um amigo da faculdade. “Se tivesse perdido, o dinheiro seria meu. Não tenho sequer um pardal para alimentar”, brinca o jovem, que investe desde os 18 anos na bolsa. A empresa em questão era a Companhia Energética do Maranhão, a Cemar, uma das menos negociadas no setor de energia em 2006. Não obstante, a oscilação desse papel ficou em 135% no acumulado do ano. Como o palpite era quente, Celso conseguiu dobrar seu capital em 2006 e agora concentra as esperanças no Santander Banespa. Dessa vez, a escolha do ativo partiu dele próprio ao ler notícias sobre a reorganização societária planejada pela instituição. “Gosto das ações de segunda linha porque têm maior margem de crescimento”, define.

Aluno do segundo ano no curso de administração das Faculdades Integradas de Boituva, no interior de São Paulo, Celso já estudou a teoria do economista Harry Markowitz, que, em 1952, ganhou o Prêmio Nobel por ter demonstrado matematicamente que colocar todos os ovos na mesma cesta é uma fria. A principal seguidora dessa tese é sua namorada, Mayara Vieira, de 18 anos, cuja estréia na bolsa, no ano passado, ocorreu de forma para lá de ousada. Já que tinha apenas R$ 500 — quantia considerada baixa, na opinião deles, para aplicar em ações —, tomou um empréstimo no banco de R$ 2.000 e embarcou nas mesmas apostas de Celso. “A taxa de juros ficou pequena perto do que consegui ganhar até agora”, diz. Onze meses depois de ter contraído a dívida, orgulha-se de estar quitando a última prestação com o banco e de ter 30% a mais que o capital inicial.

Os pais descobriram um novo modo de fazer o pé-de-meia para seus filhos, criando uma conta na corretora em nome da criança

BOA FASE — Para Raymundo Magliano Neto, diretor de conteúdo da feira de investimentos Expo Money, num cenário como o atual, de um mercado muito aquecido, é difícil alertar essa turma sobre os riscos envolvidos para quem aplica todo o capital sem estudar os balanços da empresa, fundamentos do negócio, direitos do acionista, governança corporativa, etc. Em outras palavras, como Mayara será convencida da importância desses pré-requisitos, se o namorado consegue, a partir de uma simples dica, ajudá-la a pagar suas dívidas e ainda a descolar um troco para aplicar na bolsa? “Mais cedo ou mais tarde, o mercado vai virar, e, por isso, é fundamental aprender a se proteger”, reforça Magliano Neto.

Ciente de que essa juventude está antenada com o recente sucesso da Bovespa, o diretor da Expo Money realizou, nos dias 28 e 29 de março, uma edição da feira dentro da Universidade de São Paulo, na Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP). Ele conta que se surpreendeu com a procura dos alunos pelas palestras sobre educação financeira, apresentadas no evento. “Mesmo disposto a arriscar, esse público ainda é carente de informações”, conclui o diretor. Na ocasião, foi realizada uma pesquisa com 258 visitantes da Expo Money Jovens Investidores. Quase 90% deles tinham menos de 25 anos, sem filhos. Dois em cada cinco investiam em ações ou fundos (veja quadro abaixo)

Se, por um lado, causa apreensão a ousadia dos jovens investidores, também é satisfatório saber que essa faixa etária vem conseguindo desmistificar o mercado de capitais. Por mais que levem uma ou outra rasteira, essas experiências serão úteis lá na frente, quando chegar a hora de essa moçada cuidar do próprio orçamento familiar. No mínimo, aprendem a economizar, pois, como muitos ainda não trabalham, precisam deixar de gastar a mesada toda para sobrar um dinheiro para aplicar.

“É uma grata surpresa saber que o percentual de jovens vem aumentando na bolsa”, resume Luis Abdal, diretor de marketing e comunicação da Bovespa, que responde pelos projetos de educação financeira da entidade. Em sua avaliação, o expressivo crescimento no número de investidores com menos de 20 anos em 2007 se deve a dois fatores. O primeiro são os programas de popularização da bolsa voltados a essa faixa etária, como o Desafio Bovespa (veja quadro na próxima página). Outra explicação estaria na substituição gradativa da caderneta de poupança pelas ações. “É como se os pais descobrissem um novo modo de fazer o pé-de-meia para o futuro dos filhos, criando uma conta na corretora em nome da criança”, diz.

Os dados da corretora Geração Futuro corroboram essa tese. Entre os clientes com até 20 anos, cerca de 60% têm menos de 14. Ou seja: deve haver alguém poupando por ele. “A preocupação dos pais com o futuro dos filhos sempre existiu. Mas isso se acentua a cada dia, pois vêem que não basta garantir o acesso à faculdade para assegurar sua estabilidade econômica”, avalia Milton Milioni, diretor da corretora.

PRÓXIMO PASSO — Mas no que deverão se transformar esses especuladores mirins? Uma boa pista está numa geração que se encontra alguns degraus à frente no quesito experiência em bolsa. Matheus Dias e Rafael Leite, ambos com 24 anos, começaram a investir há cerca de seis anos, depois de entrar na faculdade de engenharia de produção na USP. A vocação de Rafael para as ações se evidenciou quando seu pai lhe ofereceu um carro de presente. “Pedi que ele me desse o valor equivalente em dinheiro e apliquei”, conta. Já Matheus estreou no pregão com R$ 5.000, vindos de mesadas economizadas. Assim como os investidores ouvidos nesta reportagem, os dois passaram pela fase de apostar em ações sem conhecer ao certo os fundamentos da empresa. Apesar de contabilizar ganhos com essa estratégia, hoje eles garantem que se mantêm bem informados sobre a companhia na qual investem, fazem projeções do negócio, verificam balanços e até calculam o preço justo (valuation) da ação. Contudo, engana-se quem pensa que Marcowitz vai encontrar seguidores após os 24 anos. “Colocar ovos numa cesta é bastante rentável quando se cuida bem dela”, desafia Matheus, cuja carteira de ações rendeu 140% em 2006.

Carlos Alberto Souza Barros, da Ação Jovem, aprova a ousadia dessa galera e diz que a concentração dos ativos não é nenhum crime, desde que o investidor conheça profundamente para onde vai o dinheiro. “Só assim, é possível saber a hora de parar de aplicar e admitir eventual prejuízo.” Para essa geração, apenas aconselha que não venham à bolsa buscando um atalho para ficar rico, pois domar os caprichos do mercado não é tão fácil assim. Segundo Souza Barros, o mais importante é ter sempre em mente a resposta para uma pergunta simples: se você perder tudo o que aplicou, o que vai fazer?

Educação financeira não tem idade

O que levaria dezenas de adolescentes a passarem um sábado inteiro dentro da Bovespa, recebendo lições de economia? A resposta é fácil para quem já assistiu de perto a empolgação dos estudantes que participam da gincana conhecida como Desafio Bovespa. Criada pela Bolsa em 2006, a competição reúne, todo mês, 30 escolas públicas e privadas da Grande São Paulo — cada uma representada por um grupo de cinco alunos do ensino médio — para disputarem entre si qual a melhor ao final de cinco simulações de investimento em ações. O regulamento é simples: de manhã, os participantes têm aulas sobre conceitos do mercado de ações e educação financeira. À tarde, iniciam a fase prática. As equipes recebem informações sobre um cenário econômico fictício e, prevendo o impacto daquelas notícias nas empresas listadas, decidem quais setores merecem receber mais ou menos investimentos.

A disputa é animada ao som de um DJ e gritos das torcidas organizadas já que a escola pode enviar, além do grupo de alunos investidores, professores e colegas de classe para garantir um apoio moral às equipes. A cada mês, são selecionadas as quatro instituições com o melhor rendimento na carteira virtual. No mês de dezembro, essas mesmas finalistas disputam a grande final, que premiará os alunos dos cinco melhores times com créditos (agora, de verdade) de R$ 2.500 a R$ 25 mil, para formar um clube de investimento. A escola vencedora também ganha um computador e uma impressora.

A fim de testar a eficiência do projeto, a reportagem perguntou a cinco jovens de equipes diferentes se eles preferiam ganhar um MP4 ou o equivalente em dinheiro. Todos disseram que preferiam o dinheiro porque, investido na bolsa, a quantia poderia aumentar. E se a cotação da ação cair? “Faz parte, mas ainda assim eu teria chances de recuperar o dinheiro depois”, afirma Vinicius Felix, da Escola Estadual Aureliano Leite. Para quem duvida que alunos do ensino privado e os das escolas públicas competem em condições de igualdade, é bom saber que, no ano passado, a vencedora do Desafio foi uma escola estadual, a Fernão Dias Pais. Educação financeira não tem idade, nem condição social. (A.S.S.)


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